1 O devoto feliz experimentava a doce comoção do espetáculo celeste. Mais que a perspectiva do plano divino, porém, via, extasiado, o Senhor à frente dele.
2 Chorava, ébrio de júbilo. Sim, era o Mestre que se erguia, ali, inundando-lhe o espírito de alegria e de luz.
3 Sentia-se compensado de todos os tormentos da vida humana. Esquecera espinhos e pedras, dificuldades e dores.
4 Não vivia, agora, o instante supremo
da realização? Não esperara, impacientemente, aquele minuto divino?
Suspirara, muitos anos, por repousar na bem-aventurança. Recolhera-se
em si próprio, no mundo, aguardando aquela hora de imortalidade e beleza.
5 Fugira aos homens, renunciara
aos mais singelos prazeres, distanciara-se das contradições da existência
terrestre, afastara-se de todos os companheiros de humanidade, que se
mantinham possuídos pela ilusão ou pelo mal. 6
Assombrado com as perturbações sociais de seu tempo e receoso de complicar-se,
no domínio das responsabilidades, asilara-se no místico santuário da
adoração e aguardara o Senhor que resplandecia glorificado, ali diante
dos seus olhos.
7 Jesus aproximou-se e saudou-o.
Oh! Semelhante manifestação de carinho embriagava-o de ventura. Sentia-se mais poderoso e mais feliz que todos os príncipes do mundo, reunidos!…
8 O Divino Mestre sorriu e perguntou-lhe:
— Dize-me, discípulo querido, onde puseste os ensinamentos que te dei?
9 O crente levou a destra ao tórax opresso de alegria e respondeu:
— No coração.
10 — Onde guardaste, — tornou o Amigo Sublime, — minhas continuadas bênçãos de paz e misericórdia?
— No coração, — retrucou o interpelado.
11 — E as luzes que acendi, em torno de teus passos?
— Tenho-as no coração, — repetiu o devoto, possuído de intenso júbilo.
12 O Mestre silenciou por instantes e indagou novamente:
— E os dons que te ministrei?
— Permanecem comigo, — informou o aprendiz, — no recôndito da alma.
13 Interrompeu-se o Cristo e, depois de longo intervalo, inquiriu, ainda:
— Ouve! Onde arquivaste a fé, as dádivas, as oportunidades de santificação, as esperanças e os bens infinitos que te foram entregues em meu nome?
14 Reafirmou o discípulo, reverente e humilde:
— Depositei-os no coração, Senhor!…
15 A essa altura, interrompeu-se o diálogo comovente. Jesus calou-se num véu de melancolia sublime, que lhe transparecia do rosto.
16 O devoto perdeu a expressão de beatitude inicial e, reparando que o Mestre se mantinha em silêncio, indagou:
— Benfeitor Divino, poderei doravante abrigar-me na paz inalterável de tua graça? Já que fiz o depósito sagrado de tuas bênçãos em meu coração, gozarei o descanso eterno em teu jardim de infinito amor?
17 O Mestre meneou tristemente a cabeça e redarguiu:
— Ainda não!… O trabalho é a única ferramenta que pode construir o palácio do repouso legítimo. Por enquanto, serias aqui um poço admirável e valioso pelo conteúdo, mas incomunicável e inútil… Volta, pois, à Terra! Convive com os bons e os maus, justos e injustos, ignorantes e sábios, ricos e pobres, distribuindo os bens que represaste! Regressa, meu amigo, regressa ao mundo de onde vieste e passa todos os tesouros que guardaste no santuário do coração para a oficina de tuas mãos!…
18 Nesse momento, o devoto, em lágrimas, notou que o Senhor se lhe subtraía ao olhar angustiado. Antes, porém, observou que o Cristo, embora estivesse totalmente nimbado de intensa luz, trazia nas mãos formosas e compassivas os profundos sinais dos cravos da cruz.
Irmão X
(Humberto de Campos)