1.
Ainda sob a impressão desagradável colhida do drama de Cecília, acompanhei
Calderaro a curioso centro de estudos, onde elevados mentores ministram
conhecimentos a companheiros aplicados ao trabalho de assistência na
Crosta.
2 — Não é templo de revelações
avançadas informou o instrutor, — mas instituição de socorro eficiente
às ideias e empreendimentos dos colaboradores militantes nas oficinas
de amparo espiritual; cátedra de amizade, criada para discípulos a quem
o esforço perseverante enobrece.
3 Ante minha indagação de
aprendiz, continuou, bondoso:
— Esses amigos reúnem-se uma vez por semana, a fim de ouvirem mensageiros autorizados no tocante a questões que interessam de perto nosso ministério de auxílio aos homens. Estimo teu comparecimento hoje, porquanto o emissário da noite comentará problemas atinentes ao sexo. Uma vez que estudas, nestes dias, os enigmas da loucura, com tempo curto para a realização de experiências diretas, a palestra vem ao encontro de nossos desejos.
4 Não foi possível maior conversação
preliminar.
O Assistente observou que os trabalhos já estariam iniciados; seguimos, por isso, sem maiores delongas. Com efeito, encontramos a assembleia em plena função. Pouco mais de duas centenas de companheiros do nosso Plano ouviam, atenciosos, iluminado condutor de almas.
5 Sentamo-nos, por nossa vez,
respeitosamente à escuta.
O portador da sabedoria, cercado de viva luminosidade, prelecionava sem afetação. Palavra bem timbrada, penetrando-nos o íntimo pela inflexão da sinceridade, falava, simples:
6 — “No exame das causas da
loucura, entre individualidades, sejam encarnadas, sejam ausentes da
carne, a ignorância quanto à conduta sexual é dos fatores mais decisivos.
“A incompreensão humana dessa matéria equivale a silenciosa guerra
de extermínio e de perturbação, que ultrapassa, de muito, as devastações
da peste referidas na história da Humanidade. 7
Vocês sabem que só a epidemia de bubões, no século VI de nossa era,
chamada “peste de Justiniano”, eliminou quase cinquenta milhões de pessoas
na Europa e na Ásia… 8
Pois esse número expressivo constitui bagatela, comparado com os milhões
de almas que as angústias do sexo dilaceram todos os dias. Problema
premente este, que já ensandeceu muitos cérebros de escol, não podemos
atacá-lo a tiros de verbalismo, de fora para dentro, à moda dos médicos
superficiais, que prescrevem longos conselhos aos pacientes, tendo,
na maioria das vezes, absoluto desconhecimento da enfermidade.
9 “Agora, que nos
distanciamos das imposições mais rijas da forma, sem nos libertarmos,
contudo, dos ascendentes fundamentais de suas leis, que ainda nos subordinam
as manifestações, compreendemos que os enigmas do sexo não se reduzem
a meros fatores fisiológicos. 10
Não resultam de automatismos nos campos de estrutura celular, quais
aqueles que caracterizam os órgãos genitais masculinos e femininos,
em verdade substancialmente idênticos, diferençando-se unicamente na
expressão de sinalética. 11
A este respeito formulamos conceitos mais avançados. Se aí residem forças
procriadoras dominantes, atendendo aos estatutos da natureza terrestre,
reguladores da vida física, temos, na inquietação sexual, fenômeno peculiar
ao nosso psiquismo, em marcha para superiores zonas da evolução.
12 “Doloroso é,
porém, verificar a desarmonia em que se afundam os homens, com sombrios
reflexos nas Esferas imediatas à luta carnal. Inúmeros movimentos libertadores
estalaram através dos séculos, no anseio da vida melhor. 13
Guerras sangrentas de povo contra povo, revoluções civis espalhando
padecimentos inomináveis, têm sido alimentadas na Terra, no curso do
tempo, em nome de princípios regeneradores, segundo os quais se abrem
novas conquistas do direito no mundo; no entanto, o cativeiro da ignorância,
no campo sexual, continua escravizando milhões de criaturas.
14 “Inútil é supor
que a morte física ofereça solução pacífica aos Espíritos em extremo
desequilíbrio, que entregam o corpo aos desregramentos passionais. A
loucura, em que se debatem, não procede de simples modificações do cérebro:
dimana da desassociação dos centros perispiríticos, o que exige longos
períodos de reparação.
2.
