1 Não encontro mérito algum em proclamarmos agora as realidades da sobrevivência no além-túmulo, quando as nossas biografias apresentam opiniões e atos contraditórios em nossas atividades pessoais, quanto ao problema, transcendente em demasia para a nossa miopia humana, da existência das almas. Nem venho utilizar-me da tribuna que o Espiritismo me oferece para a dialética de doutrinarismo político, porque já não sou mais o candidato das campanhas democráticas em marcha para as altas magistraturas do país. 2 É possível que se presuma de oportunidade a minha opinião espiritual quanto à nova Constituição brasileira, recentemente promulgada; todavia, encerrada a atividade no trabalho que se nos designou sobre a face do mundo, encaramos de perto o edifício da verdade relativa que nos é dado contemplar e reconhecemos quão errados permanecíamos, anquilosados em nossos sentimentos individualíssimos, sandejando dentro do espírito acadêmico dos preconceitos sociais, e não é razoável que atuemos diretamente sobre as iniciativas humanas, em nossas remotas condições de invisibilidade.
3 Estas as razões principais para que eu enverede por outras estradas, trazendo a quantos me ouvem algo de animador para a colheita da Espiritualidade. Não me é lícito, portanto, aproveitar o ensejo que se apresenta para explanar doutrinas partidárias. Devo, sim, tratar da doutrina da fraternidade humana, única apta a conduzir o homem aos seus altos destinos, e da grande lei reguladora de todos os fenômenos da existência espiritual. 4 Quantos, como eu, se ocuparam na Terra com questões meramente mundanas e cedo reconhecem a ineficiência de muitas de suas obras, oriundas de orgulho e egoísmo pessoais! Já não é o patriotismo da facção que nos move os impulsos da alma, mas o sentimento de tudo quanto é superior, e elevado, capaz de arrebatar-nos a esferas mais lúcidas do conhecimento, sob todos os seus aspectos!
5 Voltando, pois, mais diretamente ao convívio dos brasileiros, desejo apenas chamar-lhes a atenção para o grande problema da educação, indispensável à mentalidade coletiva, para a necessidade de aplicar-se com mais afinco à solução do enigma pedagógico, que implica a formação do caráter de toda uma nacionalidade. E tal problema está totalmente afeto à direção política do país, atarefada em circunscrever as suas atividades à propaganda partidária, facciosa, sem quaisquer benefícios generalizados.
6 A política é uma ciência, como a mecânica, a física, a química, em suas questões diversas. Aqueles, porém, que se reúnem sob a sua bandeira, que deve ser um símbolo de fortaleza moral e amparo coletivo, precisam saturar-se do conhecimento de todo o bem que poderá advir da concretização do ideal fraternista, que o próprio materialismo positivo preconiza, como fator da estabilidade da paz e da evolução de um povo. 7 Infelizmente, no Brasil, a mentalidade política se ressente de falhas comprometedoras. Cogita-se, unicamente, dos candidatos de clã, os quais ascendem à suprema autoridade, devido ao sentimento de gregarismo imperante nas massas eleitorais. Não valem, em nossa terra, as plataformas democráticas, os programas de ação regeneradora. 8 Por infelicidade, excetuando-se uma “elite” relativamente mínima, a máquina sufragante se reduz à mão dos chefes locais, manejada sob a proteção dos erários públicos, prevalecendo tão-somente o programa das individualidades, que, em qualquer agrupamento se constituem uma força, um eixo a cujo derredor giram todas as opiniões, gravitam todas as ideias!
9 Num país como o nosso, onde desde a realização do ideal republicano têm medrado liberalíssimos dispositivos constitucionais, reconhecemos que a mentalidade geral não corresponde a essa liberdade espontaneamente outorgada, porque a ignorância ainda campeia quase que em toda parte, cultuando condenáveis absurdos políticos pelo sentimento errôneo de fidelidade excessiva aos chefes. 10 Necessita o Brasil de uma autoridade centralizadora, que consiga polarizar todas as energias do sentimento nacional, para que o progresso não se afigure uma aquisição aleatória, dentro de uma pátria generosa, apta a receber e cultivar as sementes dos mais puros idealismos da humanidade e destinada a exercer tanta influência no mundo pelos seus vínculos de Cristandade, figurando entre os povos como um recanto, onde a paz é o anseio visceral de cada indivíduo. 11 Mas torna-se necessário, imprescindível, que o povo se eduque convenientemente, porque só a luz da educação requerida poderá manifestar a sua soberania, escolhendo conscientemente os seus governantes, não em obediência às inspirações regionais, quase sempre baseadas no regime da reciprocidade de condenáveis e escandalosas concessões, porém com a consciência do nobre cumprimento dos seus deveres cívicos, os quais poderão, só por si, realizar a redenção de todos os erros do passado, suprindo todas as necessidades da nação, solucionando todas as crises econômicas.
12 Nós, Espíritos, não vimos pedir que se proclame esse ou aquele princípio político para as administrações, essa ou aquela doutrina partidária. Deem luz ao Brasil! Deem luz a toda a nacionalidade!
Nilo n
Reformador — 16 de agosto de 1934.
[1] Nilo Procópio Peçanha foi um político brasileiro, nascido em Campos dos Goycatazes, Estado do Rio de Janeiro, em 2 de outubro de 1867. Assumiu a Presidência da República após a morte de Afonso Pena, em 14 de junho de 1909, governando o país até 15 de novembro de 1910. Foi o primeiro presidente mulato do Brasil. Faleceu em 31 de março de 1924, na capital do Rio de Janeiro. Da data de sua desencarnação à data da psicografia passaram-se 10 anos.