1.
Depois doutras atividades espirituais numerosas, findou a semana de
serviço a que Aniceto nos admitira em sua companhia.
2 Seguíramos o nobre instrutor,
através de tarefas variadas e complexas. Sediados no templo acolhedor
de Isabel, atendêramos a considerável número de doentes, bem como a
irmãos outros perturbados, abatidos, transviados e moribundos. Nosso
orientador tinha, para todos os casos, maravilhosos recursos de improvisação,
sempre atencioso e otimista.
3 Aqueles poucos dias de trabalho
novo encheram-me o cérebro de raciocínios novos e o coração de sentimentos
que até então desconhecera.
4 Ao contato das revelações
de Aniceto, nos domínios da eletricidade e do magnetismo, reformara
todos os meus antigos conhecimentos de medicina. 5
A ascendência mental no equilíbrio orgânico, as forças radioativas,
o campo das bactérias, a visão mais ampla da matéria organizada, compeliam-me
a nova conceituação científica na arte de curar os corpos enfermos.
6 Alargara-se, sobretudo,
em minhalma, o entendimento acerca do Médico Divino que restabelece
a saúde do Espírito imortal. A claridade extensa, que me felicitava
agora o espírito, fornecia mais largo conhecimento de Jesus. 7
Compreendi, então, que a fé não constitui uma afirmativa de lábios,
nem uma adesão de ordem estatística. Procurá-la-ia, em vão, na esfera
sectária, nas disputas vulgares, nos cultos exteriores alteráveis todos
os dias. 8 Era, sim,
uma fonte d’água viva, nascendo espontaneamente em minha alma. Traduzia-se
em reverência profunda, aliada ao mais alto conceito de serviço e responsabilidade,
diante das sublimes concessões do Eterno Pai. Encontrara um tesouro
inacessível à destruição e um bem intransferível, por nascido e consolidado
em mim mesmo.
9 Quando o instrutor
nos convidou a regressar, sentia-me positivamente outro. Guardava a
impressão de haver encontrado as notícias diretas do Senhor Jesus, na
descoberta do meu próprio mundo interior.
10 Como poderia pagar ao
generoso Aniceto semelhante capitalização de bens imortais?
Havia terminado o serviço de orações, na última reunião semanal da residência de Isidoro e Isabel.
Os trabalhos, sempre ativos, haviam representado esfera de observações e experiências sempre novas.
11 Grande número de amigos
de Aniceto acercaram-se do instrutor, ansiosos por partilharem a luz
da conversação de despedidas.
O devotado orientador oferecia a todos a sua palavra de bom ânimo, otimismo, alegria e confiança no Senhor, como um príncipe de legenda, cuja boca fosse fonte inesgotável de ouro espiritual.
12 Vicente e eu tínhamos os
olhos úmidos, desejosos de externar-lhe verbalmente nosso reconhecimento
pelas bênçãos recolhidas; mas, ao nos aproximarmos, o abnegado orientador
sorriu e antecipou:
— Agradeçam a Jesus pelo muito que nos tem dado.
2.
E tomando a Bíblia, como interessado em fixar o assunto geral no amor
às coisas santificadas, leu em voz alta, no capítulo segundo dos Provérbios
de Salomão: ( † )
— “Filho meu, se aceitares as minhas palavras e guardares contigo os meus mandamentos, para fazeres atento à sabedoria o teu ouvido e para inclinares o teu coração ao entendimento; e se clamares por entendimento, e por inteligência alçares a tua voz, se como a prata a buscares e como a tesouros ocultos a procurares, então entenderás o temor do Senhor, e acharás o conhecimento de Deus.” n
2 Deixou em seguida o livro
sagrado sobre a mesa, e sentenciou:
— Lembremo-nos do Senhor em nossas despedidas. Ratifiquemos, irmãos, nossos
compromissos de trabalho e testemunho. Em tão pequeno trecho dos Provérbios
encontramos muitos verbos que interessam os espíritos cristãos. 3
Aceitar os mandamentos divinos e guardá-los, tornar o ouvido atento
e o coração esclarecido, pedir entendimento e inteligência alçando a
voz acima dos objetivos inferiores, buscar os tesouros do Cristo e procurar-lhe
o programa de serviços, representa o esforço nobre daquele que, de fato,
deseja a Divina Sabedoria. Não esqueçamos esses deveres.
4 Como a pausa se fizesse
mais longa, um irmão rogou ao generoso amigo prosseguisse na interpretação
do texto, mas Aniceto replicou em tom fraternal:
— Por agora, meu irmão, não é mais possível. Outras obrigações nos chamam de longe.
