1 Desolação. Terror e morticínio.
O homem sôfrego e bruto, de ânsia em ânsia,
Sofre agora a sinistra ressonância
De sua inclinação para o extermínio.
2 É o doloroso e trágico domínio
Do “homo homini lupus” da ignorância,
Exaltando a vaidade sem substância,
Ídolo podre sobre o esterquilínio.
3 Por toda a parte, escorre o sangue horrível,
Ao crepitar de rúbidos incêndios,
Sobre a ideia cristã medrando em germe.
4 Em quase tudo, o pântano terrível,
De lodo e lama, em sombra e vilipêndios,
Atestando a vitória do homem-verme!
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CONFISSÃO n
1 Também eu, mísero espectro das dores
No escafandro das células cativas,
Não encontrei a luz das forças vivas,
Apesar de ingentíssimos labores.
2 Bem distante das causas positivas,
Na visão dos micróbios destruidores,
Senti somente angústias e estertores
No turbilhão das sombras negativas.
3 Foi preciso “morrer” no campo inglório
Para encontrar esse laboratório
De beleza, verdade e transformismo!
4 A Ciência sincera é grande e augusta,
Mas só a Fé, na estrada eterna e justa,
Tem a chave do Céu, vencendo o abismo!…
Augusto dos Anjos n
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ANOTAÇÕES
1 - Augusto dos Anjos — Augusto de Carvalho Rodrigues dos Anjos nasceu no Estado da Paraíba, no engenho do Pau-d’Arco, próximo à vila do Espírito Santo, a 20 de abril de 1884. Bacharelou-se em Direito na Faculdade de Recife. Lecionou Literatura em vários colégios, inclusive no antigo Ginásio Nacional (Colégio Pedro II). Em 1912, publica-se o Eu, seu livro famoso. Foi diretor do Grupo Escolar Ribeiro Junqueira, de Leopoldina. Nessa cidade mineira desencarna no dia 12 de novembro de 1914.
2 - O soneto “Homem-Verme” foi psicografado na noite de 25 de julho de 1940, em reunião pública na Escola Jesus Cristo, instituição espírita de Campos, quando da primeira visita do médium Xavier à Escola. Há pouco mais de dez meses se iniciara a II Guerra Mundial e o soneto de Augusto retrata admiravelmente o panorama de terror bélico que, em breve, envolveria todo o mundo. Era recente a invasão da Escandinávia e dos Países-Baixos e a “Blitzkrieg”; a guerra-relâmpago de Hitler, já havia lançado seus tentáculos sobre a Europa Ocidental. O soneto magnífico de Augusto dos Anjos nos fala dos quadros dantescos daqueles dias dolorosos, em contraste com o ambiente de beleza espiritual e de santa alegria que marcou a primeira das quatro presenças abençoadas de Francisco Cândido Xavier na Escola Jesus-Cristo.
3 - O soneto “Confissão” é uma palavra de adeus do amado poeta aos seus amigos da Escola, assinalando o último dia, o quarto (28.07.1940) da presença do também querido médium em Campos. Foi psicografado em sessão pública, na manhã de domingo na Escola Jesus Cristo, havendo representado o mundo laico, à mesa da reunião, dois intelectuais campistas — o Dr. Norival Santos, médico, e o Dr. Amaro Almeida, advogado.
4 — Estes poemas de Augusto dos Anjos foram posteriormente incorporados ao Parnaso de Além-Túmulo, editado pela FEB.
Clovis Tavares