1 Nos estudos do Evangelho,
Estava Joaquim Sarmento,
Que falava à grande turma
Em torno ao desprendimento.
2 — “Dinheiro — dizia ele —
É a causa de muitas provas,
Somos almas devedoras
E quando o dinheiro é muito,
Fazemos dívidas novas.
3 “Estamos em paz, às vezes,
Contentes na obrigação,
Mas se há moeda de sobra,
Lá vem atrapalhação…
4 “Conservemos nossas almas
Humildes e desprendidas,
A fortuna é mais trabalho
E um perigo em nossas vidas.”
5 Nisso, um telefone toca…
Chamado para Joaquim.
Ele fala, gesticula,
E depois do entendimento
Regressa para a cadeira
Em que se senta por fim…
6 Encerrada a reunião,
Anuncia, calmamente,
A morte do avô materno,
Antônio Joaquim Sarmento.
7 Mas Joaquim estava outro,
Tinha a cabeça aprumada,
Parecia até mais moço,
Iria para o velório,
Sorrindo e falando grosso.
8 Explicou aos companheiros:
— “A notícia está no rádio
Contou-me antigo vizinho,
Agora, sim, vejo claro
A mudança em meu caminho…
9 “De lutas, ando cansado,
A vida não é moleza,
Adeus; oficina velha!…
Renasci!… Adeus, pobreza!…”
10 “Meu avô deixa-me, inteira,
A Fazenda dos Pilões
E depósitos bancários
No valor de cem milhões!
11 “Após o sétimo dia
De enterro do falecido,
Quero comprar a mansão
Do Coronel João Garrido…
12 “Tenho vizinhos gatunos,
Muita gente de má fé;
Não merecem tolerância,
Mas desprezo e pontapé…
13 “Tenho um tio detestável,
Inimigo de meu lar,
Agora, com meu dinheiro
Saberá me respeitar;
14 “Os colegas que me tratam
A coices e palavrões,
Agora, vão conhecer
Minha terra de Pilões…
15 “Repreensões em trabalho,
Não mais quero nada disso,
Não mais aceito conselhos
Dos meus chefes de serviço…
16 “Quero várias governantas,
Tomarei um jardineiro,
Terei minha indústria própria,
Ganharei muito dinheiro…”
17 E disse, num gesto largo:
— “Por qualquer um não me tomem!…
O homem faz o dinheiro,
O dinheiro faz o homem!…”
18 O grupo ficou pasmado
Com a mudança do orador
Que, antes, pregara a bondade,
Vida simples, paz e amor…
19 Joaquim, muito envergonhado,
Voltou na noite seguinte;
A morte do rico avô
Não passara de boato.
20 Falecera outro Sarmento,
De outro bairro e de outra gente
Homem rico e respeitado
Que tombara de repente.
21 Naquela assembleia amiga,
Dada ao respeito comum,
Ninguém lhe pediu notícias
Nem fez comentário algum.
22 Quando o Guia veio às falas
Ao fim da reunião,
Joaquim perguntou a ele:
— “Que desengano o que eu tive…
Que prova foi essa, irmão?”
23 Mas o Guia esclareceu:
— “Joaquim, eleva ao Senhor
A luz do seu pensamento,
Há muita vida esperando
O rico vovô Sarmento.
24 “Na sua prosa de ontem,
Notamos o seu progresso,
A sua contradição
Foi um primor de insucesso!
25 “Enquanto você pensar
Na importância do dinheiro,
Seja em papel ou metal,
Por instrumento de dor
Ou por agente do mal,
“Qual se você fosse louco,
Do dinheiro necessário,
Você terá muito pouco…”
Jair Presente
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