1 O refúgio de amor da Boa Nova,
Denominado Casa do Caminho;
Albergava um montão de pessoas em prova,
Entremostrando, fartamente,
Doença, inquietação, cansaço, desalinho…
2 O sol se despedia no poente.
Tudo, em Jerusalém, no entardecer,
Requeria parada de lazer
Depois do dia quente.
3 Entretanto, na Casa do Senhor,
Intensa, prosseguia,
A tarefa de paz, de compreensão e amor…
Enfermos sem família que os quisesse,
Débeis mentais em desvalia,
Mulheres desoladas,
Crianças de ninguém, colhidas nas calçadas,
Junto dos companheiros de Jesus,
Alinhavam-se em prece,
Rogando aos Céus socorro, amparo e luz…
4 No transcurso do dia,
Simão Pedro suara e trabalhara tanto,
Que se acolhera, a sós, em singelo recanto,
Tentando se esquivar à estafa que sentia…
Mas, um dos assessores,
Veio apressado pelos corredores,
E disse-lhe, através da voz tremente:
— “Irmão Pedro, chegou à nossa porta
Um velhinho em feridas…
Geme e grita com dores incontidas.
5 É o rabino Joaz que conheceis,
Antigo fazedor de nossas leis .”
Pedro aprumou-se e respondeu:
Como quem se arrojara a intenso asco:
— “Joaz, filho de Aquim, o terrível carrasco,
Que odeia o mundo galileu?”
6 Em seguida indagou do jovem emissário:
— “Não conheces a trama do Calvário?
Pois não sabes, nos textos em que estudas,
Que foi ele um dos vários matadores
Que aconselharam Judas
A complicar o Mestre Inesquecível?
7 E, dando um murro à mesa,
Ajuntou: “É impossível!…
Aqui não entrará semelhante traidor…
Que ele sofra, por lei da Natureza,
Remorso e enfermidade, entre gritos de dor…
Cumpro o que penso e falo,
Eu mesmo irei à porta, a fim de despachá-lo…”
8 Descia a noite devagar,
A penumbra invadia o grande lar.
9 Pedro avançava para a entrada,
Mostrando na expressão a alma rude e agitada
Mas, quase rente à porta, um homem sereno
Nele cravou o olhar calmo e profundo…
O apóstolo excitado o reconheceria
Fosse onde fosse, em todo o mundo…
Era Jesus, o Mestre Nazareno…
10 Empolgado de pranto e de alegria,
Simão interrompeu, atarantado:
“A que vindes, Senhor?
Ordenai o que for de vosso agrado…
O Cristo replicou, carregando de amor
As palavras sublimes que trazia:
— “Compreendo, Simão, a repulsa que sentes
Não pudeste esquecer as horas de agonia
Dos nossos dias diferentes…
Mas escuta, Simão:
É preciso abrandar o coração…
Olvidar toda ofensa é prosseguir em paz.
11 Pedro, venho pedir-te por Joaz,
Ele já não é mais o duro algoz de outrora,
É um pobre penitente que se escora
Nas chagas que carrega,
Um enfermo infeliz
De alma cansada e cega
Que a si mesmo se acusa e se maldiz…
12 Recorda a nossa fala de outras vezes,
Se Joaz te feriu a alma fraterna e boa,
Pedro, escuta!… Perdoa
Setenta vezes sete vezes… ( † )
Não te detenhas, vai,
Lembra o Infinito Amor de Nosso Pai…
13 Cada qual pagará pelas culpas que tem
Na justiça que vela sem cessar,
Quanto a nós cabe sempre a tarefa do bem:
Aprender e servir, compreender e amar…
Auxilia-me, enfim,
Faze o bem a Joaz, qual o fazes por mim!…”
14 Dissolveu-se na sombra a divina figura;
O apóstolo chorou, tocado de amargura…
Depois, ganhou a porta em ritmo apressado.
Um homem seminu jazia esfarrapado,
Estirado na pedra à sua própria frente.
O antigo pescador contemplou o doente
E inquiriu sobre ele ao tristonho rapaz
Que se punha a assisti-lo.
15 O moço esclareceu:
— “Amigo, este é Joaz
Que pede proteção ao teto deste asilo,
Está mudo, febrento, desprezado…
Recebei-o, por Deus, ao vosso lado
Por tutelado e amigo,
O rabino de outrora hoje é um triste mendigo…”
16 Transformado, Simão,
Alçou Joaz
Ao nível de seu próprio coração.
Depois falou para o interlocutor:
— “Ide em paz
Deixai Joaz conosco, é nosso irmão,
Ele pertence agora ao nosso amor,
Tal qual se fez e tal qual se apresenta…”
17 E enquanto o jovem sai como quem não se atrasa
A fim de obedecer aos seus chefes hebreus,
Pedro ainda aditou em voz tranquila e atenta,
— “Ele será mais nosso em nossa casa
Que esta casa é de Deus!…”
Maria Dolores
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