1.
Depois de empregarmos o processo de condução rápida, atravessando imensas
distâncias, surgiu uma região menos bela. 2
O firmamento cobrira-se de nuvens espessas e alguma coisa que eu não
podia compreender impedia-nos a volição com facilidade. Creio que
o mesmo não acontecia ao nosso instrutor, mas Vicente e eu fazíamos
enorme esforço para acompanhá-lo.
3 Aniceto percebeu, de pronto,
nossos obstáculos e considerou:
— Será conveniente utilizarmos a locomoção. A atmosfera começa a pesar muitíssimo
e não devemos andar muito distante de Campo da Paz. 4
Não precisaremos ir até lá; todavia, descansaremos no Posto de Socorro.
Encontraremos, ali, os recursos indispensáveis.
— Mas, que é isto? — Perguntei, admirado da profunda modificação ambiente.
5 — Estamos penetrando
a Esfera de vibrações mais fortes da mente humana. Achamo-nos a grande
distância da Crosta; entretanto, já podemos identificar, desde logo,
a influenciação mental da Humanidade encarnada. 6
Grandes lutas desenrolam-se nestes Planos e milhares de irmãos abnegados
aqui se votam à missão de ensinar e consolar os que sofrem. Em parte
alguma escasseia o amparo divino.
7 Nesse instante, chegáramos
ao cume de grande montanha, envolvida em sombra fumarenta. No solo,
desenhavam-se trilhas diversas, à maneira de labirintos bem formados.
Observando-nos a estranheza, Aniceto falou com otimismo:
— Sigamos!
2.
Nesse momento, ó Deus de Bondade! alguma coisa imprevista me felicitava
o coração. Contrastando as sombras, raios de luz desprendiam-se intensamente
de nossos corpos. 2
Extraordinária comoção apossou-se-me d’alma. Vicente e eu ajoelhamo-nos
a um só tempo, banhados em lágrimas, enviando ao Eterno os nossos profundos
agradecimentos, em votos de júbilo fervoroso. 3
Estávamos embriagados de ventura. Era a primeira vez que me vestia de
luz, luz que se irradiava de todas as células do meu corpo espiritual.
4 Aniceto, que se mantinha
de pé, a contemplar-nos com expressão de alegria, falou comovidamente:
— Muito bem, meus amigos! Agradeçamos a Deus os dons de amor, sabedoria e misericórdia. Saibamos manifestar ao Pai o nosso reconhecimento. Quem não sabe agradecer, não sabe receber e, muito menos, pedir.
5 Durante muito tempo, Vicente
e eu mantivemo-nos em prece repleta de alegrias e de lágrimas… Em seguida,
retomamos a marcha, como se estivéssemos vestidos em sublime luminosidade.
3.
As surpresas, no entanto, sucediam-se ininterruptas.
Aquelas vias de comunicação eram muito diversas das que conhecia até
ali. Mergulhávamos num clima estranho, onde predominavam o frio e a
ausência de luz solar. 2
A topografia era um conjunto de paisagens misteriosas, lembrando filmes
fantásticos da cinematografia terrestre. Picos altíssimos semelhavam
vigorosas agulhas de treva, desafiando a vastidão. Descíamos sempre,
como viajores ladeando escuros precipícios, em país de exotismo ameaçador.
3 Esquisita vegetação
subia do solo, de espaço a espaço, entre os grandes abismos. Aves de
horripilante aspecto surgiam, medrosas, de quando em quando, enchendo
o silêncio de pios angustiados. Rija ventania soprava em todas as direções.
4 Fundamente assombrado, cobrei
ânimo e perguntei ao nosso instrutor:
— Que dizeis de tudo isto? Ignorava que houvesse tais regiões entre a Crosta e nossa cidade espiritual. À nossa frente, sinto um mundo novo, que me é totalmente desconhecido… Por quem sois, nobre Aniceto, nada vos pergunto por ociosidade, mas estas terras me surpreendem profundamente.
