FRANCISCO CÂNDIDO XAVIER 40 ANOS DE MEDIUNIDADE n
Em vários jornais e revistas foram publicados trabalhos sobre o período de 40 anos de atividades mediúnicas de Francisco Cândido Xavier.
Foi com imensa satisfação que procedemos à leitura de tudo ou quase tudo que escrevemos sobre o famoso médium.
Agora iremos dizer o que outros não disseram, relatando alguns fatos por nós anotados e ainda não publicados.
Éramos espíritas, desde janeiro de 1920 e morávamos em Marechal Hermes.
Desde essa época até 27 de abril de 1929, tivemos como companheiro leal o nosso querido e bom amigo José Machado Tosta. Com ele estudávamos a Doutrina; com ele discutíamos vários assuntos, inclusive e mais, coisas da mediunidade, maneira de interpretarem a Doutrina Espírita que, naquela época, além do Redentorismo e do Roustainguismo, a Umbanda apelidada de Espiritismo que chegou ao que hoje vemos no Brasil invadindo outros povos da América do Sul, como o Uruguai e Argentina, estabelecendo imensa confusão.
Em 1927, na “Aurora”, sob a direção de Inácio Bittencourt e na “Gazeta de Notícias”, em cuja coluna “Vários Cultos”, José Tosta dirigia a de Espiritismo, surgiu a colaboração de F. Xavier, como poeta e escrevendo também algumas crônicas.
Vamos transcrever abaixo um dos seus sonetos.
Ao adorado Espírito de Stefania Rocha
1 Renascer… eis a vida, o progresso incessante,
O eterno evoluir, eis a lei do Criador!
Eis do Mestre — Jesus — como luz rutilante,
O ensino imortal no Evangelho de Amor!
2 Renascer… eis a lei, imutável, constante,
Pela qual nosso “eu” no cadinho da dor,
Em sublime ascensão pela luz deslumbrante,
Subirá para Deus, Nosso Pai e Senhor!
3 Renascer… eis a luz, eis as almas reunidas,
No contínuo evoluir, nessas múltiplas vidas,
Que o Senhor nos concede — amoroso perdão!
4 Renascer… eis o sol sempre claro e bendito,
Dessa aurora a raiar na amplidão do infinito,
Apontando a brilhar, essa Luz — Perfeição.
F. Xavier
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Para nós, F. Xavier era o poeta espírita que desabrochava em Pedro Leopoldo, com os seus dezessete anos de idade, publicando os seus trabalhos em três órgãos, na então capital da República: “Aurora”, “Gazeta de Notícias” e “Jornal das Moças”. Os espíritas que com ele travaram relações epistolares foram:
Inácio Bittencourt e José Tosta e, com este último estávamos nós cooperando na coluna da “Gazeta”.
Revolvendo recortes de jornais, guardados pela poetisa Joselina Tosta, hoje viúva do valoroso e querido confrade Olmiro Paranhos, encontramos também um soneto dedicado a José Tosta e publicado, possivelmente, em 1928:
ROSAS DO PERDÃO n
Ao meu ilustre amigo José Tosta
1 Ó flores aurorais de pétalas divinas,
Sois lágrimas de luz das claras madrugadas,
Sois raios de esplendor das noites estreladas
Sois flores divinais, ó rosas peregrinas!
2 Brotais no coração das almas desgraçadas,
Como a linfa do amor, em gotas cristalinas;
Que perfume lirial, em ondas diamantinas,
Expulsando o amargor das almas torturadas!
3 Ó rosas do perdão, nascestes com Jesus,
No martírio sem par da tragédia da cruz,
E desde esse momento, ó majestoso dia!
4 Espalhaste pelo mundo em rápido fulgor,
A beleza da vida e o perfume do amor
Qual um sol portentoso, espalhaste alegria!
F. Xavier
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Em o “Jornal das Moças”, naquele período, vários trabalhos seus foram publicados.
Em 27 de abril de 1929, ocorreu a desencarnação de José Tosta, em um sábado. Na segunda-feira, dia 29, na “Gazeta”, levamos o seu último artigo e ficamos a substituí-lo na coluna “Vários Cultos”.
Não foi devidamente anotado em que jornal teria sido publicado o soneto de F. Xavier, dedicado ao Tosta desencarnado. Vamos transcrevê-lo:
1 Companheiro que à Pátria regressaste,
Entre auréolas de luzes majestosas,
A levar tantas flores perfumosas
A Jesus, tanto amor, que tanto amaste!
2 Sê feliz nas Esferas luminosas
Que afanoso e ridente demandaste:
A buscar o tesouro que espalhaste
Neste mundo de lágrimas penosas.
