No Livro dos Espíritos, de Allan Kardec, a teoria das almas gêmeas, ou metades eternas, se encontra assim posta:
P. — 298. As almas que se devem unir, são desde a sua origem predestinadas a essa união? Tem cada um de nós, em algum ponto do universo, a sua metade a que um dia haja fatalmente de unir-se?
R. — Não; não existe união particular e fatal entre duas almas. A união existe entre todos os Espíritos, mas em graus diferentes, segundo a posição que ocupam, isto é, segundo a perfeição que adquiriram. Quanto mais perfeitos, mais unidos. Da discórdia nascem todos os males da humanidade e da concórdia resulta a felicidade completa.
Depois, resumindo o ensino que se desenvolve dos §§ 291 a 302, o Codificador o ilustra com o seguinte comentário pessoal:
“A teoria das metades eternas é uma figura da união de dois Espíritos simpáticos; é uma expressão usada mesmo na linguagem vulgar, por isso não devemos tomá-la ao pé da letra. Seguramente, os Espíritos que a têm utilizado não pertencem a uma ordem elevada, a esfera de suas ideias é necessariamente limitada e eles exprimiram o pensamento pelos termos de que se tinham servido durante a vida corporal. Deve-se, pois, rejeitar a ideia de dois Espíritos criados um para o outro e devendo um dia unir-se fatalmente para a eternidade, depois de ter estado separados por tempo mais ou menos longo.”
Esta circunstância e a presunção, sempre cabível, de qualquer falha na captação mediúnica, tão sutil e delicada, nos levaram a formular ao médium, para que as submetesse ao seu preclaro Mentor e Autor deste livro, as seguintes objeções:
“Esta teoria, ou hipótese, afigura-se-nos aqui algo obscura. Não satisfaz, e, da forma por que é apresentada, parece-nos ilógica e contraditória. De fato, essa criação original, dúplice, induz a concluir que as almas surgem incompletas. É ilação incompatível com a onisciência de Deus. Aliás, é ideia recusada por Allan Kardec, No Livro dos Espíritos. A afinidade espiritual deve ser extensiva a todas as criaturas e, se esse sistema de gênese binária pudesse justificar-se, a comunhão universal jamais seria una e integral. Como contingência acidental, na trajetória dos seres decaídos, poder-se-ia talvez admitir, mas, ainda assim, em caráter transitório, condicional, nunca absoluto. De outra forma, parece-nos, seria um dualismo excepcional, barreira oposta à lei do amor, que deve abranger todas as criaturas de Deus em perfeita identidade de origem e de fins. De resto, o nosso grande Amigo e lúcido Instrutor é presto no afirmar que Jesus escapa ou transcende à sua concepção. Ora, assente como postulado incontroverso, que há muitos Cristos, achamos nós que a teoria, ou sistema das almas gêmeas, deixa de ter cunho universal e desnecessário será equacioná-la.
Para nós, o problema se ajusta muito melhor ao instituto da família, como ensaio de comunhão dual, mas sempre condicional ou acidental e transitória, colimando a unificação coletiva com o Cristo, para Deus.”
A estas considerações, dignou-se de responder o insigne e bondoso Emmanuel, com a seguinte mensagem.
“Meu amigo, Deus te abençoe o coração nas lutas materiais. Agradecendo o teu carinho fraterno, na colaboração amiga e sincera de sempre, peço a modificação do texto da questão nº 378, do novo trabalho, que deverá ser apresentado nos seguintes termos:
— “Grande número de almas desencarnadas nas ilusões da vida física, guardadas quase que integralmente no íntimo, conservam-se, por algum tempo, incapazes de apreender as vibrações do Plano espiritual, sendo conduzidas pelos seus guias e amigos redimidos às reuniões fraternas do Espiritismo evangélico, onde, sob as vistas amoráveis desses mesmos mentores do Plano invisível, se processam os dispositivos da lei de cooperação e benefícios mútuos, que rege os fenômenos da vida nos dois Planos.”
“Devo a pequena confusão observada, concedendo à matéria certos ascendentes que só pertencem ao Espírito, a perturbações do método de “filtragem mediúnica”, onde o meu pensamento foi prejudicado.
“Solicitando essa modificação, pediria a conservação no texto, da humilde exposição, relativa à tese das “almas gêmeas”, ainda que, em consciência, sejam os amigos da Casa de Ismael compelidos à apresentação de uma ressalva, em obediência à lealdade de um respeitável ponto de vista. A tese, todavia, é mais complexa do que parece ao primeiro exame, e sugere mais vasta meditação às tendências do século, no capítulo do “divorcismo” e do “pansexualismo”, que a ciência de confusão vem lançando nos espíritos. No caso do Cristo, devemos invocar toda a veneração para o trato de sua personalidade divina, motivo pelo qual apenas tratei do assunto com referência aos homens, para considerar que as uniões, em toda vida, são orientadas por ascendentes de amor mais profundos que aqueles entrosados nas humanas concepções, que se modificam na esteira evolutiva. Se possível, eis o que me permito solicitar, renovando ao querido irmão o meu agradecimento sincero e a minha afeição de todos os dias.”
Emmanuel
Aí têm os leitores a ressalva que visa conciliar a fidelidade do nosso programa integral com a veneração e reconhecimento, mais que merecidos, ao emérito e sábio cultor da Seara Cristã, para que cada qual possa interpretar e decidir de foro íntimo, com aquela prerrogativa de liberdade que é apanágio maior da nossa Doutrina.
A EDITORA
[Vide interessante artigo na Revista Espírita: As metades eternas.]