“Indiscutivelmente, para a maioria dos encarnados, a fase juvenil das
forças fisiológicas representa delicado estádio de sensações, em virtude
das leis criadoras e conservadoras que regem a família humana; isto,
porém, é acidente e não define a realidade substancial. 2
A sede do sexo não se acha no corpo grosseiro, mas na alma, em sua sublime
organização.
3 “Na Esfera da Crosta, distinguem-se
homens e mulheres segundo sinais orgânicos, específicos. Entre nós,
prepondera ainda o jogo das recordações da existência terrena, em trânsito,
como nos achamos, para as regiões mais altas; nestas sabemos, porém,
que feminilidade e masculinidade constituem característicos das almas
acentuadamente passivas ou francamente ativas.
4 “Compreendemos, destarte,
que na variação de nossas experiências adquirimos, gradativamente, qualidades
divinas, como sejam a energia e a ternura, a fortaleza e a humildade,
o poder e a delicadeza, a inteligência e o sentimento, a iniciativa
e a intuição, a sabedoria e o amor, até lograrmos o supremo equilíbrio
em Deus.
5 “Convictos desta
realidade universal, não podemos esquecer que nenhuma exteriorização
do instinto sexual na Terra, qualquer que seja a sua forma de expressão,
será destruída, senão transmudada no estado de sublimação. 6
As manifestações dos próprios irracionais participam do mesmo impulso
ascensional. Nos povos primitivos, a eclosão sexual primava pela posse
absoluta. A personalidade integralmente ativa do homem dominava a personalidade
totalmente passiva da mulher.
7 “O trabalho paciente
dos milênios transformou, todavia, essas relações. A mulher-mãe e o
homem-pai deram acesso a novos sopros de renovação do espírito. 8
Com bases nas experiências sexuais, a tribo converteu-se na família,
a taba metamorfoseou-se no lar, a defesa armada cedeu ao direito, a
floresta selvagem transformou-se na lavoura pacífica, 9
a heterogeneidade dos impulsos nas imensas extensões de território abriu
campo à comunhão dos ideais na pátria progressista, a barbárie ergueu-se
em civilização, os processos rudes da atração transubstanciaram-se nos
anseios artísticos que dignificam o ser, o grito elevou-se ao cântico;
10 e, estimulada pela
força criadora do sexo, a coletividade humana avança, vagarosamente
embora, para o supremo alvo do divino amor. Da espontânea manifestação
brutal dos sentidos menos elevados a alma transita para gloriosa iniciação.
11 “Desejo, posse,
simpatia, carinho, devotamento, renúncia, sacrifício, constituem aspectos
dessa jornada sublimadora. Por vezes, a criatura demora-se anos, séculos,
existências diversas de uma estação a outra. 12
Raras individualidades conseguem manter-se no posto da simpatia, com
o equilíbrio indispensável. Muito poucas atravessam a província da posse
sem duelos cruéis com os monstros do egoísmo e do ciúme, aos quais se
entregam desvairadamente. 13
Reduzido número percorre os departamentos do carinho sem se algemarem,
por largo trecho, aos gnomos do exclusivismo. E, às vezes, só após milênios
de provas cruciantes e purificadoras, consegue a alma alcançar o zênite
luminoso do sacrifício para a suprema libertação, no rumo de novos ciclos
de unificação com a Divindade.
14 “O êxtase do santo foi,
um dia, mero impulso, como o diamante lapidado — gota celeste eleita
para refletir a claridade divina — viveu na aluvião, ignorado entre
seixos brutos. Claro está que, assim como se submete o diamante ao disco
do lapidário, para atingir o pedestal da beleza, assim também o instinto
sexual, para coroar-se com as glórias do êxtase, há que dobrar-se aos
imperativos da responsabilidade, às exigências da disciplina, aos ditames
da renúncia.
15 “Estas conclusões,
contudo, não nos devem induzir a programas de santificação compulsória
no mundo carnal. Nenhum homem conseguiria negar a fase da evolução em
que se encontra. Não podemos exigir que o hotentote inculto envergue
a beca de um catedrático e se ponha, de um dia para outro, a ensinar
o Direito Romano. Irrisório seria, pois, reclamar do homem de evolução
mediana a conduta do santo. 16
A Natureza, representação da Inesgotável Bondade, é mãe benigna que
oferece trabalho e socorro a todos os filhos da Criação. Sua determinação
de amparar-nos é sempre tanto mais forte, quanto mais decidido é o nosso
propósito de progredir na direção do Bem Supremo.
