1 Vendo a amizade estreita
Da filha que ele amava, ardentemente,
Com a jovem artista,
Comediante e equilibrista,
Sempre atirada sob a espreita
Da crítica feroz de muita gente,
O pai chamou-a e disse em palavras severas:
2 — “Filha, não tens ainda vinte primaveras
Estudas num colégio austero e nobre,
Dize: qual a razão
Que te leva a escolher a companhia Dessa jovem mulher,
Reles mulher sem consideração?”
3 E, ante a muda surpresa da menina,
O pai continuou na censura ferina:
— “Proíbo-te qualquer intimidade
Com essa moça envilecida,
Que procura arruinar a própria vida,
E que na condição de atriz, quer no palco ou na rua,
Anda de trama em trama,
Sempre despudorada e seminua
Numa trilha de lama…”
4 “Mas, meu pai,” — disse a filha humildemente,
“Ela trabalha assim,
Para tratar do pai cego e doente…”
— “Minha ordem é o fim” —
Grita o progenitor, derramando azedume,
“Essa atriz para mim
É uma pessoa deprimente,
Que só por si resume
Calamidade, astúcia, meretrício.
Não mais te quero ver, onde estiver
Essa infeliz mulher,
Hoje dama do vício”.
5 A menina chorou e obedeceu.
Não mais buscou a antiga companheira
E fez mais do que isso,
Negou-se a recebê-la quando procurada,
Alegando trabalho e compromisso.
6 Mas os dias na Terra vêm e vão…
7 Numa clara manhã de tórrido verão
A família fidalga está na praia,
Pai, mãe e filha, em meio dos banhistas…
A multidão descansa, olhando o mar,
Toda gente partilha o mesmo ar,
Os filhos da cidade e os grupos dos turistas.
O mar naquele dia
Estava diferente… Parecia
Um gigante que se alteia
Para depois cair aos estrondos na areia…
8 Eis que, em certo momento, uma onda mais alta
Chega de escantilhão
E arrasta para longe a menina fidalga
Que desce às profundezas de roldão.
A pobre vem à tona
E grita por socorro,
Aprestam-se a salvá-la os guardas de vigia;
Há confusão, desordem, gritaria…
9 No entanto, de um grupinho, à parte dos demais,
Certa jovem que estava em gargalhadas,
Avança, mar adentro, em valentes braçadas,
Mergulha, em certo ponto, e num momento,
Volta trazendo a jovem desmaiada.
10 Mas ao depô-la salva, em terreno seguro,
Um vagalhão enorme, um monstro escuro
Arranca a salvadora para trás,
A moça não resiste ao assalto voraz
E, a debater-se, em vão, é atirada à distância e vai ao fundo…
Esforça-se debalde… Está presa entre plantas,
Que procura vencer, contudo elas são tantas!…
11 Na luta que mantém, de segundo a segundo,
Perde as forças… Por fim, se desanima,
Não consegue voltar ao ar leve de cima…
Em torno, a multidão, grita por ela,
Agitam-se homens-rã, correm os nadadores,
Depois de esforços desesperadores,
A moça vem à tona… Posta num barco à vela
A menina está morta e, em breve, junto dela,
Une-se toda gente, a lastimar-lhe o fim…
12 Aflito, chega o pai da jovem salva,
Põe-se a rogar: “Acordem a heroína
Essa moça merece a Proteção Divina,
Ela salvou-me a filha,
A filha que é meu sonho e a luz que me conforta,
Quero entregar-lhe um prêmio e senti-la feliz…”
Mas fitando no barco a pobre moça morta,
Retrocedeu chorando… Era a famosa atriz.
Maria Dolores
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