1 Depois de certa pregação de Jesus, em Cafarnaum, encontrou o Mestre, em casa de Pedro, quatro cavalheiros de luzente aspecto, a lhe aguardarem a palavra.
2 Vinham de longe, explicaram atenciosos. Judeus prestigiosos da Fenícia, moravam em Sídon. Já haviam bebido a cultura egípcia e grega, tanto quanto a filosofia dos persas e babilônios. O anúncio da Boa Nova chegara-lhes aos ouvidos. Desejavam servir nas fileiras do Novo Reino, combatendo a licenciosidade dos costumes, na avareza dos ricos e na revolta dos pobres. Aceitavam o Deus Único e pretendiam consagrar-lhe a vida.
3 De quando em quando, os recém-chegados retificavam as dobras das irrepreensíveis túnicas de linho alvo ou acentuavam, de leve, o apuro das sandálias.
O Senhor ouviu-lhes as informações com admirável benevolência.
4 Cada qual falou, por sua vez, comentando as angústias do problema social na poderosa cidade de que provinham e, após encarecerem a necessidade de transformações políticas no cenário do mundo, esperaram, curiosos, a palavra do Cristo, que lhes afirmou, bondoso:
5 — Está escrito: ( † ) — Amarás o Senhor, Nosso Deus e Nosso Pai, de todo o coração, e não farás d’Ele imagens abomináveis; ( † ) — eu, porém, acrescento, — fugi igualmente à idolatria de vossos próprios desejos, aniquilai o exclusivismo e não vos entronizeis na mentira, porque estaríeis lesando a Sublime Divindade.
6 Recomenda Moisés: ( † ) — Não tomarás o nome do Todo-Poderoso em vão; — esclareço-vos, contudo, que ninguém deve menoscabar o nome do próximo na maledicência, na calúnia, no verbo inútil ou desleal.
7 Determina o Decálogo: ( † ) — Santificarás o dia de sábado; — exorto-vos, entretanto, a não converterdes semelhante artigo em escora da ociosidade sistemática. Respeitando a pausa necessária da natureza, não a transformeis em hosanas à preguiça dissolvente.
8 Manda o texto antigo: ( † ) — Venera teu pai e tua mãe nos laços consanguíneos; — todavia, é imperioso reconhecer a necessidade de respeito a todos os homens dignos, onde estiverem, olvidando-se no bem geral as fronteiras de raça, família, cor e religião, compreendendo-se que acima dos limites impostos pelo sangue, na Terra, prevalecem os imperativos sagrados da Família Universal.
9 Reza a lei do passado: ( † ) — Não matarás; — eu, porém, vos digo que não se deve matar em circunstância alguma e que se faz indispensável a vigilância sobre os nossos impulsos de oprimir os seres inferiores da Natureza, porque, um dia, responderemos à Justiça do Criador Supremo pelas vidas que consumimos.
10 Pede o venerável testamento: ( † ) — Não cometerás adultério; — asseguro-vos, no entanto, que o adultério não atinge somente o corpo de nossas irmãs em Humanidade, mas também a carne e a alma de todos os homens que se esqueceram de caminhar retamente.
11 Aconselha o grande legislador: ( † ) — Não furtarás; — digo-vos, contudo, que não se deve roubar, não somente objetos valiosos e valores em dinheiro, mas também não nos cabe furtar o tempo do Senhor, nem distrair os minutos dos servos aplicados de suas obras.
12 Consta na velha aliança: ( † ) — Não dirás falso testemunho contra o teu próximo; — declaro-vos, porém, que é imprescindível guardar boa vontade e amor no coração, irradiando-os em pensamento.
13 Assinala a revelação antiga: ( † ) — Não cobiçarás a casa do teu próximo, nem desejarás a sua mulher, nem a sua serva, nem o seu boi, nem o seu jumento; — eu, porém, vos afianço que nos compete a obrigação de procurar a luz, o bem e a felicidade, trabalhando sem desânimo e servindo a todos sem descanso, inacessíveis à peçonha do ódio, da inveja, do ciúme, do despeito e da discórdia, portadores que são de veneno e treva para o Espírito.
14 Fez o Mestre pequeno intervalo na preleção, reparando que os visitantes da Fenícia se mantinham pálidos e confundidos.
15 Nesse ínterim, a sogra de Pedro reclamou-lhe a presença num quarto próximo; e Jesus, rogando ligeira licença, prometeu prosseguir nos ensinamentos novos, por mais alguns instantes; todavia, em voltando pressuroso aos ouvintes, debalde procurou os consulentes, movimentando os olhos ternos e lúcidos.
Na sala silenciosa não havia ninguém…
Irmão X
(Humberto de Campos)