1
Que o menestrel ditoso não consiga
Exaltar o esplendor que a morte vela;
Cale meu ser as maravilhas dela,
Rude madrasta! Mãe piedosa e amiga!
2
Sua destra de sol horrenda e bela,
A emergir do albornoz de treva antiga,
Traz a foice que indômita castiga,
Fere, humilha, golpeia e desmantela.
3
De Têmis implacável, que não dorme,
Anjo e monstro, prossegue, sem repouso,
Duro alfanje a brandir no campo enorme.
4
Ao seu olhar sublime e doloroso,
À frente de seu gládio multiforme,
Reconforta-se a dor, padece o gozo.
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Mel. Mª de Barbosa du Bocage
Continua considerando o tema da morte, cujas maravilhas confessa o poeta ser incapaz de decantar. O genial vate aproveita o tema para mais um dos seus contrastes, como: “rude madrasta, mãe piedosa e amiga”, “destra de sol horrenda e bela”, “olhar sublime e doloroso”. A todos a Parca vigilante olha com inflexível justiça, que eleva a dor e pune o gozo material: premia o bem, castiga o mal.
Note-se a semelhança entre os dois últimos versos do segundo quarteto com os seguintes, também os dois últimos, da 51ª estrofe do Canto III, de “Os Lusíadas”:
“Mas o de Luso, arnês, couraça e malha
Rompe, corta, desfaz, abola e talha.”
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E, outrossim: compondo soneto, ainda aqui na Terra, no qual se refere às olorosas palmas do Bem e aos cardos aculeíferos do Mal, o mesmo gigante poeta nos dá viva demonstração da sua crença num Ente Supremo. Eis esse soneto:
“Os milhões de áureos lustres coruscantes
Que estão da azul abóbada pendendo:
O Sol, e a que ilumina o trono horrendo
Dessa que amima os ávidos amantes:
As vastíssimas ondas arrogantes,
Serras de espuma contra os céus erguendo,
A leda fonte humilde o chão lambendo,
Lourejando as searas flutuantes:
O vil mosquito, a próvida formiga,
A rama chocalheira, o tronco mudo,
Tudo, que há Deus a confessar me obriga.
E para crer num braço, autor de tudo,
Que recompensa os bons, que os maus castiga,
Não só da fé, mas da razão me ajudo.”
Mel. Mª de Barbosa du Bocage
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L. C. Porto Carreiro Neto