4.
Aniceto, sempre generoso, sorriu docemente e respondeu:
— Todo este mundo que vemos é continuação de nossa Terra. Os olhos humanos veem apenas algumas expressões do vale em que se exercitam para a verdadeira visão espiritual, como nós outros que, observando agora alguma coisa, não estamos igualmente vendo tudo.
2 Este, André, é um
domínio diferente. A percepção humana não consegue apreender senão determinado
número de vibrações. Comparando as restritas possibilidades humanas
com as grandezas do Universo Infinito, os sentidos físicos são muitíssimo
limitados. 3 O homem
recebe reduzido noticiário do mundo que lhe é moradia. É verdade que
tem devassado com a sua ciência problemas formidáveis. A astronomia terrena
conhece que o Sol, por medidas aproximadas, é 1.300.000 vezes maior
que a Terra e que a estrela Capela é 5.800 vezes maior que o nosso Sol;
sabe que Arcturus equivale a milhares de sóis, iguais ao que nos ilumina;
está informada de que Canopo corresponde a 8.760 sóis idênticos ao
nosso, reunidos; mediu as distâncias entre o nosso planeta e a Lua;
acompanha certos fenômenos em Marte, Saturno, Vênus e Júpiter; sonda
os milhões de sóis aglomerados na Via-Láctea; conhece as estrelas variáveis,
as nebulosas espirais e difusas. 4
E não param as observações humanas na grandeza ilimitada do Macrocosmo.
A Ciência vai, igualmente, aos círculos atômicos; analisa a materialização
da energia, o movimento dos elétrons, estuda o bombardeio de átomos
e esquadrinha corpúsculos diversos. 5
Mas todo esse trabalho, com a colaboração das lunetas de alta potência
e dos geradores de milhões de volts, ainda é serviço que apenas identifica
os aspectos exteriores da vida. 6
Há, porém, André, outros mundos sutis, dentro dos mundos grosseiros,
maravilhosas Esferas que se interpenetram. 7
O olho humano sofre variadas limitações e todas as lentes físicas reunidas
não conseguiriam surpreender o campo da alma, que exige o desenvolvimento
das faculdades espirituais para tornar-se perceptível. 8
A eletricidade e o magnetismo são duas correntes poderosas que começam
a descortinar aos nossos irmãos encarnados alguma coisa dos infinitos
potenciais do Invisível, mas ainda é cedo para cogitarmos de êxito completo.
9 Somente ao homem
de sentidos espirituais desenvolvidos é possível revelar alguns pormenores
das paisagens sob nossos olhos. 10
A maioria das criaturas ligadas à Crosta não entende estas verdades,
senão após perderem os laços físicos mais grosseiros. É da lei, que
não devemos ver senão o que possamos observar com proveito.
Nessa altura, Aniceto calou-se.
5.
Comovido com as instruções, guardei religioso silêncio.
Agora, em meio das sombras, divisava alguns vultos negros, que pareciam fugir apressados, confundindo-se na treva das furnas próximas. Nosso orientador avisou, cauteloso:
2 — Procuremos interromper
os efeitos luminosos do nosso corpo espiritual. Bastará que pensem com
vigor na necessidade dessa providência. Estamos atravessando extensa
zona, a que se acolhem muitos desventurados, e não é justo humilhar
os que sofrem com a exibição de nossos bens.
3 Obedecendo ao conselho,
verifiquei o efeito imediato. Os fios de luz que me irradiavam do corpo
apagaram-se como por encanto. A excursão tornou-se menos agradável.
4 Descíamos, milagrosamente,
através dos despenhadeiros de longa extensão. A sombra fizera-se mais
densa, a ventania mais lamentosa e impressionante.
5 Após algum tempo de marcha
em silêncio, divisamos ao longe um grande castelo iluminado. Aniceto
fez um gesto significativo com o indicador e explicou:
— É um dos Postos de Socorro de Campo da Paz.
André Luiz