17 “Não desejamos, portanto,
preconizar no mundo normas rigoristas de virtude artificial, nem favorecer
qualquer regime de relações inconscientes. Nossa bandeira é, sobretudo,
a do entendimento fraternal. Trabalhemos para que a luz da compreensão
se faça entre os nossos amigos encarnados, a fim de que as angústias
afetivas não arrojem tantas vítimas à voragem da morte, intoxicadas
de criminosas paixões.
3.
“Devidos à incompreensão sexual, incontáveis crimes campeiam na Terra,
determinando estranhos e perigosos processos de loucura, em toda parte.
2 “De quando em quando,
uma que outra vítima procura os hospitais de alienados, submete-se ao
tratamento médico, como o operário que traz à oficina de consertos seu
instrumento danificado; nos hospícios encontramos, porém, tão somente
aqueles que desgalgaram até ao fundo do abismo, amargurados e vencidos.
3 Milhões de irmãos
nossos se conservam semiloucos nos lares ou nas instituições; são os
companheiros incapazes do devotamento e da renúncia, a submergirem,
pouco a pouco, no caliginoso tijuco das alucinações… 4
De mente desvairada, fixa no socavão da subconsciência, perdem-se no
campo dos automatismos inferiores, obstinando-se no conservarem deprimentes
estados psíquicos. O ciúme, a insatisfação, o desentendimento, a incontinência
e a leviandade alastram terríveis fenômenos de desequilíbrio.
5 “Inquietantes quadros mentais
se pintam na Terra, compelindo-nos a estafante serviço socorrista, de
modo a limitar o círculo de infortúnio e de pavor dos que se lançam,
incautos, a temerárias aventuras do sentimento animalizado.
6 “Não solucionaremos tão
complexo problema do mundo simplesmente à força de intervenção médica,
embora seja admirável a contribuição da Ciência no terreno dos efeitos,
sem atingir, contudo, a intimidade das causas. A personalidade não é
obra da usina interna das glândulas, mas produto da química mental.
7 “A endocrinologia
poderá fazer muito com uma injeção de hormônios, à guisa de pronto-socorro
às coletividades celulares, mas não sanará lesões do pensamento. 8
A genética, mais hoje, mais amanhã, poderá interferir nas câmaras secretas
da vida humana, perturbando a harmonia dos cromossomos, no sentido de
impor o sexo ao embrião; todavia, não atingirá a zona mais alta da mente
feminina ou masculina, que manterá característicos próprios, independentemente
da forma exterior ou das convenções estatuídas. 9
A medicina inventará mil modos de auxiliar o corpo atingido em seu equilíbrio
interno; por essa tarefa edificante, ela nos merecerá sempre sincera
admiração e fervente amor; entretanto, compete a nós outros praticar
a medicina da alma, que ampare o Espírito enleado nas sombras…
10 “É mister acender, em derredor
de nossos irmãos encarnados na Terra, a luz da compaixão fraterna, traçando
caminhos definidos à responsabilidade individual. Haja mais amor ante
os vales da demência do instinto, e as derrocadas cederão lugar a experiências
santificantes.
11 “Como fazer valer
o abençoado serviço do médico à vítima da angústia sexual, se tem a
defrontá-lo, vibrante, a hostilidade da família? Como salvar doentes
da alma, numa instituição de benemerência, se o organismo social esmaga
os enfermos com todo o peso de sua opinião e de sua autoridade? Naturalmente,
constituiria pieguice rogar à sociologia a transformação imediata de
seus códigos, ou impor à sociedade humana certas normas de tolerância,
incompatíveis com as suas necessidades de defesa. Mas podemos manter
louvável serviço de compreensão mais ampla, melhorar as disposições
dos nossos amigos encarnados na Crosta do Mundo e despertá-los lentamente
para a solução que nos interessa a todos.
12 “O amor espiritualizado,
filho da renúncia cristã, é a chave capaz de abrir as portas do abismo
para onde rolaram e rolam milhares de criaturas, todos os dias.
13 “Distribuamos a bênção do
entendimento entre os homens; estendamos mão forte a todos os Espíritos
que se encontram prisioneiros do distúrbio das sensações, fazendo-lhes
sentir que as oficinas do trabalho renovador permanecem abertas a todos
os filhos de Deus, aperfeiçoando-lhes os sentimentos, sublimando-lhes
os impulsos, dilatando-lhes a capacidade espiritual.
