1.
A interpretação de Bentes, obedecendo à inspiração de um emissário de
nobre posição, presente à assembleia, era recebida com respeito geral
no Círculo das entidades desencarnadas.
2 Na Esfera dos encarnados,
porém, não se notava o mesmo traço de harmonia. Observava-se apreciável
instabilidade de pensamento. A expectativa ansiosa dos presentes perturbava
a corrente vibratória. 3
De quando em quando, surpreendíamos determinados desequilíbrios, que
afetavam, particularmente, a organização mediúnica de Dona Isabel e
a posição receptiva do comentarista, que parecia perder “o fio das ideias”,
tal qual se diria na linguagem comum. Colaboradores ativos restabeleciam
o ritmo, quanto possível. 4
Reparamos que alguns irmãos encarnados se mantinham irrequietos, em
demasia. Mormente os mais novos em conhecimentos doutrinários exibiam
enorme irresponsabilidade. A mente lhes vagava muito longe dos comentários
edificantes. Via-se-lhes, distintamente, as imagens mentais. Alguns
se prendiam aos quefazeres domésticos, outros se impacientavam por não
lograrem a realização imediata dos propósitos que os haviam levado até
ali.
2.
Aniceto, que não perdia ocasião de prestar-nos esclarecimentos novos,
considerou, discreto:
— Muitos estudiosos do Espiritismo se preocupam com o problema da concentração,
em trabalhos de natureza espiritual. 2
Não são poucos os que estabelecem padrão ao aspecto exterior da pessoa
concentrada, os que exigem determinada atitude corporal e os que esperam
resultados rápidos nas atividades dessa ordem. Entretanto, quem diz
concentrar, forçosamente se refere ao ato de congregar alguma coisa.
3 Ora, se os amigos
encarnados não tomam a sério as responsabilidades que lhes dizem respeito,
fora dos recintos de prática espiritista, se, porventura, são cultores
da leviandade, da indiferença, do erro deliberado e incessante, da teimosia,
da inobservância interna dos conselhos de perfeição cedidos a outrem,
que poderão concentrar nos momentos fugazes de serviço espiritual? 4
Boa concentração exige vida reta. Para que os nossos pensamentos se
congreguem uns aos outros, fornecendo o potencial de nobre união para
o bem, é indispensável o trabalho preparatório de atividades mentais
na meditação de ordem superior. 5
A atitude íntima de relaxamento, ante as lições evangélicas recebidas,
não pode conferir ao crente, ou ao cooperador, a concentração de forças
espirituais no serviço de elevação, tão só porque estes se entreguem,
apenas por alguns minutos na semana, a pensamentos compulsórios de amor
cristão. Como veem, o assunto é complexo e demanda longas considerações
e ensinamentos.
3.
Reparei com mais atenção os circunstantes encarnados. Não fosse o devotamento
dos colaboradores do nosso Plano, tornar-se-ia impossível qualquer proveito
concreto.
2 Isidoro e outros amigos
devotados trabalhavam com ardor, despertando alguns dorminhocos e reajustando
o pensamento dos invigilantes, para neutralizar determinadas influências
nocivas.
3 Eu reconhecia que os benefícios
imediatos da doutrinação de Bentes eram muito mais visíveis entre os
desencarnados. No grupo destes, não havia um só que não recebesse consolações
diretas e sublime conforto.
4 Finda a interpretação, pouco
antes de se entregar Dona Isabel ao trabalho do receituário, observei
que uma senhora desencarnada se aproximara de Isidoro, pedindo, emocionada:
— Ser-lhe-á possível, meu irmão, entender-se por mim com os nossos orientadores quanto à possibilidade de me comunicar diretamente com a minha filha, presente à reunião? Estou certa de que, com a permissão devida, nossa Isabel me atenderá a angústia materna.
5 O interpelado mostrou sincero
desejo de ser útil, mas, depois de trocar algumas palavras com o instrutor
mais graduado da reunião, que se colocara entre a médium e o doutrinador,
veio trazer a resposta, algo constrangido, com grande surpresa para
mim:
— Minha irmã, — disse ele, — o nosso nobre Anselmo não julga viável o seu pedido.
