1.
Apagados os comentários mais vivos, relativamente ao episódio desagradável,
o superior hierárquico daquela grande turma de trabalhadores espirituais
indagou do nosso orientador, com delicadeza:
2 — Nobre Aniceto, valendo-vos
da oportunidade, poderíeis interpretar para nós outros alguma das lições
evangélicas, ainda hoje?
Aniceto aquiesceu, pressuroso.
Notei que o interesse em torno do assunto era enorme.
3 Com grande surpresa, reparei
que os servidores da gleba traziam ao estimado mentor um livro, que
não tive dificuldades em identificar. Era um exemplar do Evangelho,
que Aniceto abriu firmemente, como quem sabia onde estava a lição do
momento.
4 Fixando a página
escolhida, começou a meditar, enquanto sublimada luz lhe aureolava a
fronte. Fez-se profundo silêncio. Todos os colaboradores demonstravam
grande interesse pela palavra que se faria ouvir. 5 O que mais me impressionava, todavia, era o aspecto imponente e calmo da Natureza. O rebanho bovino
acercara-se de nós, atraído por forças magnéticas que não consegui compreender.
Alguns muares humildes chegaram, igualmente, de longe. E as aves tranquilizaram-se
nas frondes fartas, sem um pio. 6
A única voz que toava, leve e branda, era a do vento, sussurrando harmonia
e frescura. A paisagem não podia ser mais bela, vestida em ouro líquido
do Poente. Excetuada a rusticidade natural do quadro vivo, o ambiente
sugeria recordações fiéis dos verdes salões de “Nosso Lar”.
2.
Aniceto, mergulhando o olhar no Sagrado Livro, leu em voz alta os versículos
19, 20 e 21 do capítulo 8, da Epístola aos Romanos:
— “Porque a ardente expectação da criatura espera a manifestação dos filhos de Deus. Porque a criação ficou sujeita à vaidade, não por sua vontade, mas por causa do que a sujeitou, na esperança de que também a mesma criatura será libertada da servidão da corrupção, para a liberdade da glória dos filhos de Deus.”
2 Em seguida, refletiu alguns
instantes e comentou, com evidente inspiração:
— Irmãos, recebamos a bênção do campo, louvando o Amor e a Sabedoria
de Nosso Pai! Exaltemos o Soberano Espírito de Vida, que sopra em nós
a força eterna da incessante renovação! 3
Ponderemos a palavra do Apóstolo da Gentilidade, por extrair-lhe o
conteúdo divino!… Há milênios a Natureza espera a compreensão dos homens.
4 Não se tem alimentado
tão somente de esperança, mas vive em ardente expectação, aguardando
o entendimento e o auxílio dos Espíritos encarnados na Terra, mais propriamente
considerados filhos de Deus. 5
Entretanto, as forças naturais continuam sofrendo a opressão de todas
as vaidades humanas. Isto, porém, ocorre, meus amigos, porque também
o Senhor tem esperança na libertação dos seres escravizados na Crosta,
para que se verifique igualmente a liberdade na glória do homem. 6
Conheço-vos de perto os sacrifícios, abnegados trabalhadores espirituais
do solo terrestre! Muitos de vós aqui permaneceis, como em múltiplas
regiões do planeta, ajudando a companheiros encarnados, acorrentados
às ilusões da ganância de ordem material. 7
Quantas vezes, vosso auxílio é convertido em baixas explorações no campo
dos negócios terrestres? A maioria dos cultivadores da terra tudo exige
sem nada oferecer. 8
Enquanto zelais, cuidadosamente, pela manutenção das bases da vida,
tendes visto a civilização funcionando qual vigorosa máquina de triturar,
convertendo-se os homens, nossos irmãos, em pequenos Moloques de pão,
carne e vinho, absolutamente mergulhados na viciação dos sentimentos
e nos excessos da alimentação, despreocupados do imensa débito para
com a Natureza amorável e generosa. 9
Eles oprimem as criaturas inferiores, ferem as forças benfeitoras da
vida, são ingratos para com as fontes do bem, atendem às indústrias
ruralistas, mais pela vaidade e ambição de ganhar, que lhes são próprias,
que pelo espírito de amor e utilidade, mas também não passam de infelizes
servos das paixões desvairadas. 10
Traçam programas de riqueza mentirosa, que lhes constituem a ruína;
escrevem tratados de política econômica, que redundam em guerra destruidora;
desenvolvem o comércio do ganho indébito, colhendo as complicações internacionais
que dão curso à miséria; dominam os mais fracos e os exploram, acordando,
porém, mais tarde, entre os monstros do ódio! 11
É para eles, nossos semelhantes encarnados na Crosta, que devemos voltar
igualmente os olhos, com espírito de tolerância e fraternidade. Ajudemo-los
ainda, agora e sempre! Não esqueçamos que o Senhor está esperando pelo
futuro deles! 12
Escutemos os gemidos da criação, pedindo a luz do raciocínio humano,
mas não olvidemos, também, a lágrima desses escravos da corrupção, em
cujas fileiras permanecíamos até ontem, auxiliando-os a despertar a
consciência divina para a vida eterna! 13
Ainda que rodeiem o campo de vaidades e insolências, auxiliemo-los ainda.