14 “Lembremos aos
corações desalentados que tal é o sexo em face do amor, quais são os
olhos para a visão, e o cérebro para o pensamento: não mais do que aparelhamento
de exteriorização. 15
Erro lamentável é supor que só a perfeita normalidade sexual, consoante
as respeitáveis convenções humanas, possa servir de templo às manifestações
afetivas. O campo do amor é infinito em sua essência e manifestação.
16 Insta fugir às
aberrações e aos excessos; contudo, é imperioso reconhecer que todos
os seres nasceram no Universo para amar e serem amados. 17
Por vezes, vigoram para muitos deles, temporariamente, os imperativos
da prova benéfica, os deveres do estatuto expiatório, as exigências
do serviço especializado, em que estudantes, devedores e missionários
se obrigam a longas fases de fome e sede do coração. Isso, porém, não
representa obstáculo ao amor. 18
Jesus não partilhou o matrimônio normal na Terra, e, no entanto, a família
de seu coração cresce com os dias; suas forças não geraram formas passageiras
nos Círculos carnais, e, contudo, suas energias fecundantes renovaram
a civilização, transformando-lhe o curso, prosseguindo, até hoje, no
aprimoramento do mundo. 19
Simbologia sublime transparece da conduta do Mestre que, desse modo,
se inclinou para os vencidos da convenção humana, solitários e humilhados,
fazendo-lhes ver que é possível cooperar na extensão do Infinito Bem,
amando e abnegando-se, com exclusão do egoísmo e do propósito inferior
de serem amados, segundo os caprichos próprios.
20 “A construção
da felicidade real não depende do instinto satisfeito. A permuta de
células sexuais entre os seres encarnados, garantindo a continuidade
das formas físicas em processo evolucionário, é apenas um aspecto das
multiformes permutas de amor. 21
Importa reconhecer que o intercâmbio de forças simpáticas, de fluidos
combinados, de vibrações sintonizadas entre almas que se amam, paira
acima de qualquer exteriorização tangível de afeto, sustentando obras
imperecíveis de vida e de luz, nas ilimitadas Esferas do Universo.
22 “Desenvolvamos,
pois, carinhosa assistência aos que desesperam no mundo, sentindo-se
na transitória condição de deserdados. Ensinemo-los a libertar a mente
das malhas do instinto, abrindo-lhes caminho aos ideais do amor santificante,
recordando-lhes que fixar o pensamento no sexo torturado, com desprezo
dos demais departamentos da realização espiritual, através do cosmo
orgânico, é estacionar, inutilmente, no trilho evolutivo; é entregar-se,
inerme, à influência de perigosos monstros da imaginação, quais o despeito
e a inveja, o desespero e a amargura, que abrem ruinosas chagas na alma
e que cominam ao exclusivismo, pena que pode avultar até à loucura e
à inconsciência. 23
Convidemo-los a rasgar horizontes mais longes no coração. O amor encontrará
sempre mundos novos. E para que tais descobertas se coroem de luz divina,
bastará à criatura o abandono da ociosidade, que por si mesma combaterá
a nefanda ignorância. Dentro de cada um de nós esplende, sem desmaio,
a claridade libertadora, no pensamento de renovação para o bem comum
que devemos cultivar e intensificar em cada dia da vida.
24 “O cativeiro
nos tormentos do sexo não é problema que possa ser solucionado por literatos
ou médicos a agir no campo exterior: é questão da alma, que demanda
processo individual de cura, e sobre esta só o Espírito resolverá no
tribunal da própria consciência. 25
É inegável que todo auxílio externo é valioso e respeitável, mas cumpre-nos
reconhecer que os escravos das perturbações do campo sensorial só por
si mesmos serão liberados, isto é, pela dilatação do entendimento, pela
compreensão dos sofrimentos alheios e das dificuldades próprias, pela
aplicação, enfim, do “amai-vos uns aos outros”, ( † )
assim na doutrinação, como no imo da alma, com as melhores energias
do cérebro e com os melhores sentimentos do coração.”
4.
Notei que a preleção terminara em meio ao respeito geral.
