Do belíssimo artigo publicado pelo autor de “Madrugada sem Deus”, em “O Estado de S. Paulo”, de 12 de agosto de 1944, destaquemos ligeiro trecho para a nossa observação:
“Dei-me ao trabalho de examinar grande número de “mensagens psicografadas” por Chico Xavier e vários outros médiuns; e, francamente, como não posso admitir que um homem, por mais ilustrado que seja, consiga “pastichar” tão magnificamente autores como Humberto de Campos, Antero de Quental, Augusto dos Anjos, Guerra Junqueiro e, se não me engano, Vítor Hugo e Napoleão Bonaparte, opto pela explicação sobrenatural, que não satisfaz à minha consciência, é verdade, mas apazigua a minha humaníssima vaidade de literato. Pode lá um homem avultar tantos palmos, por suas próprias forças, sobre a cabeça dos demais? Pode lá plagiar, velozmente como o faz o Chico, Humberto, Antero e outros do mesmo naipe, a quem não se “pasticha” senão depois de larga experiência literária e trabalhosa noite de insônia? Não, absolutamente. É milagre. Coisas assim não podem ser senão milagre, puro milagre. Há qualquer intervenção sobre-humana no fato; não porque o diz Chico Xavier, mas porque assim o exige a nossa arrogância. O dedo do Diabo, dir-se-ia nos velhos tempos em que a Inquisição delimitava o conhecimento, segundo a própria estupidez; o dedo de Deus, dizemos hoje, mais dispostos a atribuir ao Senhor, e não ao Tinhoso, a responsabilidade pela confusão em que anda o mundo e seu conteúdo. O que, no fundo, revela que a nossa explicação é menos bem intencionada que a dos inquisidores…
“Positivamente não aceito a autoria de Chico Xavier, e aceito a de Humberto, como a de Antero, Napoleão, Dumas e qualquer outro que, do lado de lá, tenha o mau gosto de praticar literatura. E creio que essa é a atitude mais humana, a mais condizente com a nossa falta de humildade. É milagre, e o milagre, não explicando nada, explica tudo. Pois se não admitirmos que o caso é milagroso, temos que levar o Chico Xavier à Academia Brasileira de Letras e, naturalmente, estamos mais dispostos a reconhecer-lhe amizades no Céu que direitos literários ao Petit Trianon.”
Elias Barbosa
[1] “O Estado de S. Paulo”, 12-8-1944. MÁRIO DONATO, da Associação Brasileira de Escritores. Jornalista e expoente máximo do moderno romance brasileiro.