Um homem, aspecto tímido, o rosto um pouco triste. Ele vai começar a falar sobre um assunto que vai tomar conta da cidade.
Esse homem chama-se Francisco Cândido Xavier, médium espírita, conhecido em quase todo o mundo.
Um homem simples que vai falar sobre a geração de crianças em tubos de ensaio, das guerras, das violências do mundo.
Um homem, sobretudo um homem que acredita na poesia de seus quatrocentos autores psicografados.
Um homem, óculos escondendo os olhos pequenos, um auditório repleto de estudantes, de mulheres, crianças e trabalhadores.
Chico Xavier vai falar.
Depois que Chico Xavier falou, toda a cidade estava cativada. O Canal 4 repetiu todo o programa “Pinga-Fogo”. E a cidade ficou comentando nos seus bares, nos seus escritórios, no seu desespero, nas suas fugas.
Uma cidade que perdeu seus anseios, que se escondeu dentro dela mesma, dentro dos seus restaurantes, das suas farmácias, dos seus cinemas, nos teatros, nos parques com algumas árvores. A cidade comenta Chico Xavier. Hoje nós publicamos todas as palavras desse homem. Todas as páginas do Jornal de Domingo são de Chico Xavier, um homem que está falando da paz entre os povos do mundo: “Se não entrarmos numa guerra de extermínio nos próximos 50 anos, nós poderemos esperar realizações extraordinárias da ciência humana partindo da Lua.”
De repente, uma cidade inteira estava chorando diante de um aparelho de televisão. Chico Xavier estava rezando por todos.
De repente, esse homem cativou todo o povo. Quem é esse homem? Respondemos nesta página.
Tímido, modesto, voz frágil e insegura, um homem começa a falar. Pedindo desculpas por suas falhas, por sua pouca cultura. É o programa “Pinga Fogo” do Canal 4, na noite de 28 de julho, em São Paulo. 61 anos, magro, óculos escuros escondendo uma vista defeituosa. Testa alta, rosto inteligente, uma humildade sincera. Qual a primeira impressão que causou Chico Xavier? A de um homem muito, muito e muito sincero. A impressão de uma autenticidade básica e total.
Ele não deu, a princípio, a medida de sua inteligência. No entanto, tínhamos todos a certeza de que os botões não seriam desligados dentro de alguns minutos. Parecia estarmos vendo gente telefonando para os amigos, avisando que Chico Xavier falava no Canal 4. Parecia estarmos vendo os botões de TV se acenderem, como luzes, de um canto a outro de São Paulo. E os telefones da TV-Tupi tocavam cada vez mais freneticamente, o povo paulista inteiro querendo participar do programa de Chico Xavier.
O médium de Uberaba, com sua sensibilidade de paranormal, deu-se conta do impacto. Sua entrevista foi num crescendo, envolvendo cada vez mais, até atingir o clímax na sessão de psicografia que São Paulo inteira acompanhou, em absoluto suspense.
Quem é esse homem que fascinou todo um povo? Quem é Francisco Cândido Xavier, o modesto barnabé aposentado que mora em Uberaba? E por que sua voz frágil e tímida comunica tanto, se apenas uma parcela do imenso público que o assistiu era constituída de gente que já conhecia as suas obras?
Na pequena cidade mineira de Pedro Leopoldo, ali por volta de 1915, um menino muito pobre, órfão de mãe e criado em casa de estranhos, conversa com a mãe morta no fundo do quintal. Ela lhe dá o conforto que os vivos lhe recusam. Mas ele não pode dividir com ninguém o seu segredo. Não lhe dão crédito, consideram-no mentiroso ou perturbado mental. O pequenino Chico era repreendido e castigado.
De volta à família, com o segundo casamento de seu pai, Chico continuou sendo um menino muito estranho. Já trabalhando e estudando no Grupo Escolar São José, de Pedro Leopoldo, vamos encontrá-lo na classe da professora Rosária, aos 12 anos, cursando o 4º ano primário. Os alunos estão reunidos para fazer uma prova, num concurso instituído pelo Governo de Minas. O tema é “Brasil”. Quando o menino Chico Xavier pega a caneta para escrever, um vulto de homem, ao seu lado, começa a ditar. O menino, em sua honestidade, consulta a professora. Ela não sabe o que dizer, manda que ele prossiga a sua prova.