2 A palavra do mensageiro
fascinara-me. Aquelas noções de sexologia eram novas para mim. Não eram
repetições de compêndios descritivos, não eram fruto de frias observações
de cientistas e escritores, preocupados em armar ao efeito com palavras
balofas. Nasciam do verbo inflamado de amor fraternal de um orientador
dedicado às necessidades de seus irmãos ainda frágeis e menos felizes.
3 Fizera-se, em torno, certa
movimentação. Compreendi que os presentes poderiam formular perguntas
relativas ao tema da noite, e, com efeito, fizeram-se várias indagações,
com respostas preciosas, por elucidativas e edificantes.
O inquérito educativo continuava proveitoso, quando um companheiro ventilou certa questão que me aguçou a curiosidade.
4 — Venerável instrutor,
— disse, reverente, — nos últimos tempos, na Terra, os psicologistas
encarnados, em número considerável, esposaram os princípios freudianos
como bases de investigação dos distúrbios da alma. Para o grande médico
austríaco, quase todas as perturbações psíquicas se radicam no sexo
desviado. Alguns discípulos dele, porém, modificaram-lhe algo as teorias.
5 Corrigindo a tese
das alucinações eróticas que a psicanálise aplicou largamente às próprias
crianças, no estudo dos sonhos e das emoções, pensadores eminentes opuseram
a afirmativa de que todo homem e toda mulher são portadores do desejo
inato de se darem importância, o qual os compele a manter impulsos primitivistas
de dominação; outros expoentes da cultura intelectual asseveram, a seu
turno, que o ser humano é repositório de todas as experiências da raça,
trazendo consigo vasto arsenal de tendências para determinadas linhas
do pensamento.
6 O consulente fez uma pausa,
ante o silêncio geral que reinava em derredor de sua valiosa indagação,
e prosseguiu:
— Sabemos hoje, distanciados do corpo denso de carne, que a vida do Espírito é desconcertante em surpresas para a ciência terrestre; entretanto, já que nos consagramos à tarefa de auxiliar os companheiros torturados da Crosta Planetária, não poderíamos receber elucidações adequadas a respeito, com o fim de passá-las adiante?
7 O sábio instrutor não se
fez rogado e esclareceu:
— Já sei o que deseja. Refere-se você aos movimentos da psicologia
analítica, chefiados por Freud e por duas correntes distintas de seus
colaboradores. O notável cientista centralizou o ensino no impulso sexual,
conferindo-lhe caráter absoluto, enquanto as duas correntes de psicologistas,
inicialmente filiadas a ele, se diferenciaram na interpretação. 8
A primeira estuda o anseio congênito da criatura, no que se refere ao
relevo pessoal, enquanto a segunda proclama que, além da satisfação
do sexo e da importância individualista, existe o impulso da vida superior
que tortura o homem terrestre mais aparentemente feliz. 9
Para o círculo de estudiosos essencialmente freudianos, todos os problemas
psíquicos da personalidade se resumem à angústia sexual; para grande
parte de seus colaboradores, as causas se estendem à aquisição de poder
e à ideia de superioridade. Diremos, por nossa vez, que as três escolas
se identificam, portadoras todas elas de certa dose de razão, faltando-lhes,
todavia, o conhecimento básico do reencarnacionismo. 10
Representam belas e preciosas casas dos princípios científicos, sem,
contudo, o telhado da lógica. Não podemos afirmar que tudo, nos Círculos
carnais, constitua sexo, desejo de importância e aspiração superior;
no entanto, chegados à compreensão de agora, podemos assegurar que tudo,
na vida, é impulso criador. 11
Todos os seres que conhecemos, do verme ao anjo, são herdeiros da Divindade
que nos confere a existência, e todos somos depositários de faculdades
criadoras. 12 O vegetal,
instigado pelo heliotropismo, surge na paisagem, distribuindo a vida
e renovando-a. O pirilampo cintila na sombra, buscando perpetuar-se.
