O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão
Doutrina espírita - 2ª parte.

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Pontos e contos — Irmão X


9

Surpresa em sessão

1 Aquela mania de Aguinaldo Limeira raiava pela imprudência incompreensível.

2 Estimava o serviço de doutrinação aos desencarnados, era de uma pontualidade notável às reuniões, contribuía de boa vontade nos serviços de assistência, mas, no trato com o Invisível, não era bastante cauteloso nas conversações.

3 Cultivava especialmente as sessões práticas, dedicadas às entidades sofredoras e ignorantes, mas preferia realizá-las com grande público, junto do qual se esmerava em demonstrar o verbo enérgico e veemente.

4 Não se sentia satisfeito por mostrar o caminho ao desviado, dar pão espiritual ao faminto de luz, remédio à alma enferma.

5 Aguinaldo multiplicava perguntas e exigências. Consolava, sem dúvida, e, na qualidade de trabalhador sincero, espalhava muitos bens; entretanto, dava-se a longas conversas para estabelecer a procedência dos comunicantes.

6 Por vezes, as entidades em luta, por motivo de padecimentos incríveis, não podiam prestar esclarecimentos minuciosos, mas o doutrinador reclamava, rogava, insistia. Quanto mais conhecido o Espírito visitante, mais se desmanchava Limeira nas indagações ociosas. Quando arrancava certas declarações tristes, parecia alegrar-se como o caçador viciado quando apanha a presa, e, a pretexto de identificar as almas sofredoras, tendia, sem perceber, para a falta de caridade.

7 De quando em quando, o respeitável orientador espiritual do grupo utilizava o médium Silvares e esclarecia, de maneira direta:

— Aguinaldo, meu amigo, tem cautela no campo da identificação dos invisíveis. Se o necessitado bate à porta, atendamos sem muitas interrogações. Que adianta minudenciar a situação de pobres irmãos nossos, ignorantes e sofredores? 8 Em muitas ocasiões, qual acontece aos doentes graves da Terra, também os desencarnados em desequilíbrio não trazem a memória muito clara, perturbados nas inquietações que lhes povoam a mente. Dá-lhes o pão do Cristo e deixa-os passar. Obrigá-los a pormenores informativos, quanto à paisagem que lhes é própria, é intensificar-lhes a dolorosa humilhação. Seria crueldade pedir aos agonizantes certos esclarecimentos de que devem estar seguros aqueles que os assistem. 9 Além do mais, os que ensinam e doutrinam estão sempre criando imagens mentais diferentes naqueles que ouvem e aprendem, e torna-se indispensável não esquecer que tens numeroso público visível e invisível. A indagação descabida, por vezes, se ajusta à pretensão científica na pesquisa intelectual, mas aqui, meu amigo, estamos num serviço de iluminação do espírito para a melhoria do sentimento. Não te transformes de missionário do bem no advogado de acusação. Pede ao Mestre Divino te esclareça o entendimento!

10 Limeira ouvia, mas não ponderava.

Na sessão imediata, referia-se ao trabalho indagador dos estudiosos eminentes do Espiritismo científico, e, quando algum pobre necessitado se fazia sentir, iniciava o interrogatório crucial.

11 Mantinha-se inalterada a situação do agrupamento, quando certa noite, diante de enorme assistência, em meio dos trabalhos, surgiu uma entidade que tomou o médium Silvares, a desfazer-se em convulsivo pranto.

12 — Diga, meu irmão, — falou Aguinaldo, inquieto, — diga o que sofre e o que deseja…

— Que sofro, que desejo? — Gemeu o infeliz, amarguradamente, — não posso!… Não posso!… Sou um miserável convertido num monstro!…

13 — Como assim, meu amigo? — Tornou Limeira, espicaçado pela curiosidade.

— Ai! — suspirou a entidade lacrimosa como doem os resultados da hipocrisia! Na Terra, enganei as criaturas, mistifiquei os semelhantes, mas, agora, sinto-me diante da própria consciência… não posso iludir a mim mesmo!

14 — Com que então foi você um hipócrita no mundo? — Perguntou Limeira, com atitude superior, — certamente, enganou os homens, mascarando propósitos e intenções, e, muito tarde, reconhece que praticou um crime…

— É verdade, é verdade… — Clamou o infeliz, soluçando.

15 Tão comovedoras eram as lágrimas do comunicante infortunado, que toda a assistência chorava, sob forte emoção.

Limeira, contudo, desejando imprimir o máximo efeito ao quadro, mostrava atitude inquiridora e convincente.

— Continue, meu irmão! — Prosseguiu com autoridade.

16 E, ao invés de confortá-lo, em nome de Jesus, levantando-lhe a esperança caída, o doutrinador insistia:

— Esclareça convenientemente o seu caso, meu irmão! De onde veio? Poderá identificar-se?

17 O desventurado esforçava-se, em vão, para responder. O pranto embargava-lhe a voz. Parecendo insensível, Limeira sentenciou:

— Veja, meu amigo, a que estado angustioso foi conduzido pelo hábito de mentir. O crime da hipocrisia determinou suas lágrimas presentes. A morte, que descerra os véus da ilusão, revelou sua verdadeira consciência. Conhece, o irmão, agora, os sofrimentos que aguardam os mentirosos, os homens fingidos e todos aqueles que aparentam a verdade e fogem dela, às ocultas, acolhendo-se ao crime. Fale, meu amigo, em que zona da vida tentou enganar as leis divinas… Como se chama? Que fez na Terra? Como iludiu o próximo? Possuía você alguma crença religiosa?

18 Nesse momento, a entidade conseguiu interromper os soluços e falou:

— Aguinaldo, não me tortures mais com tantas interrogações!…

19 Escutando a voz, tonalizada em novo característico, o doutrinador estremeceu, fez-se lívido e perguntou, espantado:

— Quem é você, meu irmão?

20 O infeliz comunicante, num gesto supremo, respondeu em tom lastimoso:

— Eu sou teu pai!…

Viu-se, então, que Limeira deixou pender a fronte e começou também a chorar.


Irmão X

(Humberto de Campos)

Texto extraído da 1ª edição desse livro.

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