1 Na assembleia luzida do Templo de Jerusalém, os descendentes do povo escolhido exibiam generosidade invulgar à frente da preciosa arca de contribuições públicas.
2 Todos traziam algum tributo de consideração ao Santo dos Santos, cada qual mostrando a liberalidade da fé.
3 Vestes de linho e valiosas peles, enfeites dourados e aromas indefiníveis impunham, ali, deliciosas impressões aos sentidos.
4 Os fariseus, sobretudo, demonstravam apurado zelo no culto externo, destacando-se pela beleza das túnicas e pelos ricos presentes ao santuário.
5 Jesus e alguns discípulos, de passagem, acompanhavam as manifestações populares, com justificado interesse. E Judas, entre eles, empolgado pelo volume das oferendas, abeirava-se do cofre aberto, seguindo os menores movimentos dos doadores, com a cobiça flamejante no olhar.
6 A certa altura, aproximou-se do Messias e informou-o:
— Mestre: Jeroboão, o negociante de tapetes, entregou vinte peças de ouro!…
— Abençoado seja Jeroboão, — acentuou Jesus, sereno, — porque conseguiu renunciar a excesso apreciável, evitando talvez pesados desgostos. O dinheiro demasiado, quando não se escora no serviço aos semelhantes, é perigoso tirano da alma.
7 O discípulo voltou ao posto de observação, com indisfarçável desapontamento, mas, decorridos alguns instantes, reapareceu, notificando:
— Zacarias, o velho perfumista, sentindo-se enfermo e no fim dos seus dias, trouxe cem peças!…
— Bem-aventurado seja ele, — disse o Cristo, em tom significativo, — mais vale confiar a fortuna aos movimentos da fé que legá-la, a parentes ambiciosos e ingratos… Zacarias prestou incalculável benefício a ele mesmo.
8 Judas tornou, de moto próprio, à fiscalização para comunicar, logo após, ao grupo galileu:
— A viúva de Cam, o mercador de cavalos que faleceu recentemente, acaba de entregar todo o dinheiro que recebeu dos romanos pela venda de grande partida de animais.
9 E, baixando o tom de voz, completava, cauteloso, o apontamento:
— Dizem por aí que alguns centuriões planejavam roubar-lhe os bens..
10 Jesus sorriu e considerou:
— Muitos recursos amontoados sem proveito provocam as sugestões do mal. Feliz dela que soube preservar-se contra os malfeitores.
11 O aprendiz curioso regressou à posição e retornou, loquaz:
— Mestre: Efraim, o levita de Cesareia, entregou duzentas moedas! Duzentas!…
— Bem-aventurado seja Efraim — falou o Amigo Divino, sem afetação —, é grande virtude saber dar o que sobra, em meio de tantos avarentos que se rejubilam à mesa, olvidando os infelizes que não dispõem de uma côdea de pão!
12 Nesse instante, penetrou o Templo uma viúva paupérrima, a julgar pela simplicidade com que se apresentava.
13 Diante do sorriso sarcástico de Judas, o Senhor acompanhou-a, de perto, no que foi seguido pelos demais companheiros.
14 A mulher humilde orou e apresentou duas moedinhas ao fausto religioso do santuário célebre.
15 Muitos circunstantes riram-se, irônicos, mas Jesus apressou-se a esclarecer:
— Em verdade, esta pobre viúva deu mais que todos os poderosos aqui reunidos, porquanto não vacilou em confiar ao Templo quanto possuía para o sustento próprio.
16 A observação caridosa e bela congelou a crítica reinante. Pouco a pouco, o recinto enorme tornou à calma.
17 Israelitas nobres e sem nome abandonaram, rumorosamente, o domicílio da fé. Jesus e os apóstolos foram os derradeiros na retirada.
18 Quando se dispunham a deixar a enorme sala vazia, eis que uma escrava de rosto avelhentado e passos vacilantes surgiu no limiar para atender à limpeza.
19 Movimenta-se em minutos rápidos. Aqui, recolhe flores esmagadas, além, absorve em panos úmidos os detritos deixados por enfermos descuidados.
20 Tem um sorriso nos lábios e a paciência no olhar, brunindo o piso em silêncio, para que o ar se purificasse na sublime residência da Lei.
21 Pedro, agora a sós com o Messias, ainda impressionado com as lições recebidas, ousou interrogar:
— Senhor, foi então a viúva pobre a maior doadora no Templo de nosso Pai?
— Realmente, — elucidou Jesus, em tom fraterno, — a viúva deu muitíssimo, porque, enquanto os grandes senhores aqui testemunharam a própria vaidade, com inteligência, desfazendo-se de bens que só lhes constituíam embaraço à tranquilidade futura, ela entregou ao Todo-Poderoso aquilo que significava alimento para o próprio corpo…
22 Em seguida a leve pausa, apontou com o indicador a serva anônima que se incumbia da limpeza sacrificial e concluiu:
— A maior benfeitora para Deus, aqui, no entanto, ainda não é a viúva humilde que se desfez do pão de um momento… É aquela mulher dobrada de trabalho, frágil e macilenta, que está fornecendo à grandeza do Templo o seu próprio suor.
Irmão X
(Humberto de Campos)