Durante a Festa de Yemanjá — uma das maiores e mais tradicionais festas religiosas do país, — realizada em Praia Grande, cidade do litoral paulista, o jovem Ulisses Ubiratan, ao entrar no mar, apresentou um mal súbito e tombou desfalecido, despedindo-se do Mundo Material.
Ubiratan ali estava, naquele 9 de dezembro de 1979, com todos os seus familiares, dedicados dirigentes de uma Tenda de caridade em Guarulhos, SP.
Contudo, passados três meses deste grande trauma afetivo, decorrente de uma separação tão brusca e inesperada, o Plano Espiritual se manifestou. A avó, D. Benedita Alves Tobias, mãe de criação do jovem e presidente da referida Tenda, compareceu ao Grupo Espírita da Prece, em Uberaba, onde recebeu afetuoso e consolador recado de Ubiratan, incluído em mensagem de Laurinho (Espírito) à sua mãe. (Antenas de Luz, F. C. Xavier, Laurinho, Priscilla P. S. Basile, IDE, Araras, SP, Cap. 4.)
Outras vezes D. Benedita esteve em Uberaba, mas somente três anos após o acontecimento, aos 4 de março de 1983, ela recebeu a tão esperada carta do saudoso filho-neto. Esta, além de esclarecer a causa real da morte física, abordou um tema que surpreendeu a família: o fechamento da Tenda, decisão tomada pelos próprios familiares, desde a desencarnação de Ubiratan.
Em sua carta, redigida com o auxílio da vovó Cândida, Ubiratan foi claro e incisivo ao focalizar esta questão: “hoje a vovó Cândida me recomenda indagar do seu coração por que motivo a senhora brigou com os nossos Protetores, encerrando as atividades de nossas reuniões. (…) Volte, querida mãezinha Benedita, às tarefas da caridade, porque o bem a favor dos necessitados vem do Alto. Reúna a nossa família de amigos e companheiros, e abra uma vaga para mim, de modo que eu consiga estar perto de sua presença.”
Pouco tempo após o recebimento desta mensagem, D. Benedita atendeu o apelo do Mais Além, conforme carta a nós dirigida: “Graças à orientação e ao pedido de Ubiratan, estamos novamente trabalhando na Tenda, praticando a caridade.”
Eis, na íntegra, a carta mediúnica:
CARTA DE UBIRATAN
1 Querida mamãe Benedita, n abençoe-me.
2 Tenho na imaginação o papai Valdir n para reunir os dois em meu carinho, em lhes escrevendo estas notícias.
Francamente, não supunha pudesse encontrar mesa, papel, lápis, mãos amigas e uma assembleia de pessoas generosas a me auxiliarem para que lhes fale aos corações. Foi a vovó Cândida n que me encorajou a vir até aqui, e enterneço-me, ao beijar a sua face.
3 Mamãe, quanto tempo de angústia escureceu a nossa vida, com a sua tristeza diante da partida que eu não podia evitar.
4 Confesso que me achava muito feliz, quando fomos incorporados em grupo, reverenciar a nossa Mãe Espiritual na praia que me pareceu um lago imenso e repleto de luz, naquela hora em que iniciávamos as nossas preces.
5 Alguma coisa me interrompeu a tranquilidade. Levei a mão ao peito como se quisesse prender o meu coração que pulsava desordenado. n Pensei comigo mesmo que era a beleza espiritual dos cânticos e das orações que me induzia àquela empolgação, mas alongando o olhar para as águas, não mais vi a sua presença e nem os amigos que nos cercavam. 6 O mar parecia uma praça em que deslizava muita gente numa espécie de trânsito que eu não conhecia. Quis chamá-la para ver, mas notei que uma senhora ao meu lado me abraçava maternalmente e eu, que já perdera a convivência da mamãe Dilma, para ter outra mãe na sua dedicação de avó, que se nos fez mãe querida, acreditei que outra mãe estava surgindo para mim. 7 A senhora me estendeu os braços e não resisti ao encantamento daquele sorriso que me convidava à calma e à confiança. Numa fração de segundo, caí sem forças e, de imediato, notei que o coração parara de súbito… Não mais conseguia levantar-me, ou comandar os movimentos próprios.
8 Aquela outra mãe me disse, com bondade e tolerância:
— Para você, meu filho, chegou o descanso para tarefas novas…
9 Não compreendi o que escutara, e porque nada mais me restava senão obedecer, entreguei-me àquele regaço maternal que, aos meus olhos espantados, devia ser um colo do Céu. Acomodei-me rente àquele coração repleto de carinho e dormi profundamente.
