28/07/1948
1 Meus caros filhos, Deus abençoe a vocês, concedendo-lhes muita saúde e paz.
2 Rejubilo-me anotando-lhes as boas disposições de volta ao lar. A viagem para quem trabalha a serviço do bem constitui sempre um roteiro educativo de primeira qualidade por abrir-nos horizontes novos à mente. Conservem com vocês esse espírito de alegria haurido no ganho espiritual.
3 Quanto aos dias passados com os acontecimentos difíceis de que se revestiram, recordemos a colmeia – quando a casa das abelhas é surpreendida pela entrada de substâncias que não se ajustam às suas finalidades, o elemento inesperado é envolvido em cera isolante. Há fenômenos sociais, domésticos e pessoais que exigem esse banho em cera de esquecimento construtivo.
4 Em razão disso, meu caro Rômulo, abro aqui um parêntesis para cogitar ligeiramente de suas preocupações. As ocorrências, no fundo, foram suficientemente desagradáveis para persistirem no campo de nossas recordações. Entretanto, você precisa de paz interior para o seu trabalho. É essa, penso eu com a velha experiência de muitos anos, que seu pensamento encontrará com autoridade muito maior que a de nossa afeição imperecível. Mateus (19: 5-6), a meu ver, é muito preciso. n
5 Seu lar é um tronco na esfera da vida, tronco que mereceu cuidados especiais na florescência e na maturação dos frutos. Custou-lhes bastante a formação do ambiente doméstico de que dispõem. Cada pequenina experiência do dia que passa está gravada na organização espiritual de sua comunhão em casa, há quase 25 anos consecutivos. Maria não é somente a sua companheira de luta e alegria, de trabalho e esperança. Partilha igualmente o seu ministério conjugal e é mãe de seus filhos. O lar é uma fortaleza divina para os que amam o Senhor. Daí, meu filho, a sua disposição natural de defendê-lo não somente, mas também obrigação de preservá-lo.
6 Ditosa nos seria a quadra atual do caminho redentor se houvesse suficiente compreensão no espírito geral, mas não é justo lançar em rosto alheio desculpas que não foram solicitadas. Guardemos o coração num clima de paz e entendimento para ajudar sempre nas ocasiões necessárias e, principalmente, para acolher os sentimentos contrários quando se revelem propensos à comunhão no bem, mas não é justo oferecer “estados espirituais de elevação íntima”, que seriam naturalmente interpretados em pauta de inferioridade.
7 Também sinto que a mamãe aderisse ao programa, entretanto, ainda aí, eu acredito que numa situação como essa não cometeria, por mim, a leviandade de separar os filhos do coração. No fundo, meu caro Rômulo, é a discórdia dominante produzindo frutos amargos de incompreensão. Você conhecerá cada vez mais, na atual encarnação, essa soledade interior dos que procuram a luz divina, deixando criaturas amadas para trás por preferirem elas a sombra humana. É fenômeno inevitável. Não pense que meu espírito se alheie completamente de semelhante desacordo. Lutei imensamente para compreender tudo e seguir. As raízes do passado se confundem nos séculos e os nossos propósitos de conversão com o Cristo datam de pouco tempo. Precisamos trabalhar e lutar intensivamente para seguir adiante com êxito.
8 Não é fácil a missão de distribuir amor e pão espiritual em doses controladas quando se trata de companheiros antigos no serviço terrestre. Todavia, o meu trabalho propriamente considerado não pode ser outro. A sua tarefa, no momento, não favorecia outra decisão além da que foi assumida, não somente considerando a esposa que seu coração deve honrar diante de Deus, mas também no círculo educativo em que suas responsabilidades se desdobram. Manter o seu padrão de equilíbrio em serviço é dever fundamental. Como vê, tudo passou pelo melhor caminho. Graças à Providência, vocês venceram no teste, com esforço reduzido. Quando temos fé, a misericórdia do Alto surge dilatada, porque a fé nos eleva à potencialidade receptiva. Lembremo-nos do acontecimento com vibrações de paz e fraternidade, e esperemos o futuro.
9 Relativamente ao Fausto, contudo, não permita que a figura mental dele perturbe a sua calma íntima. Converta-o numa prova benéfica da escola terrena. Seja ele um caderno de lições, porque do grande grupo ele é o primeiro a ser trabalhado por você desde aí, da experiência humana. Aplique os princípios que temos aprendido juntos, entregando-o à corrente universal. Se você erigir-lhe um altar de “sentimento excessivo” no espírito, ele ficará mais preso ao seu caminho através de fios imponderáveis da vida mental. Só o coração pacificado consegue entregar à vida o que à vida pertence para a circulação total dos valores que lhe dizem respeito. Sorria, ainda mesmo que isso se faça difícil, e deixe-o realizar o projeto que traz na mente. Ele próprio responderá por tudo o que fizer dos patrimônios que lhe foram doados e emprestados.
10 Naturalmente que com essas palavras não rogo a você favorecer o abuso de fraternidade, mas apenas previno sua dedicação contra o “culto da lembrança dorida”, que o poria em contato mais permanente com você mesmo. Entregue-o ao Senhor e trate-o por irmão, sem negar-lhe esse título, porque o tempo dá conta de todos os problemas. Se você me disse que isso é difícil, ainda assim reitero a solicitação, porque há certos trabalhos da alma que temos de “começá-los sem senti-los” para que depois se convertam em serviços naturais de nossa personalidade. Isso não será fugir. É autoaprimoramento a que a vida nos vai constrangendo devagarinho. Pelas circunstâncias de espaço, respira ele o seu clima, percorre os seus caminhos e colhe do mesmo celeiro. Não estabeleça a linha divisória. Onde não pudermos amar, meu filho, façamos esquecimento e o silêncio um dia acabará falando em voz mais alta que a dos melhores tribunos.
11 Cuidemos de nossos deveres, atendamos às nossas responsabilidades e preserve a sua saúde física. A obra da verdade e do bem acena-nos à frente. E graças a Deus não nos faltam esperança, boa vontade e bom-ânimo. Terei sido suficientemente preciso na emissão de meus apagados lembretes? Talvez não. Mas espero conversar mentalmente com você no curso dos dias e ajudá-lo-ei a “correr o pano” sobre as desagradáveis lembranças. Os dias correrão.
12 Faço votos para que prossigam alegres, tranquilos e felizes. Bênçãos de paz e luz lhes conceda o Senhor, tanto quanto a nós, para que conduzamos nossos compromissos espirituais a bom termo. Muitos daqueles que amamos dormem ainda mesmo no pesadelo de sofrimentos imanifestos, mas acordarão cedo ou tarde. Caia sobre eles o orvalho de nossas preces silenciosas, único processo, por enquanto, de que dispomos, a fim de auxiliá-los com proveito. A palavra e o gesto de amor também possuem momento justo.
13 Desejando-lhes saúde sólida com muita alegria no espírito, agradece ao Mestre divino as bênçãos que temos recebido e abraça-os, afetuosamente, o papai muito amigo de sempre,
A. Joviano
[1] Nota da organizadora: Da Bíblia Sagrada, na tradução de Padre Matos Soares “(…) 5 Por isso deixará o homem pai e mãe, e juntar-se-á com sua mulher e os dois serão uma só carne. 6 Por isso não mais são dois, mas uma só carne. Portanto, não separe o homem o que Deus juntou. (…)”