3.
E, dirigindo-se particularmente a Vicente e a mim, acentuou:
— Já que voltaremos pela estrada comum, poderemos esperar por nossa amiga Isabel, para apresentar-lhe nossos agradecimentos e despedidas.
2 Daí a momentos, a nobre
companheira de Isidoro, abandonando o corpo ao repouso do sono, veio
até nós, junto do esposo espiritual, atendendo ao convite mental do
nosso dedicado orientador. Aniceto exprimiu-lhe profundo reconhecimento,
falou-lhe da nossa alegria, das oportunidades santas do serviço que
a bondade divina nos havia proporcionado.
3 Dona Isabel agradeceu, comovidamente,
deixando transparecer as lágrimas da gratidão que lhe dominava o espírito.
— Nobre Aniceto, — disse enxugando os olhos, — se for possível, voltai
sempre ao nosso modesto lar. 4
Ensinai-me a paciência e a coragem, generoso amigo! Quando puderdes,
não me deixeis transviar nos deveres de mãe, tão difíceis de cumprir
na carne, onde os interesses menos dignos se entrechocam com violência.
5 Amparai-me as obrigações
de serva do Evangelho de nosso Senhor! Por vezes, profundas saudades
da família espiritual me dilaceram o coração… desejaria arrebatar meus
filhos à Esfera superior, incliná-los ao bem, para que a nossa união
divina não tarde nos Planos mais altos da vida. 6
E essas saudades de “Nosso Lar” me pungem a alma, ameaçando, por vezes,
minha tarefa humilde na Terra. Nobre Aniceto, não vos esqueçais desta
amiga pobre e imperfeita. Sei que Isidoro me segue passo a passo, mas
ele e eu precisamos de amigos fortes na fé, como vós, que nos reavivem
o bom ânimo na jornada dos deveres cristãos!…
7 A irmã Isabel não pôde continuar,
porque o pranto lhe embargara a voz. Aniceto, de olhos brilhantes e
serenos, enlaçou-a como pai e falou, brandamente:
— Isabel, segue em teus testemunhos e não temas. Estaremos contigo, agora e sempre. Muitas criaturas admiráveis tiveram a tarefa, mas não esqueçamos, filha, que Jesus teve a tarefa e o sacrifício no mundo. Não nos faltará no caminho redentor o terno cuidado do Guia Vigilante. Tem bom ânimo e caminha!
4.
Em seguida, olhando-nos a todos, de frente, o nobre amigo exclamou:
— Agora, irmãos, auxiliem-me a orar!
E conservando Isabel e Isidoro, unidos ao seu coração, Aniceto fixou os olhos no alto e falou com sublime beleza:
2 “Senhor, ensina-nos
a receber as bênçãos do serviço! Ainda não sabemos, Amado Jesus, compreender
a extensão do trabalho que nos confiaste! Permite, Senhor, possamos
formar em nossa alma a convicção de que a Obra do Mundo te pertence,
a fim de que a vaidade não se insinue em nossos corações com as aparências
do bem!
Dá-nos, Mestre, o espírito de consagração aos nossos deveres e desapego aos resultados que pertencem ao teu amor!
Ensina-nos a agir sem as algemas das paixões, para que reconheçamos os teus santos objetivos!
Senhor Amorável, ajuda-nos a ser teus leais servidores,
Mestre Amoroso, concede-nos, ainda, as tuas lições,
Juiz Reto, conduze-nos aos caminhos direitos,
Médico Sublime, restaura-nos a saúde,
Pastor Compassivo, guia-nos à frente das águas vivas,
Engenheiro Sábio, dá-nos teu roteiro,
Administrador Generoso, inspira-nos a tarefa,
Semeador do Bem, ensina-nos a cultivar o campo de nossas almas,
Carpinteiro Divino, auxilia-nos a construir nossa casa eterna,
Oleiro Cuidadoso, corrige-nos o vaso do coração,
Amigo Desvelado, sê indulgente, ainda, para com as nossas fraquezas,
Príncipe da Paz, compadece-te de nosso espírito frágil, abre nossos olhos e mostra-nos a estrada de teu Reino!”
3 Aniceto calou-se
comovido, e, de olhos úmidos, contendo a custo as lágrimas do meu reconhecimento,
incorporei-me à nobre caravana que seguiria conosco de regresso a “Nosso
Lar”.
André Luiz
[1] Provérbios, 2.1-5. — Nota do autor espiritual.