1 Dirigindo-se aos povos católicos, Pio XI falou, nestes últimos dias, da sua poderosa estação radiofônica.
2 A palavra do chefe supremo da Cristandade católica analisou a situação do mundo, detendo-se sobre os acontecimentos trágicos da Espanha e referindo-se veladamente às inovações que o Hitlerismo deseja imprimir às noções do Evangelho. 3 Sua Santidade manifestou-se acerca dos martírios do clero espanhol, considerando que o Senhor julgou dignos de padecerem pela sua causa os elementos religiosos, vítimas das sanhas do extremismo demolidor, não obstante uma grande maioria de padres preferir ali, no momento, em vez da prece, a metralhadora e o fuzil.
4 Os elementos da Igreja se movimentam no sentido da restauração do seu império sobre a alma das massas. E com esse objetivo apela para os sentimentos de humildade e devoção à obra do Cristo.
5 Ainda há pouco, no derradeiro congresso eucarístico do Brasil, enquanto se queimavam somas consideráveis de dinheiro na apresentação de espetáculos luxuosos, um príncipe da Igreja romana afirmava que o Catolicismo sabe o caminho de martírio das catacumbas, frisando que a Igreja conhece que o seu reino não é deste mundo, mas que é o próprio mundo quem necessita do seu concurso e da sua cooperação.
6 Dentro de contradições desse jaez, a Igreja Católica não poderá manter a sua posição como centro de interesses espirituais. Se o seu reino não é deste mundo, qual a razão do seu condenável desejo de fundar um império na Terra? Por que organizar todo um Estado, cheio de armas, de moedas e de apetrechos que não se acham apropinquados ao idealismo cristão? 7 Em virtude de que razão houve conciliábulos secretos entre monsenhores do Vaticano e a direção política da Itália na campanha abominável da guerra da Abissínia? Muitos estudiosos de assuntos econômicos se surpreenderam com a resistência italiana às sanções da Liga de Genebra. As revistas internacionais estão repletas de artigos elucidativos, explicando a coesão dos italianos em torno da vontade única do seu chefe.
8
Mas não foram apenas a agricultura intensiva ou as dádivas da pátria que permitiram essa resistência que assombrou os outros países. O Vaticano abriu as suas arcas, auxiliando o movimento anticristão. As forças políticas dominaram a sede da Igreja numa ação natural, porquanto ela não cuidou de organizar energias espirituais para vencer os assaltos do mundo. 9 O Tratado de Latrão, pelo qual se combinaram o chefe de uma igreja que se diz mandatária direta das vontades do Altíssimo e Mussolini, ateu e materialista, foi o primeiro passo para que se estabelecesse tão grande domínio, que vem culminando nestes últimos tempos.
10
É inútil que o papa fale, comovido, ao mundo. A Igreja perdeu a luz espiritual que deveria tocar os corações que a ouvissem. 11 Segundo se afirma há muito tempo, os padres atuais já não são mais os apóstolos humildes e simples. São criaturas cheias de expressão no mundo financeiro. Suas vidas rodopiam em torno de fulgurantes aquisições de ordem material. São apóstolos satisfeitos e felizes na terra da iniquidade. 12 Mas também eles já não podem dizer ao aleijado “Levanta-te e anda!” e nem consolar os aflitos em nome do Senhor. A Igreja prossegue na sua série de contradições, por final dos últimos tempos de sua influenciação sobre os povos.
13
Antes de se dirigirem ao mundo com a sua demagogia religiosa, seria melhor que todos os prelados decidissem utilizar-se das palavras para, libertando-se das terríveis tutelas políticas claramente exercidas sobre a Igreja Católica, cooperarem, de fato, na obra profundamente espiritual e genuinamente cristã da regeneração do mundo pelos atos e pelas obras.
Emmanuel
Reformador — 16 de outubro de 1936.