O Senhor reserva acréscimos sublimes de valores evolutivos aos seres
sacrificados. Não olvidará Ele a árvore útil, o animal exterminado,
o ser humilde que se consumiu em benefício de outro ser!
3.
Cooperemos, por nossa vez, no despertar dos homens, nossos irmãos, relativamente
ao nosso débito para com a Natureza maternal. 2
Sempre, ao voltarmos à Crosta, envolvendo-nos em fluidos do Círculo
carnal, levamos muito longe a aquisição de nitrogênio. Convertemos em
tragédia mundial o que poderia constituir a procura serena e edificante.
3 Como sabemos, organismo
algum poderá viver na Terra sem essa substância, e embora se locomova,
no oceano de nitrogênio, respirando-o na média de mil litros por dia,
não pode o homem, como nenhum ser vivo do planeta, apropriar-se do nitrogênio
do ar. 4 Por enquanto,
não permite o Senhor a criação de células nos organismos viventes do
nosso mundo, que procedam à absorção espontânea desse elemento de importância
primordial na manutenção da vida, como acontece ao oxigênio comum. 5
Somente as plantas, infatigáveis operárias do orbe, conseguem retirá-lo
do solo, fixando-o para o entretenimento da vida noutros seres. 6
Cada grão de trigo é uma bênção nitrogenada para sustento das criaturas,
cada fruto da terra é uma bolsa de açúcar e albumina, repleta do nitrogênio
indispensável ao equilíbrio orgânico dos seres vivos. 7
Todas as indústrias agropecuárias não representam, na essência, senão
a procura organizada e metódica, do precioso elemento da vida. 8
Se o homem conseguisse fixar dez gramas, aproximadamente, dos mil litros
de nitrogênio que respira diariamente, a Crosta estaria transformada
no paraíso verdadeiramente espiritual. 9
Mas, se muito nos dá o Senhor, é razoável que exija a colaboração do
nosso esforço na construção da nossa própria felicidade. Mesmo em “Nosso
Lar”, ainda estamos distantes da grande conquista do alimento espontâneo
pelas forças atmosféricas, em caráter absoluto. 10
E o homem, meus amigos, transforma a procura de nitrogênio em movimento
de paixões desvairadas, ferindo e sendo ferido, ofendendo e sendo ofendido,
escravizando e tornando-se cativo, segregado em densas trevas! 11
Ajudemo-lo a compreender, para que se organize uma era nova. Auxiliemo-lo
a amar a terra, antes de explorá-la no sentido inferior, a valer-se
da cooperação dos animais, sem os recursos do extermínio! 12
Nessa época, o matadouro será convertido em local de cooperação, onde
o homem atenderá aos seres inferiores e onde estes atenderão às necessidades
do homem, e as árvores úteis viverão em meio do respeito que lhes é
devido. 13 Nesse
tempo sublime, a indústria glorificará o bem e, sentindo-nos o entendimento,
a boa vontade e a veneração às leis divinas, permitir-nos-á o Senhor,
pelo menos em parte, a solução do problema técnico de fixação do nitrogênio
da atmosfera. 14 Ensinemos
aos nossos irmãos que a vida não é um roubo incessante, em que a planta
lesa o solo, o animal extermina a planta e o homem assassina o animal,
mas um movimento de permuta divina, de cooperação generosa, que nunca
perturbaremos sem grave dano à própria condição de criaturas responsáveis
e evolutivas! Não condenemos! Auxiliemos sempre!
15 A assembleia, tanto quanto
nós, estava sob forte impressão.
Aniceto calou-se, contemplou com simpatia os animais e as aves próximas, como se estivesse a endereçar-lhes profundos pensamentos de amor e, a seguir, fechou o Livro Sagrado, com estas palavras:
16 — Observamos com o Evangelho
que a criação aguarda ansiosamente a manifestação dos filhos de Deus
encarnados! Concordamos que as criaturas inferiores têm suportado o
peso de iniquidades imensas! Continuemos em auxílio delas, mas não nos
percamos em vãs contendas. Os homens esperam também a nossa manifestação
espiritual! Desse modo, ajudemos a todos, no capítulo do grande entendimento.
André Luiz