??/11/1947 n
1 Minhas filhas queridas, que Deus nos abençoe a todos. Como dizer-lhes do júbilo que me vai no coração?
2 Reconheço que entre nós, presentemente, se erguem as fronteiras pesadas e escuras da morte. Há quase treze anos permanecemos distantes uns dos outros, sob o ponto de vista material, entretanto, nunca nos encontramos tão profundamente unidos em espírito quanto agora. Estimaria materializar-me ao olhar de vocês, perpetuando o encanto e a alegria desta hora, contudo, meu velho amor paternal deverá conformar-se aos dispositivos da lei que me fez antecedê-las no túmulo. Não acreditem possa viver aqui distraído de nossos problemas fundamentais. Vendo-as aqui e abraçando-as, recordo os nossos antigos entendimentos: a mesa ruidosa e alegre da palestra caseira, e a meditação no gabinete de trabalho que vocês conservaram por amor à minha lembrança afetuosa…
3 Muitas vezes, debruço-me sobre a secretária de serviço, a fim de pensar e examinar em nosso santuário doméstico as questões que se desdobram. Impossível que o sepulcro nos separasse de todo. O que encontrei “neste lado” diferente do mundo foi a vida triunfante e é com essa vida que volto a eternizar o nosso afeto e a nossa compreensão.
4 Envaideço-me, observando-lhes o sublime devotamento ao dever. Graças à Providência Divina, regozijo-me verificando que minha vigilância paterna acertou, escolhendo para vocês o sagrado patrimônio do trabalho.
5 O nosso “team” continua atento no campo das obrigações. Vocês se entendem mutuamente no desempenho dos deveres de cada dia e essa certeza de continuidade dos nossos ideais enriquece-me o coração. Em verdade, o papai não amealhou o dinheiro. Realmente, o professor humilde não sabia lidar com os livros dos bancos, todavia, a minha dedicação encontrou no carinho com que me honram a memória a maior felicidade que um pai pode aspirar na Terra. O nosso inventário constitui-se de obrigações enobrecedoras, de bênçãos edificantes de sagrado entendimento. Como manifestar a vocês, minhas filhinhas queridas, o contentamento que se represa em minha alma feliz? Deus traduzir-lhes-á as comoções que me vibram no ser, semeando estrelas de paz e ventura no firmamento de nossa bendita comunhão espiritual.
6 Recebo todas as manifestações de ternura que me enviam, por intermédio das orações particulares e dos ofícios religiosos. Rejubilo-me com as dádivas que me endereçam ao espírito, no entanto, creiam que a correção do proceder, a consciência edificada, a noção da responsabilidade, os compromissos abraçados representam os mais sublimes tesouros com que me podem dotar para a felicidade perfeita na vida nova em que me encontro. As saudades do meu jardim interior crescem com os dias, mas desejo que aproveitem da experiência terrestre todas as oportunidades de enriquecimento espiritual.
7 Digam à nossa querida Martha do amor com que lhe recebo os carinhos. Se possível, estimaria vê-la mais contente. Para tanto, ser-me-ia agradável vendo-a respirar clima diferente do Rio, por algumas semanas. Trata-se de um problema de saúde que não somente Martha, mas também nossa prezada Marcelina, deveriam encarar seriamente. n O sacerdócio a que se devotou junto das crianças enche-me de alegria. Vocês sabem que a minha vocação para a paternidade espiritual não foi uma hipótese. Digam-lhe, pois, em meu nome, que o amor às criancinhas é um dom de Deus e que eu, afastado compulsoriamente do lar, em que fruímos alegrias tão grandes, procuro valer-me do tempo numa obra de educação de mais vulto, até que um dia nos reunamos de novo no lar espiritual, sem lágrimas e sem morte.
8 Cuidem da mamãe com essa ternura que lhes assinala os mínimos gestos. n Vocês não ignoram que são as mais lindas flores do nosso jardim. A experiência humana, minhas filhas, só é valiosa pela luz que acendemos, pelo bem que praticamos, pela virtude que construímos. E nesse aspecto, com o auxílio de Deus, todas vocês compreenderam a divindade do ensejo que a luta terrestre nos trouxe.