3 Mensageiro do Amor, da Caridade,
Missionário do Bem e da Verdade,
Que partiste sorrindo para a luz;
4 Venturoso serás nessas Moradas,
Onde existe o fulgor das alvoradas
Desse Amor portentoso de Jesus!
F. Xavier
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Três belos sonetos aí estão, do poeta médium que vinha surgindo na beleza de sua modéstia. Sim, Francisco Cândido Xavier será, quem sabe, reencarnação de um poeta de outros tempos; pois, mesmo sem estudar a técnica do verso, escreveu bons sonetos. Manuel Quintão, em nossas conversas, não o aceitava como poeta e sim, apenas como médium. Não tivesse entretanto, F. Xavier a qualidade de poeta, talvez não pudesse, com aquela indiscutível precisão, receber versos
de um Augusto dos Anjos e outros grandes poetas como vemos na belíssima coletânea do “Parnaso de Além-Túmulo”.
Em junho de 1939, acompanhando Manuel Quintão, D. Alzira sua esposa e mais a senhorita Mariazinha, então noiva de Rubens Quintão, fomos a Belo Horizonte e passamos alguns dias em Pedro Leopoldo.
Quando daqui partimos, no trem rápido da Central do Brasil, conversamos durante a viagem, sobre vários assuntos, entretanto sobre mediunidade e Espiritismo, a nossa conversa foi mais prolongada. Dias antes de nossa partida, em casa do Quintão, D. Ziroca mostrou-nos um soneto, dizendo: “Este, vou levar ao Chico e quero dizer-lhe que é de um poeta da minha maior admiração e que ainda não lhe deu nenhuma poesia”.
Estava sem título e sem o nome do autor. Era um soneto de Alberto de Oliveira, o poeta de sua preferência.
Durante a viagem contamos a Quintão o que o pintor Funchal Garcia nos havia dito sobre Augusto dos Anjos, quando ambos, moravam em Leopoldina, onde o poeta da morte e da melancolia, no dizer De Castro e Silva terminou os seus dias de vida terrena.
Funchal Garcia, sempre em sua sala de pinturas, ouvia, “Funchal, agora vou ao pasto, em busca de alguma coisa”. De volta, lia para o pintor amigo a sua produção; uma de todas aquelas que estão no seu único livro “EU”.
Quando chegamos a Pedro Leopoldo, naquela primeira noite, nos reunimos na sala da casa nova que os confrades da Federação Espírita Brasileira haviam mandado construir, substituindo a casa velha da família Xavier.
Após a prece feita por Quintão, D. Ziroca passou à mão do Chico o soneto que nos havia mostrado antes da partida, dizendo-lhe: — “Chico, o autor deste soneto ainda não apareceu entre os muitos que lhe inspiraram”. O Chico olhou o soneto e perguntou a D. Alzira: — “Quem é o autor, mamãe Ziroca?” D. Alzira não lhe respondeu e a reunião foi iniciada. Muitas mensagens foram recebidas naquela noite feliz para todos nós.
No encerramento da reunião o Chico procedeu à leitura de todas as mensagens, em prosa e versos. A última a ser lida, antes da mensagem de Emmanuel, foi o soneto, cujo autor era o predileto de D. Alzira, denominado SEM TÍTULO e assinado por Alberto de Oliveira que, não constando do “Parnaso de Além-Túmulo”, fora publicado em o REFORMADOR.
Nós, os três, porque Mariazinha havia ficado em Belo Horizonte, estávamos hospedados em casa do Chico. Na manhã seguinte, o Chico que estava trabalhando, demorou para o almoço. Quando ele chegou e foi almoçar sozinho, na cozinha, fomos para lá e conversávamos todos. A certa altura lhe perguntamos: Responda-nos, Chico, se ainda se lembra, como é que o Espírito de Augusto dos Anjos se apresentou a você? O Chico sorriu e deu-nos a seguinte resposta: — “Foi assim, Guedes. No momento em que eu almoçava aqui na cozinha, tal como estou agora, com o prato na palma da mão, ouvi alguém tossir atrás de mim. Olhei, e era ele! E disse: Não tenha medo, a doença não pega mais. E disse-me ainda o seguinte: — Quando você acabar de almoçar, pegue papel e lápis e venha comigo. Sorrindo na maior simplicidade, disse-nos ainda o Chico: — “Quando terminar o meu almoço, eu vou levar vocês lá fora onde o Augusto dos Anjos me levou”.
Terminado o almoço, fomos os três, eu, ele e Quintão. Lá fora, já no pasto, como quem vai para Sete Lagoas, o Chico estacou e disse-nos: — “Foi aqui”. Havia uma enorme acha de braúna, com uma das pontas debaixo de enorme monte de cupim.