Mas quando o júri do concurso confere a Chico Xavier uma Menção Honrosa, os estudantes de Pedro Leopoldo passaram a acusar aquele estranho menino. Muita discussão se travou e a classe pediu à professora que fizesse um exame público com o pequeno Francisco Cândido Xavier. “Nesse exato instante, tornei a ver o homem que os outros não viam e ele me disse estar pronto para escrever.”
O tema, dessa vez, seria “areia”. Na lousa, o pequeno Chico Xavier escreve: “Meus filhos, ninguém escarneça da criação. O grão de areia é quase nada, mas parece uma estrela pequenina refletindo o Sol de Deus…” Dai em diante, dona Rosária proibiu que se voltasse a falar do assunto. “Nem eu deveria dar notícias das coisas estranhas que eu visse, e nem os meus colegas deveriam me perguntar qualquer coisa fora de nossos estudos.”
Chico Xavier tem agora 17 anos. Trabalha num armazém, serviço puxado, de sol a sol. A família, numerosa, depende em parte do que ele recebe. É um rapaz pobre, mas tem muitos amigos. Entre eles o padre de Pedro Leopoldo, Sebastião Scarzelli. Confessor de Chico Xavier, manda que ele reze ao Senhor quando tiver suas visões. Houve um dia, nos 15 anos de Chico, em que o padre Sebastião, para confortá-lo, sai com ele da igreja e o leva para comprar um par de sapatos.
No dia 7 de maio de 1927, pela manhã, o jovem Chico Xavier participa de uma sessão espírita. Sua irmã Maria estava doente e um casal amigo, o Sr. José Hermínio Perácio e Dª. Carmem Perácio, presta socorro à enferma. Todos da casa oram, no próprio quarto da doente. A irmã curou-se e o casal iniciou Chico Xavier na Doutrina Espírita, explicando-lhe o significado de todas aquelas visões e dos fenômenos estranhos que ocorriam com ele. Assim Chico Xavier conheceu Allan Kardec, leu seus livros e assumiu a responsabilidade de sua mediunidade.
Com a honestidade básica que é característica fundamental de sua personalidade, foi ao confessionário do padre Sebastião Scarzelli e contou-lhe que “ia estudar o Espiritismo e dedicar-se à mediunidade”. “Seja feliz, meu filho. Eu rogarei à nossa Mãe Santíssima para que te abençoe e te proteja…”
E Chico Xavier tomou o seu caminho.
“Em fins de 1927, numa reunião pública e depois da evangelização, Dª. Carmem Perácio, médium de muitas faculdades, transmitiu a recomendação de um benfeitor espiritual para que eu tomasse o lápis e experimentasse a psicografia. Obedeci e minha mão de pronto escreveu dezessete páginas sobre os deveres espíritas… Senti alegria e susto ao mesmo tempo. Tremia muito quando terminei.” Assim conta Chico Xavier o seu primeiro trabalho psicográfico, em entrevista que concedeu ao médico Elias Barbosa e que está contada no livro deste autor No Mundo de Chico Xavier.
Assim, de 1927 a 1931 Chico Xavier recebeu centenas de mensagens que, posteriormente, foram inutilizadas por se destinarem apenas a exercícios de psicografia, conforme os Bons Espíritos determinaram a Chico Xavier que fizesse. Nesses quatro anos, como em toda a sua vida, o médium de Uberaba convivia tanto com pessoas vivas como com pessoas desencarnadas. Uma das mais assíduas protetoras de Chico, na época, foi a sua mãe Maria João de Deus.
Porém, era ele, então, vítima também de muita mistificação por parte dos Espíritos. Por que, Chico?
— De certo que o Mundo Espiritual permite que eu passe por essas provações para mostrar-me que receber livros dos Instrutores Espirituais não me cria privilégio algum, que estou apenas cumprindo um dever e que sou um médium tão falível quanto qualquer outro, com necessidade constante de oração e trabalho, boa vontade e vigilância.