6 Asseverou que sua
filhinha ainda não está em condições de receber essa bênção. Ela tem
necessidade de testemunhar, agora, o que aprendeu do seu exemplo, no
mundo, e precisa permanecer no campo da oportunidade, sem repousar indevidamente
nos seus braços.
7 E como a senhora denotasse
tristeza, Isidoro continuou em tom fraternal:
— Não somente por isso, minha amiga, nosso instrutor se vê forçado
a desatender. 8 A medida
traria inconveniente grave para o seu sentimento maternal. No estado
evolutivo em que se encontra, e considerando o velho hábito adquirido,
a filhinha se agarraria excessivamente ao seu auxílio. Prender-se-ia
à mãezinha afetuosa e sensível, e talvez a irmã se visse perturbada
em sua nova carreira espiritual. 9
Ela precisa estar mais livre para testemunhar, enquanto o seu coração
deve permanecer em liberdade, por nobre merecimento conquistado ao preço
do seu suor e lágrimas, quando na Terra. 10
Considerando, embora, o caráter sagrado do amor em sua feição maternal,
nossos orientadores não podem conceder à sua filha o direito de perturbá-la.
Compreende? Não se atormente com esta impossibilidade transitória. Lembre-se
de que todos somos filhos de Deus. O Senhor terá recursos para atender
à jovem, em seu lugar. 11
Quanto ao mais, alegremo-nos em nossos serviços. Recorde que o auxílio
não se verificará pelo processo direto, mas podemos recorrer ao método
indireto. Quem sabe? Amanhã, possivelmente, poderá encontrar-se com
sua filha, em sonho.
A interpelada sorriu, confortada, e obtemperou:
— É verdade. Devo compreender a nova situação.
4.
Nesse instante, acercou-se de Isidoro uma entidade amiga, que solicitou:
— Meu caro, estimaria suas providências junto dos receitistas, para que forneçam novas indicações ao Amaro. Meu sobrinho necessita de amparo à saúde física.
2 O esposo espiritual de Isabel
tomou uma expressão significativa e respondeu:
— Não posso, meu amigo, não posso. Se Amaro pedir e os receitistas
cederem, tudo estará muito bem; mas você não ignora que o nosso doente
é muito rebelde. 3
Já lhe providenciei a obtenção de conselhos médicos do nosso Plano,
por cinco vezes, sem que ele correspondesse aos nossos esforços. Não
se resolve a adquirir os remédios indicados, e quando os obtém, por
obséquio de amigos, despreza os horários e julga-se superior ao método.
Critica mordazmente as indicações obtidas e serve-se delas com desprezo.
4 Naturalmente não
estou agastado com isso, como adulto que se não aborrece com as brincadeiras
de uma criança; mas você compreende que estamos lidando com um material
muito sagrado e não há tempo para conviver com os que estimam a brincadeira.
Além disso, não será caridade o ato de dar aos que não querem receber.
5 Isidoro falava com uma inflexão
de bondade fraternal, que afastava todos os característicos da franqueza
contundente. Compreendi que, para atender a tanta gente e movimentar-se
entre tantos propósitos heterogêneos, não seria possível tratar os assuntos
de outro modo.
6 O serviço prosseguia com
enorme demonstração educativa para Vicente e para mim. O esforço dos
clínicos espirituais, aliado à abnegação da intermediária, comovia-me
o coração. Era necessário, de fato, grande renúncia para atender ao
trabalho compacto e numeroso, no setor de assistência aos encarnados,
porque poucos frequentadores do grupo pareciam manter atitude correspondente
à sublime dedicação fraternal em nome do Mestre.
7 Aniceto, porém, adivinhando
meus pensamentos, falou com bondade:
— Um dia, André, você compreenderá, com Jesus, que melhor é servir que ser
servido; mais belo é dar que receber. ( † )
André Luiz
[Os capítulos do n.º 43 ao 48, dizem respeito às observações e estudos efetuados por André Luiz em uma reunião de trabalhos espirituais na residência de Dona Isabel.]