1 À sombra amiga destes montes calmos, Meu pobre coração de anacoreta, Amortalhado em fina roupa preta, Desceu à escuridão dos sete palmos.
2 Viera o fim dos sonhos intranquilos, Entre grandes e estranhos pesadelos, Satisfazendo aos trágicos apelos Da guerra inexorável dos bacilos.
3 A morte terminara o horrendo cerco, Sufocando as moléculas madrastas… Eram trilhões de células nefastas, Voltando à paz do túmulo de esterco.
4 Indiferente aos últimos perigos, Meu corpo recebeu o último beijo E comecei o lúgubre cortejo, Sustentado nos braços dos amigos.
5 Em triste solilóquio no trajeto, Espantado, fitando as mãos de cera, Rememorava o tempo que perdera, Desde as primárias convulsões do feto.
6 Porque morrer amando e haver descrido Do Eterno Sol do qual vivera em fuga? Como é sombrio o pranto que se enxuga Pelo infinito horror de haver nascido!…
7 Depois, vi-me no campo onde a dor medra, Ao contato do chão frio e profundo, Chegara para mim o fim do mundo, Entre as cruzes e os dísticos de pedra.
8 Terrível comoção pintou-me a cara, Na escabrosa cidade dos pés juntos, Tornara-se defunta entre os defuntos, Toda a ciência de que me orgulhara.
9 Trêmulo e só, no leito subterrâneo, Sentia, frente à lógica dos fatos, O pavor dos morcegos e dos ratos, Dominar os abismos de meu crânio.
10 Meus ideais mais puros, meus lamentos, E a minha vocação para a desgraça Reduziam-se à mísera carcassa Para o açougue dos vermes famulentos.
11 Em seguida, o abandono, enfim, do plasma, Os micróbios gritando independência… E tomei nova forma de existência Sob a fisiologia do fantasma.
12 Fugindo então ao gelo, à sombra e à ruína, Do caos sinistro em que vivi submerso, Revelou-se-me a glória do universo, Santificado pela Luz Divina.
13 Oh! Que ninguém perturbe os meus destroços, Nem arranque meu corpo à última furna, É Leopoldina a generosa urna, Que, acolhedora, me resguarda os ossos.
14 Beije minhalma alegre o pó da rua, Deste painel bucólico e risonho, Onde aprendi, no derradeiro sonho, Que o mistério da vida continua…
15 Bendita seja a terra augusta e forte, Onde, através das vascas da agonia, Encontrei a mim mesmo, em novo dia, Pelas revelações de luz da morte.
Augusto dos Anjos
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