O batráquio sente vibrações de amor e de paternidade nos recessos do
charco. Aves minúsculas viajam longas distâncias, colhendo material
para tecer um ninho. A fera olvida a índole selvagínea, ao lamber, com
ternura, um filho recém-nato. 13
E mais da metade dos milhões de Espíritos encarnados na Crosta da Terra,
de mente fixa na região dos movimentos instintivos, concentram suas
faculdades no sexo, do qual se derivam naturalmente os mais vastos e
frequentes distúrbios nervosos; constituem eles compactas legiões, nas
adjacências da paisagem primitiva da evolução planetária, irmãos nossos
na infância do conhecimento, que ainda não sabem criar sensações e vida
senão mobilizando os recursos da força sexual. 14
Grande parte de criaturas, contudo, havendo conquistado a razão, acima
do instinto, permanecem nos desatinos da prepotência, seduzidas pelo
capricho autoritário, famintas de evidência e realce, ainda que atidas
a trabalho proveitoso e a paixões nobres, muitas vezes… 15
Pequeno grupo de homens e de mulheres, por fim, após atingir o equilíbrio
sexual na zona instintiva do ser e depois de obter os títulos que lhes
confere seu trabalho e com os quais dominam na vida, regendo as energias
próprias, em pleno regime de responsabilidade individual, passam a fixar-se
na região sublime, na superconsciência, não mais encontrando a alegria
integral no contentamento do corpo físico ou na evidência pessoal; procuram
alcançar os Círculos mais altos da vida, absorvidos em idealismo superior;
sentem-se no limiar de Esferas divinas, já desde a estrada nevoenta
da carne, à maneira do viajor que, após vencer caminhos ásperos na treva
noturna, estaca, desajustado, entre as derradeiras sombras da noite
e as promessas indefiníveis da aurora… 16
Para esses, o sexo, a importância individual e as vantagens do imediatismo
terrestre são sagrados pelas oportunidades que oferecem aos propósitos
de bem fazer; entretanto, no santuário de suas almas resplandece nova
luz… A razão particularista converteu-se em entendimento universal.
Cresceram-lhes os sentimentos sublimados na direção do campo superior.
Pressentem a Divindade e anseiam pela identificação com ela. São os
homens e as mulheres que, havendo realizado os mais altos padrões humanos,
se candidatam à angelitude…
17 “De um modo ou
de outro, porém, tudo isto são sempre as faculdades criadoras, herdadas
de Deus, em jogo permanente nos quadros da vida. Todo ser é impulsionado
a criar na organização, conservação e extensão do Universo!…”
18 O Instrutor estampou significativa
expressão fisionômica, imprimiu longa pausa à preleção em curso e, em
seguida, acrescentou, bem humorado:
— “Muita vez, as criaturas instituem o mal, desviam a corrente natural
das circunstâncias benéficas, envenenam as oportunidades, estacionando
longuíssimo tempo em tarefas reparadoras ou expiatórias; entretanto,
ainda aí é forçoso observar a manifestação incessante do poder criador
que nos é próprio, mesmo naqueles que se transviam… 19
Em verdade, caem nos despenhadeiros do crime, lançam-se aos vales da
sombra, mas, organizando e reorganizando as próprias ações, adquirem
o patrimônio bendito da experiência; e, com a experiência, alcançam
a luz, a paz, a sabedoria e o amor com que se aproximam de Deus. 20
Concluímos, deste modo, que, se a psicologia analítica de Freud e de
seus colaboradores avançou muito no campo da investigação e do conhecimento,
resolvendo, em parte, certos enigmas do psiquismo humano, lhe falta,
no entanto, a chave da reencarnação, para solucionar integralmente as
questões da alma. 21
Impossível é resolver o assunto em caráter definitivo, sem as noções
de evolução, aperfeiçoamento, responsabilidade, reparação e eternidade.
Não vale descobrir complexos e frustrações, identificar lesões psíquicas
e deficiências mentais, sem as remediar… 22
Em suma, não satisfaz o simples exame da casca: é essencial atingir
o cerne e determinar modificações nas causas. Para isto, é imprescindível
confessar a realidade do reencarnacionismo e da imortalidade. Até lá,
portanto, auxiliemos nossos amigos do mundo na conquista da confiança
em si mesmos, na penetração da esperança divina e no contínuo autoaprimoramento
pelo trabalho redentor.”
23 Calou-se o emissário, sorridente.
Outras perguntas surgiram, interessantes e oportunas, obtendo respostas claras e edificantes, com real proveito para todos os ouvintes.
24 Encerrada a reunião, retirei-me
em silêncio, ao lado de Calderaro, que também se recolhia, como a reter
a luz reveladora dos conceitos ouvidos. Não sei o que pensaria o prestimoso
Assistente, submerso em funda meditação. Reconhecia tão só que, por
minha vez, descobrira novo campo de conhecimento na província da sexologia.
Daquele momento em diante, outras noções de amor desabrochavam-me na
consciência, iluminando-me o ser.
André Luiz