1.
Sobremodo interessado no expressivo caso de Marcelo, apresentei a Calderaro,
no dia seguinte, certas questões que fortemente me preocupavam.
2 Os reflexos condicionados
não se aplicariam, igualmente, a diversos fenômenos medianímicos? Não
elucidavam as mistificações inconscientes que, muita vez, perturbam
os círculos dos experimentadores encarnados?
3 Alguns estudiosos
do Espiritismo, devotados e honestos, reconhecendo os escolhos do campo
do mediunismo, criaram a hipótese do fantasma anímico do próprio medianeiro,
o qual agiria em lugar das entidades desencarnadas. Seria essa teoria
adequada ao caso vertente? 4
Sob a evocação de certas imagens, o pensamento do médium não se tornaria
sujeito a determinadas associações, interferindo automaticamente no
intercâmbio entre os homens da Terra e os habitantes do Além? 5
Tais intervenções, em muitos casos, poderiam provocar desequilíbrios
intensos. Ponderando observações ouvidas nos últimos tempos, em vários
centros de cultura espiritualista, com referência ao assunto, inquiria
de mim mesmo se o problema oferecia relações com os mesmos princípios
de Pavlov.
6 O instrutor ouviu-me, paciente,
até ao fim de minhas considerações, e respondeu, benévolo:
— A consulta exige meditação mais acurada. A tese animista é respeitável.
Partiu de investigadores conscienciosos e sinceros, e nasceu para coibir
os prováveis abusos da imaginação; entretanto, vem sendo usada cruelmente
pela maioria dos nossos colaboradores encarnados, que fazem dela um
órgão inquisitorial, quando deveriam aproveitá-la como elemento educativo,
na ação fraterna. 7
Milhares de companheiros fogem ao trabalho, amedrontados, recuam ante
os percalços da iniciação mediúnica, porque o animismo se converteu
em Cérbero. ( † )
Afirmações sérias e edificantes, tornadas em opressivo sistema, impedem
a passagem dos candidatos ao serviço pela gradação natural do aprendizado
e da aplicação. Reclama-se deles precisão absoluta, olvidando-se lições
elementares da natureza. 8
Recolhidos ao castelo teórico, inúmeros amigos nossos, em se reunindo
para o elevado serviço de intercâmbio com a nossa Esfera, não aceitam
comumente os servidores, que hão-de crescer e de aperfeiçoar-se com
o tempo e com o esforço. Exigem meros aparelhos de comunicação, como
se a luz espiritual se transmitisse da mesma sorte que a luz elétrica
por uma lâmpada vulgar. 9
Nenhuma árvore nasce produzindo, e qualquer faculdade nobre requer burilamento.
A mediunidade tem, pois sua evolução, seu campo, sua rota. Não é possível
laurear o estudante no curso superior, sem que ele tenha tido suficiente
aplicação nos cursos preparatórios, através de alguns anos de luta,
de esforço, de disciplina. 10
Daí, André, nossa legítima preocupação em face da tese animista, que
pretende enfeixar toda a responsabilidade do trabalho espiritual numa
cabeça única, isto é, a do instrumento mediúnico. 11
Precisamos de apelos mais altos, que animem os cooperadores incipientes,
proporcionando-lhes mais vastos recursos de conhecimento na estrada
por eles mesmos perlustrada, a fim de que a espiritualidade santificante
penetre os fenômenos e estudos atinentes ao espírito.
12 Fez pequeno intervalo que
não ousei interromper, fascinado pela elevação dos conceitos ouvidos,
e continuou:
— Vamos à tua sugestão. Os reflexos condicionados enquadram-se, efetivamente,
no assunto; no entanto, cumpre-nos investigar domínio de mais graves
apreciações. 13 Os
animais de Pavlov demonstravam capacidade mnemônica; memorizavam fatos
por associações mentais espontâneas. Isto quer dizer que mobilizavam
matéria sutil, independente do corpo denso; que jogavam com forças mentais
em seu aparelhamento de impulsos primitivos. 14
Se as “consciências fragmentárias” do experimento eram capazes de usar
essa energia, provocando a repetição de determinados fenômenos no cosmo
celular, que prodígios não realizará a mente de um homem, cedendo, não
a meros reflexos condicionados, mas a emissões de outra mente em sintonia
com a dele? Dentro de tais princípios, é imperioso que o intermediário
cresça em valor próprio. 15
Ocorrências extraordinárias e desconhecidas ocupam a vida em todos os
recantos, mas a elevação condiciona fervorosa procura. Ninguém receberá
as bênçãos da colheita, sem o suor da sementeira. Lamentavelmente, porém,
a maior parte de nossos amigos parece desconhecerem tais imposições
de trabalho e de cooperação: exigem faculdades completas. 16
O instrumento mediúnico é automaticamente desclassificado se não tem
a felicidade de exibir absoluta harmonia com os desencarnados, no campo
tríplice das forças mentais, perispirituais e fisiológicas. Compreendes
a dificuldade?
17 Sim, começava a entender.
As elucidações, todavia, eram demasiado fascinantes para que me abalançasse
a qualquer apontamento; guardei, por isto, a continuação das definições,
na postura de humilde aprendiz.
2.
O Assistente percebeu minha íntima atitude e continuou:
— Buscando símbolo mais singelo, figuremos o médium como sendo uma
ponte a ligar duas Esferas, entre as quais se estabeleceu aparente solução
de continuidade, em virtude da diferenciação da matéria no campo vibratório.
