1 Pensei que a morte ocultasse
A noite pesada e fria,
E a morte deu-me outra face
Dos sonhos de cada dia.
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2 Acolhe, afaga e conserva
O passo sem ilusão.
Toda carne é igual à erva
Que nasce e retorna, ao chão.
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3 Se a flama do amor te invade,
Não tentes ócio e prazer.
Amor é felicidade
A refulgir no dever.
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4 O verbo enfeitado e ameno,
De muita beleza humana,
Parece mel com veneno
Em taça de porcelana.
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5 Remorso fremindo em chaga,
Na desculpa que alivia,
É como a dor que se apaga
Ao toque da anestesia.
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6 Esse diamante que vês,
De faces luminescentes,
Viveu séculos talvez
No chavascal de serpentes.
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7 Ergue ao Céu a moradia
Da própria felicidade.
Na Terra toda alegria
Paga imposto de saudade.
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8 Escritor que atende ao mal
Dando o mal por satisfeito,
Da pena talha o punhal
Que, um dia, lhe vara o peito.
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9 Quando o corpo, inerte, expira,
Notamos, amargamente,
Quanta gente na mentira,
Quanta mentira na gente.
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10 Afirmas que é hipocrisia
Sorrir para a falsidade.
Mas que outra coisa seria
O ensino da caridade?
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11 Humilhado! Mesmo assim,
Perdão é a glória que levas.
A noite ensombra o jardim,
O jardim perfuma as trevas.
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12 Muita cautela, Maria,
Cuidado no coração.
Um namoro, cada dia…
Amor não é isso, não.
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13 Evita a palavra turva,
Sê claro, de longe ou perto.
Na estrada de muita curva,
O desastre chega, certo.
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14 Não condenes quem resvala
Onde o vício se avolume.
Muita flor que enfeita a sala
Nasceu na fossa de estrume.
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15 Desfaz-se a ostra em escolhos,
Brilha a pérola na rua.
A morte nos cerra os olhos,
Mas a vida continua.
Américo Falcão
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