1.
Congregados, agora, no instituto socorrista de Fabiano, preparamo-nos
para a ditosa viagem de regresso.
2 Efetivamente, as saudades
de nossa vida harmoniosa e bela, nos Planos mais altos, dominavam-nos
os corações. 3 O serviço
nas regiões inferiores proporcionava-nos, é bem verdade, experiência
e sabedoria, acentuava-nos o equilíbrio, enriquecia-nos o quadro de
aquisições eternas; entretanto, o reconhecimento de semelhantes valores
não impedia a sede daquela paz que nos aguardava, a distância, no lar
tépido e suave das afinidades mais puras.
4 Em todos nós preponderava
o júbilo decorrente da tarefa exemplarmente realizada, mas o próprio
Jerônimo não disfarçava o contentamento de regressar, na impressão de
calma e bom ânimo que lhe fulgurava o semblante feliz.
Ao esforço sincero, seguia-se a tranquilidade do dever cumprido.
5 Marcada a reunião derradeira
na Casa Transitória, rodeavam-se os recém-libertos de vários amigos
que lhes traziam alegres notícias e boas-vindas confortadoras. Dimas
e Cavalcante, renovados em espírito, ignoravam como exprimir o reconhecimento
que lhes vibrava n’alma, enquanto Adelaide e Fábio, mais evolvidos na
senda de luz divina, comentavam problemas transcendentes do destino
e do ser, através de observações formosas e surpreendentes, recolhidas no vasto campo de experiências individuais. Notas de alegria e otimismo
transpareciam de todas as palestras, projetos e recordações.
6 A Irmã Zenóbia solicitou
que a esperássemos na câmara consagrada à prece, onde nos abraçaria,
dando-nos as despedidas.
Reunidos em alegria franca, aguardávamos a diretora nas melhores expansões de entendimento fraternal.
7 Zenóbia, poucos momentos
depois, dava entrada no salão, seguida de grande número de auxiliares,
e, como sempre, veio até nós, bondosa e acolhedora. Estimava, sobremaneira,
a expedição e devotara-se carinhosamente aos recém-libertos. Em vista
disso, cercava-nos de atenção pessoal e direta, naquele momento de maravilhoso
adeus.
8 Assumindo a posição de orientadora
dos trabalhos, exortou-nos, de modo comovente, à fiel execução da Vontade
Divina, comentando a beleza das obrigações de fraternidade que se entrelaçam,
no Universo, fortalecendo a grandeza da vida. Por fim, saudando individualmente
os recém-desencarnados, recomendou a Adelaide pronunciasse, ali, a oração
de graças, que se faria acompanhar do hino de reconhecimento que ela, Zenóbia,
nos ofereceria, em sinal de afetuoso apreço.
2.
Adelaide levantou-se, em meio de profundo silêncio, e orou, fervorosa,
comovida:
— A ti, Senhor, nossos agradecimentos desta hora de paz intraduzível
e de infinita luz. Agora, que cessou a nossa oportunidade de trabalho
nos Círculos da carne, nós te agradecemos os benefícios recolhidos,
as aquisições realizadas, os serviços levados a efeito… 2
Mais que nunca, reconhecemos hoje a tua magnanimidade indefinível que
nos utilizou o deficiente instrumento na concretização de sublimes desígnios!
Vacilantes e frágeis, como as aves que mal ensaiam o primeiro voo longe
do ninho, encontramo-nos aqui, venturosos e confiantes, ao pé de teus
desvelados emissários que nos ampararam até ao fim!… 3
Como agradecer-te o tesouro inapreciável de bênçãos celestes? Teu carinho
santificante seguiu-nos, passo a passo, em todos os minutos de permanência
no vale das sombras e, não satisfeito, teu inesgotável amor acompanha-nos,
ainda, nesta retirada da velha Babilônia de nossas paixões amargurosas
e milenárias.
4 Quase sufocada de emoção,
a missionária fez reduzido silêncio para conter as lágrimas, e continuou:
— Nada fizemos por merecer-te a assistência bendita. Nenhum mérito
possuímos, além da boa vontade construtiva. Claudicamos, vezes sem número,
dando pasto aos caprichos envenenados que nos obscureciam a consciência;
falimos frequentemente, cedendo a sugestões menos dignas. 5
Entretanto, Jesus Amado, converteste-nos o trabalho humilde em manancial
de ventura que nos alimenta o coração, soerguido para as Esferas mais
altas. Desculpa-nos, Mestre, a imperfeição de aprendizes, traço predominante
de nossa personalidade libertada. Não possuímos nada de belo para oferecer-te,
— ó Benfeitor Divino! — senão o coração sincero e humilde, vazio agora das
abençoadas preocupações que o nutriam na Crosta da Terra… 6
Recebe-o, Mestre, como demonstração da confiança de teus discípulos
pequeninos, e enche-o, de novo, com as tuas sacrossantas determinações!
Reconhecidos à tua inesgotável misericórdia, agradecemos a ternura de
tuas bênçãos, mas, se nos deste proteção e consolo não nos retires o
trabalho e o ensejo de servir. Conduze-nos aos teus “outros apriscos” ( † )
e renova-nos, por compaixão, a bênção de sermos úteis em tua causa.
