1 Era um casal invejável,
Antônio e Dona Constança.
Os seis anos de casados
Não lhes haviam trazido
A bênção de uma criança.
2 Declaravam-se cansados
De procurar medicina;
O bebê não vinha ao berço,
Nem menino, nem menina.
3 Certo dia, o esposo Antônio
Disse a Constança: “Querida
Você se lembra de Mena,
A nossa ex-empregada,
Há dois anos demitida?”
4 — “Recordo…” — afirmou a esposa,
— “Pois note”, tornou Antônio,
Falando compadecido:
— “Ela deu-me hoje notícias
Por telefone, a chorar…
Diz ter tido uma criança,
Sem casa para morar.
5 Resolveu ser mãe solteira,
Reside em cantinho à-toa,
Dorme em paupérrima esteira
Por bondade da patroa…
6 É pobre moça da roça
E disse que, se quisermos,
A criança será nossa.”
7 Dona Constança, contente,
Coração bondoso e amigo,
Gritou, jubilosamente:
— “Antônio, a filha de Mena
Não sofrerá desabrigo.
8 Vendo você satisfeito,
Será nossa!… Não vacilo.
Irei à maternidade
Buscá-la. Fique tranquilo.”
9 Constança trouxe a menina,
No máximo de emoção,
Enquanto Mena, a mãezinha,
Chorava de gratidão.
10 Tudo mudou no casal,
Desde aquele belo dia;
O lar brilhava de amor
Em luminosa alegria…
11 Tudo paz e segurança!…
Mas oito dias depois,
Dona Aurora, a mãe de Antônio,
Viúva rica e orgulhosa
Quis ver a neta adotiva,
Que parecia uma rosa.
12 E fez terrível carranca…
Irritada, disse à nora:
— “Foi um mau passo, Constança!…
Não aceito essa menina
Partilhando a minha herança.
13 Não concordo com vocês,
Nosso sangue ela não traz.
Deus permita que ela morra,
Que morra e nos deixe em paz.”
14 Desde esse dia, a criança
Adoeceu de repente;
De corpo todo em feridas,
Era um farrapo de gente…
15 O pediatra amparou-a,
Fazendo esforço tremendo…
Receitava, receitava,
E a pequenina morrendo.
16 Falou Constança ao marido:
— “Vamos noutra direção.
Você já terá ouvido,
Em comentários a esmo,
Quanto vale, em qualquer vida,
A força da vibração.
17 “Para mudar minha sogra,
Vou mentir!… Direi que a neta,
Enferma e triste, a morrer
É sua filha direta…
18 Direi que não será justo
Deixá-la assim desprezada,
Que é sua filha, às ocultas,
Com a nossa ex-empregada…”
19 Antônio aprovou a ideia.
Espantada, ouvindo a nora,
Depois de grande silêncio,
Assim falou Dona Aurora:
20 — “Eu logo vi a trama,
Essa empregada pamonha
Conquistou meu pobre filho,
Rapaz de pouca vergonha…
21 Nós duas vamos agir,
Sem afronta ou desacato,
A menina tem meu sangue,
Precisa de muito trato.
22 É isso, Constança, é a vida
Que nós sonhamos no bem,
A fazer-se desengano,
Ninguém preserva ninguém…
23 Você suporte meu filho
Sem qualquer choro ou querela…
Minha netinha querida!…
Eu cuidarei também dela…”
24 A menina, em poucos dias,
De manhã para manhã,
Estava agora mais linda,
Com faces cor de romã.
25 Após alguma semanas,
Achando o momento exato,
Antônio disse a Constança:
— “Sou a você muito grato,
Você não mentiu, querida,
Essa criança tão bela
É minha filha, de fato…”
26 “Disse Constança, sorrindo,
Na maior descontração:
— “Antônio, se a menininha
É sua filha, no lar,
Passo então a declarar
Que ela será também minha!…
27 O que houve não me humilha,
Digo com justa razão…
Sua filha é minha filha,
Filha do meu coração!…”
Jair Presente
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