“Foi aqui”, repetiu o Chico, agora não mais sorrindo, “que Augusto dos Anjos me transmitiu o primeiro poema VOZ DO INFINITO que está em primeiro lugar em “Parnaso de Além-Túmulo”. Estava tudo certo.
No dia anterior Alberto de Oliveira ditou-lhe o soneto SEM TÍTULO e depois, sem que lhe houvéssemos dito o que Funchal Garcia nos contara, tivemos a comprovação de que, aquele hábito de escrever no pasto, Augusto dos Anjos o repetiu, dando ao médium de Pedro Leopoldo a sua primeira manifestação, como era hábito seu, escrever no pasto.
Dias depois, de volta, chegamos em Belo Horizonte e o Chico veio conosco. A União Espírita Mineira anunciava, pelo Rádio, que à noite falariam naquela instituição dois oradores: Manuel Quintão e Pereira Guedes.
Quintão nos preveniu que, em virtude de sua afonia naquela altura, ele só falaria 15 ou 20 minutos.
Leonardo Baungratz presidiu a conferência. A casa estava cheia e lá fora havia muita gente, de guarda-chuva aberto, porque chovia.
Agora vamos ficar à margem do segundo orador e, apontando-o, contaremos a história como se passou.
Antônio Pereira Guedes falou mais de uma hora. Em meio à palestra houve um desvio do orador que passou a falar do crime do suicídio.
Terminada a palestra, rompendo a multidão, encaminhou-se à mesa uma senhora ainda moça, gorda. Estacou-se diante do orador que acabava de falar; estendeu-lhe a mão e, beijando a do orador, perguntou-lhe: “Quem o senhor me indicará para prestar-me ajuda? Eu, me suicidaria hoje!… Já tenho em casa uma pastilha de sublimado corrosivo, mas agora não me mato mais”. Naquele silêncio absoluto, o orador indicou-lhe a senhora de seu amigo Leonardo Baungratz, D. Delmitina que, levantando-se declarou: “A senhora é minha vizinha.” Estava encerrado o episódio.
O médium Francisco Cândido Xavier começa então a leitura das mensagens recebidas durante as palestras. Os primeiros versos eram de José, seu irmão desencarnado. Depois poesias várias e a mensagem de Emmanuel.
Antes, porém, da última mensagem, o Chico que estava sentado à cabeceira da mesa, passou ao Quintão uma das mensagens. Quintão olhou-a e passou a Leonardo Baungratz que fez o que Quintão fizera, passando o papel ao segundo orador, o Guedes.
Era um bilhete de seu pai e dizia assim:
“Tonico.
“Aqui estou a teu lado e vibrando contigo. Comigo está o Jerominho que manda um abraço ao Nenê e outro à sua filha Delmitina.
“Teu pai.
Messias Guedes”
Ora, nunca jamais disséramos ao Chico que o nosso pai já estava morto, que tínhamos o apelido de Tonico e que Leonardo Baungratz era Nenê. Jerominho era o Sr. Jerônimo, ex-delegado em Lima Duarte, sogro de Leonardo, que tornou-se espírita. Era amigo de Messias Guedes de Moraes, que também tinha apelido de Nenê.
Até hoje, em Belo Horizonte, ninguém conhece Leonardo Baungratz por apelido. Por que tudo aquilo acontecera àquela noite? É que Francisco Cândido Xavier é verdadeiramente médium de extraordinárias faculdades, de valor incontestável.
Que ambiente extraordinário o daquela noite, na União Espírita Mineira, em Belo Horizonte!
Em 1952, estávamos em Pedro Leopoldo e tivemos notícias de que aquela senhora, que tanto nos empolgara aquela noite, estava ainda entre os chamados vivos da Terra.
Dos espíritas com quem F. Xavier travara relações, por correspondência quando iniciou a publicação de seus versos aqui no Rio, vivo, entre os mortais, resta o signatário deste relato.
Guardamos carinhosamente uma das cartas que o F. Xavier nos escreveu em 29 de dezembro de 1929, pedindo-me a publicação de seus trabalhos na “Gazeta de Notícias”.
Hoje, não sabemos porque, não temos mais respostas às cartas que lhe escrevemos, desde que saiu de Pedro Leopoldo.
Não importa, um dia havemos de nos encontrar.
Rio, janeiro de 1968.
Pereira Guedes n
Elias Barbosa
[1] “O Clarim”, de Matão, Estado de S. Paulo, Ano LXIII, nº 9, de 15-4-1968.
[2] Essa mensagem foi publicada também em 2010 pela editora VL e é a 2ª lição da 2ª Parte do livro: “Chico Xavier: O Primeiro Livro”
[3] A. PEREIRA GUEDES — Denodado lidador da seara espírita no Brasil e jornalista veterano da imprensa carioca, residente no Rio.