O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão
Doutrina espírita - 2ª parte.

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Os mensageiros — André Luiz


22

Os que dormem

(Sumário)

1. Seguimos através de longas filas de arvoredo acolhedor, rumo às vastas edificações que obedeciam a linhas arquitetônicas singulares.

2 Sem que eu pudesse explicar o fenômeno, as luzes diminuíam progressivamente. Que teria acontecido? Vicente e eu nos entreolhamos, assustados. Alfredo, Aniceto e os demais, todavia, caminhavam sem surpresa. A serenidade deles tranquilizava-me o íntimo, embora o espanto insofreável.

3 Mais alguns passos, atingimos os pavilhões diferentes, que se estendiam em área superior a três quilômetros, pelos meus cálculos. Lá dentro, contudo, as sombras se fizeram mais densas. Conseguia distinguir, vagamente, os quadros interiores, observando que se tratava, a meu ver, de espaçosas enfermarias com teto sólido, mas semi-abertas ao longo das paredes altas, dando livre passagem ao ar.

4 Dezenas de operários, devotados e operosos, seguiam-nos em absoluto silêncio.

Alfredo era o único a falar, notando-se, contudo, que se fizera extremamente discreto nas palavras.

5 Tudo isso me dava a impressão de haver penetrado um cemitério escuro, onde os visitantes fossem obrigados a guardar todo o respeito aos mortos.

6 Com estranheza, notei que um dos servidores entregara ao chefe do Posto pequenina máquina, que Alfredo nos deu a conhecer gentilmente, explicando:

— Este é o nosso aparelho de sinalização luminosa. Estamos no centro dos pavilhões a que se recolhem irmãos ainda adormecidos. Temos aqui, presentemente, quase dois mil.

7 Os cooperadores numerosos dirigiam-se em ordem para a zona de serviços que lhes competiam.

Depois de pequena pausa, falou o administrador com firmeza:

— Iniciemos o trabalho de assistência.


2. Ao primeiro sinal luminoso de Alfredo, acenderam-se numerosas lâmpadas elétricas e, então, dominando, a custo, a primeira impressão de horror, vi extensas filas de leitos ao rés do chão, ocupados todos por pessoas mergulhadas em profundo sono. 2 Muitos tinham o semblante horrendo. Eram muito poucos os que traziam as pálpebras cerradas, parecendo tranquilos. Em quase todos, estampavam-se-lhes nos olhos, aparentemente vitrificados, o extremo pavor e o doloroso desespero da morte. Cadavérica palidez cobria-lhes a face.

3 Recordando a literatura antiga, pensei nos velhos túmulos egípcios. Tínhamos, diante de nós, centenas de múmias perfeitas. Raríssimos pareciam dormir um sono natural.

4 Aproximando-se de nós outros, Alfredo falou a Aniceto, em particular:

— Infelizmente, não podemos atender a todos.

— Porquê? — Indagou nosso orientador, comovido.

5 — Estamos aguardando pessoal adestrado. Tenho aqui a colaboração de oitenta auxiliares para este gênero de serviço; entretanto, não pode cada qual atender a mais de cinco doentes de uma só vez. À vista disso, dos nossos mil novecentos e oitenta abrigados, separei os quatrocentos mais suscetíveis de próximo despertar, a fim de submetê-los ao tratamento intensivo.

6 — E os demais?

— Recebem alimento e medicação mais densos uma vez por dia.

Aniceto calou-se, pensativo.


3. Profundamente tocado pelo que via, inclinei-me instintivamente para o abrigado mais próximo, tentando examinar-lhe o estado fisiológico.  2 Identifiquei o calor orgânico, a pulsação regular e os movimentos respiratórios, embora verificasse a extrema rigidez dos membros, como que mergulhados em imobilidade cataléptica.

3 Indescritível impressão apoderou-se de mim. Levantei-me assustado, dirigi-me a Aniceto com a máxima discrição, e interroguei:

— Explicai-me, por Deus! Que vemos aqui? Estamos, acaso, na moradia da morte, depois da morte?

