O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão
Doutrina espírita - 2ª parte.

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Pontos e contos — Irmão X


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A lição de Aritogogo

1 Examinávamos a paisagem das ambições humanas, quando um amigo considerou:

— Que o homem atenda aos conselhos da prudência, armazenando em bom tempo, como a formiga, para os dias de necessidade e inverno forte, é compreensível e razoável. A vigilância não exclui a previdência, quando é possível amealhar com o bem; mas, explorar o quadro das misérias alheias, embebedar-se na preocupação de ganhar, escravizar-se ao dinheiro, é criar um inferno de padecimentos intraduzíveis.

2 — Quantos precipícios cavados pelo egoísmo conquistador?! — Disse outro, — é lastimável observar as angústias semeadas nos caminhos humanos. As guerras não constituem senão o desdobramento das ambições desmedidas. E dizer-se que toda essa marcha de loucuras demanda as zonas da morte! quão incompreensível a nossa cegueira, nos círculos carnais! Quantos pesadelos desnecessários e quanta ilusão para se desfazer na sepultura!…

3 Um dos companheiros presentes sorriu e acrescentou:

— Nesse capítulo, recebi inolvidável lição, há mais de trezentos anos, por intermédio de um chefe indígena em nosso país.

— Como assim? — Perguntei, sumamente interessado.

4 — Em princípios do século XVII, — esclareceu o interlocutor, — participava dos serviços de uma embarcação francesa, em transporte de pau-brasil. Periodicamente, dávamos à costa, onde fizéramos agradável camaradagem com os silvícolas, e, naquela época, envergando a qualidade de português do Alentejo, não tive dificuldades para aprender alguns rudimentos da língua aborígene, ao contato dos nossos. 5 Em razão disso, o chefe da tribo litorânea, que respondia pelo nome de Aritogogo, dedicava-me especial atenção. Na sexta viagem de nosso barco, o velho bronzeado chamou-me em particular, ministrando-me uma das mais belas lições de filosofia que já recebi em toda a minha vida. Observando-nos a afoiteza em carregar o navio com a madeira preciosa, perguntou-me ele, na linguagem que lhe era familiar:

6 — Escute, meu amigo, não há lenha em sua terra? É preciso enfrentar o abismo das águas para alimentar o fogo no lar distante?

— Não, Aritogogo, — respondi, esboçando um sorriso de pretensa superioridade, — a madeira não se destina a fogão. O pau-brasil fornece tinta para a indústria da Europa.

7 — Mas, para que tanta tinta? — Tornou ele, assombrado.

— Para tingir a roupa dos brancos, — expliquei.

8 — Ah! ah! vêm buscar a lenha para repartir com o povo, — exclamou o cacique, — assim como nós buscamos remédio para os que adoecem e comida para os que têm fome!…

— Não, não, — esclareci; — somos empregados de um industrial. Toda a carga pertence a um só homem. Trata-se de poderoso negociante de tintas, em França.

9 Aritogogo arregalou os olhos, espantado, e indagou:

— Que deseja esse homem com tantos paus e tanta tinta?

— Fazer fortuna, — respondi, — alcançar muito dinheiro, ter muitas casas e muitos servidores…

10 O chefe índio sacudiu a cabeça e tornou a perguntar:

— Mas esse homem nunca morrerá?

11 Ri-me francamente da interrogação ingênua e observei:

— Morrerá, por certo.

12 — Então? — Disse o índio, — se ele vai morrer, como nós todos, deve ser tolo em procurar tanto peso para o coração.

13 Tentei corrigir-lhe a concepção, obtemperando:

— Esse homem, Aritogogo, está preparando o futuro da família. Naturalmente pretende legar aos filhos uma grande herança, cercá-los de fortuna sólida…

14 Foi aí que o cacique mostrou um gesto singular de desânimo, e falou em tom grave:

— Ah! meu branco, meu branco, vocês estão procurando enganar a Deus. As tribos pacíficas, quando começam a cogitar desse assunto, esbarram nas guerras em que se destroem umas às outras. O único ser, que pode legar uma herança legítima aos nossos filhos, é o dono invisível da Terra e do Céu. O sol, a chuva, o ar, o chão, as pedras, as árvores, os rios são a propriedade de Deus que, por ela, nos ensina as suas leis. Retirar os nossos filhos do trabalho natural é pretender enganar o Eterno. Como podem os brancos pensar nisso?

15 — Nesse momento, porém, — continuou o amigo espiritual, — o comandante chamou-me ao posto e despedi-me de Aritogogo, para não mais tornar a vê-lo naquela recuada existência.

16 O companheiro espraiou o olhar pelo céu azul, como a procurar a imagem distante do cacique filósofo e concluiu:

— Desde então, modifiquei minha ideia de ganho, compreendendo onde estão o supérfluo e o necessário, a previdência e o desperdício, a sobriedade e a avareza, a reserva justa e a ambição criminosa. A lição de Aritogogo incorporou-se ao meu espírito para sempre. Com ela, aprendi que dominar o dinheiro e aproveitá-lo a bem de todos, socorrendo necessidades e distribuindo bom ânimo, é obra do homem espiritualizado; mas, deixar-se dominar pelo ouro, na preocupação de ganho transitório, não reparando meios para atingir os fins, açambarcando direitos de outrem e valendo-se de todas as situações para rechear os cofres e multiplicar os lucros, tão somente para manter a superioridade convencional, em prejuízo da consciência, é obra do homem vulgar, escravizado aos gênios perversos da tirania.


Irmão X

(Humberto de Campos)

Texto extraído da 1ª edição desse livro.

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