Chico Xavier falou no programa “Pinga-Fogo”, o qual com índice ainda maior de audiência e envolvimento de legiões de espectadores, foi reprisado pela TV-Tupi na noite de terça-feira passada. Desde 1931 que o espírito de Emmanuel guia as mãos de Chico Xavier, “como um viajante muito educado procura domar um animal freado e irrequieto, a fim de realizar uma longa excursão”, como, em sua modéstia natural, o médium afirmou, quando perguntado por Elias Barbosa. Disse ainda:
— Emmanuel tem sido para mim um verdadeiro pai na Vida Espiritual, pelo carinho com que me tolera as falhas e pela bondade com que repete as lições que devo aprender. Em todos esses anos de convívio estreito, quase diário, ele me traçou programas e horários de estudo, nos quais a princípio até inclui datilografia e gramática, procurando desenvolver os meus singelos conhecimentos de curso primário, em Pedro Leopoldo, o único que fiz até agora, no terreno da instrução oficial.
A presença de Emmanuel, disse Chico Xavier no vídeo do Canal 4, foi fundamental para que ele respondesse, com a objetividade e segurança com que respondeu às mais diversas perguntas do programa.
Parnaso de Além Túmulo, psicografado em 1931 foi editado em 1932. Chico Xavier ainda trabalhava no pequeno armazém de Pedro Leopoldo, das 7:00 h da manhã às 8:00 h da noite. Alguns anos depois foi admitido como pequeno funcionário, no Ministério da Agricultura, onde está aposentado depois de ter cumprido 30 anos de efetivo exercício, parte em Pedro Leopoldo, parte em Uberaba (a partir de 1958).
Nesses 40 anos de psicografia, publicou 107 livros e tem mais 4 no prelo. n Recebeu poemas, romances, livros técnicos e livros doutrinários, crônicas e páginas em prosa.
Foram mais de 400 os autores que se comunicaram com o público, depois de mortos, através das mãos de Chico Xavier. Isso, sem contar o trabalho desenvolvido pelo médium de 1927 e 1931, já que esse não foi publicado.
Desses livros, cinco estão traduzidos para o Esperanto, nove para o Castelhano e um para o inglês. Chico Xavier nunca recebeu um centavo de direitos autorais. Destina todo o lucro de sua produção às organizações Espíritas, para a aplicação em obras sociais. Além de seu trabalho psicográfico, presta também assistência a pessoas necessitadas e doentes. É também médium para serviço de doutrinação a entidades perturbadas, frequentando, semanalmente, sessões de desobsessão na Comunhão Espírita Cristã, de Uberaba.
Humberto de Campos, que antes de desencarnar opinara sobre o Parnaso de Além-túmulo, veio a tornar-se um dos mais ativos escritores psicografados por Chico Xavier, escrevendo também sob o pseudônimo de “Irmão X”. A começar pelas famosas Crônicas de Além-túmulo até o volume Cartas e crônicas. Em disputa dos direitos autorais do grande cronista brasileiro, a família de Humberto de Campos levou Francisco Cândido Xavier aos tribunais, tendo o médium de Uberaba vencido a questão na Justiça.
Entre os escritores estrangeiros psicografados por Chico Xavier contam-se Guerra Junqueira, Eça de Queiroz, Bocage, João de Deus, Roberto Southey (historiador inglês) e M. Berthelot, o criador da Termoquímica.
Emmanuel escreveu, por intermédio da mediunidade de Chico, vários romances, como Há dois mil anos…, Cinquenta anos depois, Renúncia, Paulo e Estêvão, Ave, Cristo!, todos passados em épocas antigas, na remota Roma, na velha Espanha, na antiga França. Esses romances são considerados obras-primas da literatura e alguns deles foram levados à televisão.
Muitos foram os poetas brasileiros psicografados pelo médium de Uberaba: Castro Alves, Cruz e Souza, Alphonsus Guimarães, Guerra Junqueira, Casemiro de Abreu, Fagundes Varela, Olavo Bilac têm páginas em Parnaso de Além-túmulo, Antologia dos imortais e outros livros. Ficção em prosa é outra constante na obra de Chico Xavier. Hilário Silva, Cornélio Pires, Neio Lúcio são alguns dos autores de livros como Pontos e contos, Falando à Terra, Contos desta e doutra vida, etc. n
A Coleção André Luiz é considerada um verdadeiro monumento da filosofia espírita, um documentário de tudo o que acontece além do sepulcro. Também fazem parte de sua obra livros de História, Ciência, Filosofia e Religião. Evolução em dois mundos, Mecanismos da mediunidade, Palavras de vida eterna são alguns dos livros de Doutrina Espírita que constam da imensa bibliografia de Chico Xavier.