9 Agradeço a você, minha querida Flora, quanto tem feito pela paz de todos. Anoto-lhe as longas vigílias e as extensas preocupações na posição de responsabilidade que eu deixei. Efetivamente, o Albino seria o indicado para o comando do barco doméstico, entretanto, de antemão, sabia que você colocaria as mãos abençoadas no leme. Sei que seu coração precisa de auxílio. Em suas noites, eu estou velando. Tantas vezes tenho beijado seu coração, rogando-lhe coragem! A Terra é assim mesmo. 10 Os fortes são os vencedores da tempestade e essas tormentas ocultas do coração doem muito e essas responsabilidades inquietantes são dolorosas! As meninas precisavam de sua mão diretora, de seu esforço amigo e fraterno. Nunca se suponha sozinha em suas lutas. Estamos juntos. Como poderia ser de outro modo se você guardou, com tanto carinho, o trabalho que era meu? Acredite que o papai trabalha e ora ao seu lado. 11 Por vezes, imploro a Deus, com lágrimas, a possibilidade de ser-lhe mais útil! Eu reconheço como é difícil fazer-me sentir aqui nesta carta, com todos os elementos de identificação pessoal, pois utilizo uma terceira pessoa para escrevê-la, entretanto, quanto estiver ao seu alcance tenha fé em Deus e lute com a mesma disposição de ânimo em nosso processo de redenção. 12 Aqui, minha filha, é que vim saber a grandeza do destino e da vida. Somos associados na luta salvadora desde quanto tempo? Só Deus o sabe. Não a deixarei sozinha na batalha. Segui-la-ei passo a passo, a fim de que um dia possa o Altíssimo abençoar o fruto de nosso esforço. Ame a todos, ajude a todos, vele por todos como sempre. Creia que o professor de nada se esquece. Quando você se sentir cansada, procure o nosso gabinete silencioso. Pense em mim e estarei ao seu lado para auxiliá-la a dispor nos trabalhos difíceis. Tenho meu coração emocionado e reconhecido. Graças a Deus, pude dizer-lhes que estou vivo, embora em condições diferentes.
13 Você, minha querida Lúcia, vai muito bem medicada. Todavia, não se exceda muito no caso do “tenis”. A zona melindrada pede um certo repouso. Abraço-a carinhosamente e rogo a Deus a fortaleça.
14 Quanto a você, minha querida Célia, que notificar-lhe senão o prosseguimento de minha ternura e do meu bem-querer? Faço votos para que os seus méritos sejam reconhecidos e para que as suas esperanças sejam realizadas. Nossas conversações de outro tempo permanecem vivas em minhas recordações. Não se esqueça de que o papai continua carinhoso e vigilante.
15 Você, minha querida Zina, tem assinalado com exatidão a minha presença espiritual. Suas meditações estão modificadas. Tenho conseguido muito em pensamento no sentido de afirmar a você a minha assistência constante. Reparo-a mais fervorosa, mais compenetrada dos deveres espirituais. Minha alegria é enorme, anotando-lhe as modificações. Creio que se você se dedicasse com mais intensidade às fontes do espiritualismo, quanto o Rômulo vem fazendo, a sua prosperidade no conhecimento e na possibilidade de auxiliar aos outros seria muito grande. Todavia, convém agir com a natureza. Nada de violência. A flor é bela porque o botão não foi violado. Nesse terreno de convicções e transformações espirituais, o tempo e a serenidade constituem fatores imprescindíveis.
16 Se pudesse, escrever-lhes-ia noite adentro, falando-lhes do Infinito, de minha saudade, de meu amor, de minha ternura e de meu reconhecimento. Contudo, devo terminar. Abracem e beijem a mamãe por mim, e sejam felizes na viagem.
Continuem alegres e otimistas. O coração contente é um remédio celestial. Não se perturbem, não se desanimem. Encontrar-nos-emos na primeira oportunidade.
Guardem a gratidão e o carinho num grande, apertado e afetuoso abraço do papai,
A. Joviano
[1] Nota da organizadora: no original datilografado por Júlia Pêgo de Amorim não consta o dia da recepção da mensagem no mês de novembro.
[2] Nota da organizadora: Martha era uma das filhas de Arthur Joviano que, orientada por ele, fundou e trabalhou no primeiro colégio infantil, pré-primário, no Rio de Janeiro. Marcelina Foi dedicada e estimada servidora do lar de Arthur Joviano, por longos anos.
[3] Nota da organizadora: da união com Francisca da Rocha, Arthur Joviano teve 9 filhos, sendo que uma menina desencarnou precocemente. Foram eles: Rômulo, Fausto, Albino, Zina, Martha, Flora, Célia e Lúcia. Mais tarde, o casal adotou como filho José de Araújo.