4 O instrutor sorriu, complacente, e explicou em voz quase imperceptível:

— Sim, André, este sono é, verdadeiramente, avançada imagem da morte. Aqui permanecem, com a bênção do abrigo, alguns milhões dos nossos irmãos que ainda dormem. 5 São as criaturas que nunca se entregaram ao bem ativo e renovador, em torno de si, e mormente os que acreditaram convictamente na morte, como sendo o nada, o fim de tudo, o sono eterno. 6 A crença na vida superior é atividade incessante da alma. A ferrugem ataca a enxada ociosa. O entorpecimento invade o Espírito vazio de ideal criador. 7 Os que, nos Círculos carnais, homens e mulheres, creem na vida eterna, ainda que não sejam fundamentalmente cristãos, estão desenvolvendo faculdades de movimentação espiritual e podem penetrar as Esferas extraterrenas em estado animador, pelo menos quanto à locomoção e juízo mais ou menos exato. 8 No entanto, as criaturas que perseveram em negação deliberada e absoluta, não obstante, por vezes, filiadas a cultos externos de atividade religiosa, que nada veem além da carne nem desejam qualquer conhecimento espiritual, são verdadeiramente infelizes. 9 Muitos penetram nossas regiões de serviço, como embriões de vida, na câmara da Natureza sempre divina. Um amigo nosso costuma designá-los por fetos da espiritualidade; entretanto, a meu ver, seriam felizes se estivessem nessa condição inicial. 10 Temos a certeza, porém, de que muitos se negaram ao contato da fé, absolutamente por indiferença criminosa aos desígnios do Eterno Pai. Dormem, porque estão magnetizados pelas próprias concepções negativistas; permanecem paralíticos, porque preferiram a rigidez ao entendimento; mas dia virá em que deverão levantar-se e pagar os débitos contraídos. 11 Eis porque os considero sofredores. Primeiramente, demoram no sono em que acreditaram, mais tarde acordam; porém, a maioria não pode fugir à enfermidade e à perturbação, como acontece aos irmãos dementados, que vimos inda há pouco.

12 Grande o meu assombro. Como Vicente se aproximasse, também, para ouvi-lo, falou Aniceto, esclarecendo a nós ambos:

— A fé sincera é ginástica do Espírito. Quem não a exercita de algum modo, na Terra, preferindo deliberadamente a negação injustificável, encontrar-se-á mais tarde sem movimento. 13 Semelhantes criaturas necessitam de sono, de profundo repouso, até que despertem para o exame das responsabilidades que a vida traduz.


4. Observando que o nosso orientador se esquivava a comentários longos, para que pudéssemos seguir, de mais perto, os trabalhos de assistência, calei as muitas indagações que me escaldavam a mente.

2 Com exceção de algumas senhoras que permaneciam junto de Ismália, todos os servidores se mantinham em posição de vigilância, ao pé dos grupos mumificados. 3 A luz artificial iluminava os leitos, que se perdiam de vista, mas observei que nenhum dos albergados reagia à intensa claridade que se fizera. Continuavam rígidos, cadavéricos, prostrados.

4 Notei, então, que Alfredo começou a mover o aparelho de sinalização, para emitir as ordens de serviço. Cada sinal determinava operação diferente.

5 Vi os servidores do Posto distribuírem pequenas porções de alimento líquido e medicação bucal, em profundo silêncio. Em seguida, forneceram reduzidas quantidades de água efluviada aos infelizes, com exceção, porém, de muitos que pareciam preparados a receber, tão somente, caldo e remédio. 6 Dois terços dos quatrocentos abrigados em tratamento receberam passes magnéticos. Alguns poucos receberam aplicações do sopro curador.

7 Todos os movimentos do trabalho eram assinalados pela sinalização luminosa, partida das mãos do administrador, que parecia interessado na manutenção do máximo silêncio. 8 Impressionado com o que via, perguntei ao orientador, em voz baixa, a razão de alguns enfermos não terem sido beneficiados com a água e com o socorro de forças novas, através do passe e do sopro vivificante.

9 Aniceto, todo bondade, inclinou-se aos meus ouvidos, com a ternura de um pai ansioso por tranquilizar o filhinho inquieto, e falou:

— Cada um na vida, meu caro André, tem a necessidade que lhe é peculiar. Aqui, compreendemos com amplitude esse imperativo da Natureza.


André Luiz


Texto extraído da 1ª edição desse livro.

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