Este é, leitor, em rápidas pinceladas, o homem por quem você se empolgou, ao assistir o programa “Pinga-fogo”. O que está escrito aqui, sabemos, é muito pouco para explicar o fascínio que você sentiu. A personalidade de Chico Xavier, a firmeza de suas convicções e a sua lucidez, não cabem numa pequena reportagem biográfica. Mas também o impacto que Chico Xavier causou em todo um povo que durante mais de duas horas, colado ao vídeo, sorveu as suas palavras, talvez não possa ser explicado apenas pelo valor do homem Chico Xavier. Nisso entrou, leitor, tenha a certeza, o eco que as ideias de Chico Xavier encontrou em você.
Do Diário de S. Paulo, caderno do Jornal de Domingo.
UMA RAJADA DE POESIA
O Jornal de Domingo, que publicou o texto da entrevista de Chico Xavier, trouxe também este poema de Álvaro Faria, inspirado nas palavras do médium:
Há sim uma grande angústia caminhando nos caminhos, nas grandes vilas, a tão imensa cidade violentada na sua violência e desamor e ternura.
Mas a ternura, irmã, é um pedaço de vidro que começa a se partir nas distâncias dos olhares e nos olhos das pessoas que estão caladas.
Estamos todos aqui, irmã.
Eu queria te dizer das árvores, dos grandes rios, queria, sobretudo, te dizer das sete portas, das sete moradas, das sete mansões.
Queria te abraçar neste instante de ternura, porque sei que a ternura existe na medida em que nos tornamos irmãos.
É assim, irmã: eu quero te dizer, te abraçar com meu corpo de mil anos, de mil séculos, de dois minutos de vida.
Eu queria te falar da lua, de uma guerra atômica, te dizer do Vietnã, de todo o extermínio das plantas, e dos insetos, irmã, eu queria te falar.
Queria te dizer que as crianças terão olhos de vidro e nascerão de um ventre de metal, com dedos de ferro.
Mas tudo isso é uma folha muito verde, irmã.
A cidade adormeceu, é bem verdade.
A cidade está calada nesta hora da noite, quando a noite é um silêncio enorme nas nossas bocas.
É uma cidade de vidro, o nascimento de um tempo novo.
Soube que John Kennedy está trabalhando no espaço.
Soube também que nós poderemos destruir as armas que nos matarão amanhã.
Soube ainda que há uma casa de alumínio e de vidro no meio da lua, calando os faróis, as neblinas, as chuvas.
Há uma hora nas vidas, onde a terra recebeu as raízes, irmã.
Por isso e por tudo e também por nada, haveremos de percorrer os caminhos desse ventre, de todos os planos das vidas.
As sete portas, as sete mansões.
Que não sejam as sete palavras de nosso encantamento.
Há um girassol maravilhoso sendo plantado agora.
Soube também, irmã, que a tarde foi um incêndio calando as sabedorias dos mágicos.
Queria te dizer tanto das saudades de nossos mortos, ou dos filósofos, dos escritores, dos poetas tristes, das sombras, do desgosto ou da alegria.
Soube que as mãos estão abrasadas, há uma imensa planície nas sete moradas, os rios subterrâneos correm águas de oceanos infinitos.
São pombas, irmã, são pássaros, minha irmã, é o tempo da chegada nesse vale de neve, nesse grito de angústia.
Queria te dizer também que a solidão não é nossa.
Há uma prova e uma distância de mil vidas.
Quando você poderá me compreender?
Faltam cinco minutos.
Eu não posso te dizer mais nada.
— ?
A.
[1] Nota da Editora: Atualmente a obra mediúnica de Chico Xavier ultrapassa a 400 títulos.
[2] [Pontos e contos e Contos desta e doutra vida são de autoria do Espírito Irmão X]