“A verdadeira crença não precisa de nenhuma força humana ou temporal para se manter.”
PEDRO LEOPOLDO, † 12 (Especial para O GLOBO, por Clementino de Alencar) — Reuniremos em nossa correspondência de hoje algumas respostas a perguntas sobre religião.
Uma dessas indagações deve ter sido sugerida ao missivista pelos debates que há pouco agitaram a Câmara Municipal carioca.
Ei-la:
— Deve-se adotar o ensino religioso nas escolas?
A resposta é contrária a essa medida, considerando-a um erro capaz de desenvolver na criança um prejudicial espírito de seita.
Aulas de moral, sem sectarismo
Essa resposta diz assim:
— Seria conveniente que se adotassem aulas de moral em todas as escolas, sem nenhum caráter sectário sob o ponto de vista religioso. A formação do espírito infantil se processaria dentro do luminoso ideal da fraternidade humana, sem a colaboração do odioso espírito de seita.
É um erro criar, na pedagogia moderna, o ensino de determinadas doutrinas religiosas, inoculando na mentalidade da criança sentimentos antifraternos.
Contra o fanatismo destruidor
E como poderá o cérebro da infância aprender capítulos escriturísticos que os próprios exegetas lutam com dificuldades para explanar e compreender?
Formidável já é a tarefa dos mestres, desviando essas inteligências novas da prática do mal. Somos, portanto, de opinião que o laicismo deve ser conservado nas escolas públicas; proceder de outra forma é cooperar pela difusão do fanatismo destruidor.
Emmanuel
Problema afeto ao lar e não aos departamentos do Estado
A segunda pergunta do gênero apresentada a Emmanuel, logo a seguir, decorre da resposta dada à primeira:
— Convém educar a criança sem religião?
Eis a resposta dada pelo guia:
— Se preconizamos a adoção do laicismo nas escolas públicas, considerando a heterogeneidade dos credos religiosos a que se filiam os alunos, isso não quer dizer que sejamos partidários da educação irreligiosa. Deve-se cultivar a ideia de Deus na mentalidade infantil.
A solução desse problema, contudo, está afeta ao lar e não aos departamentos do Estado.
A criança deve ser integrada no conhecimento das suas obrigações ante as leis divinas e é dessa educação, à base do Cristianismo em sua pureza primitiva, que nascerão as mentalidades sadias para as coletividades sadias do futuro.
Emmanuel
Pela inteira liberdade de crenças
Dentro do mesmo quadro de cogitações aparece, a seguir, esta pergunta:
— Deve o governo brasileiro decretar uma religião oficial?
Emmanuel manifesta-se pela liberdade de crenças nestes termos:
— O governo que se abalançasse a uma empresa dessas, nos tempos que correm, operaria obra demolidora dos progressos alcançados, instaurando a anarquia do pensamento.
A época atual não comporta semelhantes retrocessos.
As crenças e o perigo do doutrinarismo político
Aliás, a questão estaria afeta ao credo que aceitasse amparo oficial. Uma crença que necessite de forças humanas para se manter deixa de ser crença para ser uma arma perigosa de doutrinarismo político. Interessada nas coisas mundanas, dá provas de sua falência nos corações. Buscando o poder transitório dos homens esquece o poder eterno de Deus.
Todo o credo religioso que procure a sombra do Estado para se expandir e viver dá sintomas de desagregação; e, quando acolhido pelo Estado apressa-se a sua decadência. Poderá ser um grande coeficiente de forças partidárias dentro da política; todavia, a política é um conjunto de forças que se caracterizam pela temporalidade de sua ação.
Espontânea, singela e benéfica
A verdadeira crença religiosa, laço sagrado que une as almas ao Céu pelas aspirações da fé, não precisa de nenhuma força humana ou temporal para se manter. É espontânea e, beneficiando os homens com a sua majestosa singeleza, abre o caminho da luz espiritual para as consciências espalhando em tudo as suas claridades imortais.
Emmanuel
Dois sonetos de Hermes Fontes
Encerrando a correspondência de hoje, aqui juntamos dois sonetos recebidos com o nome de Hermes Fontes, na sessão de 22 de maio último, e aos quais já fizemos ligeira referência no noticiário daquela reunião.
São os seguintes esses versos: n
Desconforto
Não me bastou, Senhor, velar atento
A misteriosa luz com que, à procura
De um luminoso céu em miniatura,
Vivi sonhando em meu deslumbramento!
Dentro do meu ideal supus que, isento
De toda a dor, de toda a mágoa obscura,
Alcançasse o castelo da Ventura
Na glorificação do Pensamento.
Mas, ai de mim! Meu barco pequenino
Perdeu-se em meio à torva tempestade
Sem divisar a luz de qualquer porto;
E as minhas esperanças de menino
E os anelos de amor e mocidade
Naufragaram no grande desconforto.
Sonho inútil
Em minha juventude estive à espera
De um malogrado sonho superior.
Esperança divina que eu quisera
Ver aureolada por um grande amor!
Mas não pude esperar quanto devera
Nos carreiros aspérrimos da dor,
Sem fé, que era aos meus olhos a quimera
Do pensamento mistificador.
Meu erro foi descrer, porque, deserto
O coração, somente acreditei
Na morte, o grande abismo, o nada incerto!…
Oh! o maior dos enganos perpetrados!
Pois no meu sonho altíssimo de rei
Achei a dor dos grandes condenados!
Hermes Fontes
|
Clementino de Alencar
[1] Esses sonetos foram publicados primeiramente em 1935 pela LAKE e são o 4º capítulo da 2ª Parte do
livro “Palavras do Infinito”