De sua excelente entrevista concedida ao jornal “A Noite” de 14 de agosto de 1944, destacamos apenas o seguinte trecho, para nossos estudos:
“Quem leia durante sessenta dias, noite e dia, dia e noite, apenas Euclides da Cunha, escreverá no estilo de Euclides sem notável esforço, sem fazer uma ginástica mental muito dura. A mesma coisa acontece com quem leia Machado de Assis, com quem leia Castro Alves. Quanto mais pessoal for o escritor, tanto mais facilmente ele poderá ser imitado. Mas a imitação exige, sem dúvida, qualidades de inteligência, um bom fundo de cultura, lógica na escolha dos assuntos e na exposição das ideias, em suma, uma certa consciência dos valores literários — e digo isto falando apenas na imitação intencional, que se argúi contra o Sr. Francisco Cândido Xavier, aliás Chico Xavier. E por essas mesmas razões declaro que, se Chico Xavier é um embusteiro, é um embusteiro de talento. Para um homem que fez apenas o curso primário, sua riqueza vocabular é surpreendente. Sua facilidade de imitar seria um dom excepcionalíssimo, porque ele não imita apenas Humberto de Campos, mas Antero de Quental, Alphonsus de Guimaraens, Artur Azevedo, Antônio Nobre, etc.
Foram precisamente as quadrinhas atribuídas a Antônio Nobre que mais interessaram à minha curiosidade, no volume que me mandou a Federação Espírita Brasileira. Algumas são simplesmente passáveis, mas outras trazem uma forte marca de identificação, parecendo mesmo sopradas ao ouvido de Chico Xavier pelo Espírito de Anto. Quem conhece a obra do poeta do “Só”, não pode deixar de reconhecer como fino lavor, no estilo de Anto, esta quadrinha aos velhos:
“Ó figuras de velhinhos
Que andais dormitando ao léu!
Como são belos os linhos
Que vos esperam no Céu!”
E esta outra, não é também extremamente parecida com as tristes quadras do poeta doente e melancólico?
“Um anjo cheio de encanto
Vive sempre com quem chora,
Guardando as gotas de pranto
Numa urna cor de aurora…”
Poeta simples, Antônio Nobre é muito mais difícil de imitar do que Augusto dos Anjos — outro dos poetas psicografados — com suas moneras, protozoários, blastodermas, embriões, placentas, podridões, catalepsias, diatomáceas, criptógamas, cápsulas, ânsias telúricas, frialdades inorgânicas, metempsicose e macacos catarríneos. E a imitação dessas duas quadras — se é mesmo imitação é perfeita. Mais perfeita que qualquer dos pastiches de Paul Reboux, no seu livro “À la manière de…” Quem negar Chico Xavier como médium estará fazendo o seu elogio como pastichador.”
Elias Barbosa
[1] “A Noite”, Rio, 14-8-1944. R. Magalhães Júnior, da Academia Brasileira de Letras.