10 Penso, mamãe Benedita, que não preciso dizer que despertei sob a proteção da vovó Cândida que me buscara, generosamente. Sentia-me confuso porque não me achava num ambiente novo e sim numa continuidade do painel em que nos desenvolvia a existência. 11 A vovó Cândida passou a elucidar-me. Declarava ela que eu recebera um prêmio da Divina Providência, porque se estivesse atado à parada cardíaca de que fora acometido, talvez pudesse acordar em algum hospital da Terra ou em nossa casa para atravessar longo tempo de imobilidade irreversível.
12 Chorei ao saber que nos achávamos separados, conquanto me soubesse resguardado na bondade vigilante da outra mãe que Deus me concedia.
13 Começaram novas experiências para mim. Diversas vezes fui revê-la, juntamente ao papai Valdir e às queridas irmãs Yara e Jupira, n e senti que as suas lágrimas estavam em meus olhos.
14 Demorei-me para adquirir a conformação precisa a fim de contribuir, de algum modo, a benefício de nossa casa, mas hoje a vovó Cândida me recomenda indagar do seu coração por que motivo a senhora brigou com os nossos Protetores, encerrando as atividades de nossas reuniões. Mamãe, o seu espírito de trabalho não se compadece com essa omissão. Volte, querida mãezinha Benedita, às tarefas da caridade, porque o bem a favor dos necessitados vem do Alto.
15 Reúna a nossa família de amigos e companheiros, e abra uma vaga para mim, de modo que eu consiga estar perto de sua presença. Ainda sou inexperiente e preciso aprender a servir. Peço-lhe tanto quanto ao papai Valdir, para que as nossas tarefas de auxílio aos sofredores sejam reiniciadas. A nossa felicidade se fechou, quando o seu coração querido cerrou as portas da vida íntima ao trabalho da fé.
16 Mãezinha, tudo evolui para melhor e estaremos consigo para que os nossos braços se dediquem à fraternidade.
Entregue a carga de nossas tristezas a Jesus e procuremos agir nas boas obras.
17 O tempo com o trabalho cura todas as chagas do espírito e a sua dor, por minha causa, ficou sendo nossa.
18 Não fique impressionada por haver sido eu chamado numa hora de orações. Foi muito melhor assim do que se eu estivesse em brincadeiras inconvenientes, na rua.
19 Mamãe Benedita, não arrede os seus sentimentos da confiança em Deus. Venha para a luz do serviço aos nossos semelhantes outra vez, e pode trazer a fronte erguida de obreira que sempre buscou o melhor caminho de entender aos necessitados, que sempre confiaram em sua porta. Estaremos mais juntos.
20 A vovó Cândida, cuja mão dirige a minha mão enquanto lhe escrevo, para que eu não venha a perder tempo em divagações, lhe deixa um abraço extensivo ao papai Valdir e me recomenda terminar.
21 Querida mamãe Benedita, muitas lembranças ao papai, à Yara e à Jupira, e receba todo coração de seu neto que é seu filho da alma, sentimento do seu sentimento, e será sempre amor de seu amor, sempre o seu,
Ubiratan
Ulisses Ubiratan Alves Gusmão. n
NOTAS E IDENTIFICAÇÕES
1 - Mamãe Benedita — Benedita Alves Tobias, avó paterna de Ubiratan, o criou desde o nascimento por motivo de doença da mãe do jovem, Dilma da Conceição Gusmão. D. Benedita reside à Rua D. Antônia, nº 1146, Bairro Gopoúva, Guarulhos, SP.
2 - Papai Valdir — Valdir Alves Gusmão.
3 - Vovó Cândida — Bisavó paterna, faleceu em São Paulo, Capital, antes do nascimento de Ubiratan.
4 - Levei a mão ao peito como se quisesse prender o meu coração que pulsava desordenado. (…) numa fração de segundo, caí sem forças e, de imediato, notei que o coração parara de súbito… — A propósito da causa mortis, D. Benedita narrou-nos, em carta, que pouco tempo antes do fato, Ubiratan submeteu-se a um exame médico que “acusou algo no coração”, aparentemente sem maior importância.
5 - Yara e Jupira — Irmãs.
6 - Ulisses Ubiratan Alves Gusmão — Nasceu em Guarulhos, a 12/01/1959. Era escriturário da Caixa Econômica Estadual e preparava-se para ingressar num curso de engenharia em Mogi das Cruzes.
Hércio Arantes