7 Cheios de alegria,
abençoamos o valioso suor que nos proporcionaste na Esfera da carne
purificadora, onde, ao influxo de tua benignidade, retificamos velhos
erros do coração… 8
Bendizemos o caminho áspero que nos ensinou a descobrir tuas dádivas
ocultas, beijamos a cruz do sofrimento, do testemunho e da morte, de
cujos braços nos foi possível contemplar a grandeza e a extensão de
tuas bênçãos eternas!…
9 Adelaide fez nova pausa,
enxugando o pranto de emoção, enquanto a seguíamos sensibilizados, e
prosseguiu:
— Agora, Senhor, assinalando nossos agradecimentos aos teus emissários
que nos estenderam mãos amigas, nas últimas dificuldades da moléstia
depuradora, deixa que te roguemos amoroso auxílio para todos aqueles,
menos felizes que nós, que ainda gemem e padecem nas sendas estreitas
da incompreensão. 10
Inspira os teus discípulos iluminados para que te representem o espírito
sublime, ao lado dos ignorantes, dos criminosos, dos desviados, dos
perversos. Toca o sentimento de caridade fraternal dos teus continuadores
fiéis para que continuem revelando o benefício e a luz de tua lei. 11
E, ao encerrar este ato de sincera gratidão, enviamos nosso pensamento
de alegria e louvor a todos os companheiros de luta, nos mais diversos
departamentos da vida planetária, convidando-os, em espírito, a glorificarem
teu nome, teus desígnios e tuas obras, para sempre. Assim seja!
12 Finda a prece comovedora,
a Irmã Zenóbia veio abraçar Adelaide, extremamente sensibilizada, e,
logo após, reassumindo o lugar, recomendou aos auxiliares ajudassem-na
no formoso cântico de agradecimento ao Círculo terreno que os irmãos
libertos acabavam de deixar. Imergindo-nos num dilúvio de vibrações
cariciosas que nos arrancavam lágrimas de suave emoção, iniciou, ela
própria, o hino de indefinível beleza:
3. Ó Terra — mãe devotada,
A ti, nosso eterno preito
De gratidão, de respeito
Na vida espiritual!
Que o Pai de Graça Infinita
Te santifique a grandeza
E abençoe a natureza
Do teu seio maternal!
2 Quando
errávamos aflitos,
No abismo de sombra densa,
Reformaste-nos a crença
No dia renovador.
Envolveste-nos, bondosa,
Nos teus fluidos de agasalho,
Reservaste-nos trabalho
Na divina lei do amor.
3 Suportaste-nos
sem queixa
O menosprezo impensado,
No sublime apostolado
De terno e infinito bem.
Em resposta aos nossos
crimes,
Abriste nosso futuro,
Desde as trevas do chão duro
Aos templos de luz do Além.
4 Em teus
campos de trabalho,
No transcurso de mil vidas,
Saramos negras feridas,
Tivemos lições de escol.
Nas tuas correntes santas
De amor e renascimento,
Nosso escuro pensamento
Vestiu-se de claro sol.
5 Agradecemos-te
a bênção
Da vida que nos emprestas;
Teus rios, tuas florestas,
Teus horizontes de anil,
Tuas árvores augustas,
Tuas cidades frementes,
Tuas flores inocentes
Do campo primaveril!…
6 Agradecemos-te
as dores
Que, generosa, nos deste,
Para a jornada celeste
Na montanha de ascensão.
Pelas lágrimas pungentes,
Pelos pungentes espinhos,
Pelas pedras dos caminhos:
Nosso amor e gratidão!
7 Em troca
dos sofrimentos,
Das ânsias, dos pesadelos,
Recebemos-te os desvelos
De mãe de crentes e incréus.
Sê bendita para sempre
Com tuas chagas e cruzes!
As aflições que produzes!
São alegrias nos Céus.
8 Ó Terra
— mãe devotada,
A ti, nosso eterno preito
De gratidão, de respeito,
Na vida espiritual!
Que o Pai de Graça Infinita
Te santifique a grandeza
E abençoe a natureza
Do teu seio maternal!
|
4.
Quando soou a derradeira nota do hino repassado de misterioso encanto,
olhos nevoados de lágrimas, trocamos com Zenóbia carinhoso abraço de
adeus.
2 Nós outros, os da expedição
socorrista, tomávamos os recém-libertos pelas mãos, imprimindo-lhes
energia para a subida prodigiosa, cercados de amigos que nos seguiam,
alegres e venturosos, a caminho das zonas mais elevadas.
3 Estranho e indefinível
júbilo nos vibrava no peito, empolgado de vigorosa esperança, e, depois
de atravessar os Círculos de baixo padrão vibratório, em que se localizava
o instituto de Fabiano, ganhamos região brilhante e formosa, coberta
pelo céu faiscante de estrelas!… 4
Saudando-nos de muito longe, o astro da noite apareceu em maravilhoso
plenilúnio, emitindo raios de doce e evanescente claridade que, depois
de nos iluminar o caminho numa pulcritude de sonho, desciam, céleres,
para a Crosta da Terra, espalhando entre os homens o convite silencioso
à meditação na gloriosa obra de Deus.
André Luiz
FIM