2 Para ser instrumento
relativamente exato, é-lhe imprescindível haver aprendido a ceder, e
nem todos os artífices da oficina mediúnica realizam, a breve trecho,
tal aquisição, que reclama devoção à felicidade do próximo, elevada
compreensão do bem coletivo, avançado espírito de concurso fraterno
e de serena superioridade nos atritos com a opinião alheia. 3
Para conseguir edificação dessa natureza, faz-se mister o refúgio frequente
à “moradia dos princípios superiores”. A mente do servidor há-de fixar-se
nas zonas mais altas do ser, onde aprenderá o valor das concepções sublimes,
renovando-se e quintessenciando-se para constituir elemento padrão dos
que lhe seguem a trajetória. 4
O homem, para auxiliar o presente, é obrigado a viver no futuro da raça.
A vanguarda impõe-lhe a soledade e a incompreensão, por vezes dolorosas;
todavia, essa condição representa artigo da Lei que nos estatui adquirir
para podermos dar. Ninguém pode ensinar caminhos que não haja percorrido.
5 Nasce daí, em se
tratando da mediunidade edificante, a necessidade de fixação das energias
instrumentais no santuário mais alto da personalidade. 6
Fenômenos — não lhes importa a natureza — é forçoso reconhecer que assediam
a criatura em toda parte. A Ciência legítima é a conquista gradual das
forças e operações da Natureza, que se mantinham ocultas à nossa acanhada
apreensão. 7 E como
somos filhos do Deus Revelador, infinito em grandeza, é de esperar tenhamos
sempre à frente ilimitados campos de observação, cujas portas se abrirão
ao nosso desejo de conhecimento, à maneira que gradeçam nossos títulos
meritórios. 8 Por isto,
André, consideramos que a mediunidade mais estável e mais bela começa,
entre os homens, no império da intuição pura. 9
Moisés desempenhou sua tarefa, compelido pelas expressões fenomênicas
que o cercavam; recebe, sob incoercível comoção, os sublimes princípios
do Decálogo, sentindo defrontar-se com figuras e vozes materializadas
do Plano espiritual; entretanto, ao mesmo tempo que transmite o “não
matarás”, não parece muito inclinado ao inquebrantável respeito pela
vida alheia; sua doutrina, venerável embora, baseia-se no exclusivismo
e no temor. 10 Com
Jesus, o aspecto da mediunidade é diferente. Mantém-se o Mestre em permanente
contato com o Pai, através da própria consciência, do próprio coração;
transmite aos homens a Revelação Divina, vivendo-a em si mesmo; não
reclama justiça, nem pede compreensão imediata; ama as criaturas e serve-as,
mantendo-se unido a Deus. Em razão disto, a Boa-Nova é mensagem de confiança
e de amor universal. 11
Vemos, pois, dois tipos de medianeiros do próprio Céu, eminentemente
diversos, mostrando qual o padrão desejável. 12
No mediunismo comum, portanto, o colaborador servirá com a matéria mental
que lhe é própria, sofrendo-lhe as imprecisões naturais diante da investigação
terrestre; e, após adaptar-se aos imperativos mais nobres da renúncia
pessoal, edificará, não de improviso, mas à custa de trabalho incessante,
o templo interior de serviço, no qual reconhecerá a superioridade do
programa divino acima de seus caprichos humanos. 13
Atingida essa realização, estará preparado para sintonizar-se com o
maior número de desencarnados e encarnados, oferecendo-lhes, como a
ponte benfeitora, oportunidade de se encontrarem uns com os outros,
na posição evolutiva em que permaneçam, através de entendimentos construtivos.
14 Devo dizer-te
que não cogitamos aqui de faculdades acidentais, que aparecem e desaparecem
entre candidatos ao serviço, sem espírito de ordem e de disciplina,
verdadeiros balões de ensaio para os voos do porvir; referimo-nos à
mediunidade aceita pelo cooperador e mobilizável em qualquer situação
para o bem geral. 15
Comentando atividades e tarefas, devemos salientar os padrões que lhes
digam respeito, e este é o característico da instrumentalidade espiritual
nas Esferas superiores. Logicamente, é impossível alcançá-lo de vez;
toda obra impõe começo.
16 Como revelasse nos olhos
a indomável comoção que se apossara de mim ante os conceitos ouvidos,
o Assistente modificou a inflexão da voz e tranquilizou-me:
— Reportando-nos ainda ao Cristo, importa-nos reconhecer que o Mestre
viveu insulado no “monte divino da consciência”, abrindo caminho aos
vales humanos. 17
Claro está que nenhum de nós abriga a pretensão de copiar Jesus; contudo,
precisamos inspirar-nos em suas lições. 18
Há milhões de seres humanos, encarnados e desencarnados, de mente fixa
na região menos elevada dos impulsos inferiores, absorvidos pelas paixões
instintivas, pelos remanescentes do pretérito envilecido, presos aos
reflexos condicionados das comoções perturbadoras a que, inermes, se
entregaram; 19 outros
tantos mantêm-se, jungidos à carne e fora dela, na atividade desordenada,
em manifestações afetivas sem rumo no apego desvairado à forma que passou
ou à situação que não mais se justifica; 20
outros, ainda, param na posição beata do misticismo religioso exclusivo,
sem realizações pessoais no setor da experiência e do mérito, que os
integre no quadro da lídima elevação. 21
Subtraído o corpo físico, a situação prossegue quase sempre inalterada,
para o organismo perispirítico, fruto do trabalho paciente e da longa
evolução. Esse organismo, constituído, embora, de elementos mais plásticos
e sutis, ainda é edifício material de retenção da consciência. 22
Muita gente, no Plano da Crosta Planetária, conjetura que o Céu nos
revista de túnica angelical, logo que baixado o corpo ao sepulcro. Isto,
porém, é grave erro no terreno da expectativa. 23
Naturalmente, não nos referimos, nestas considerações, a Espíritos da
estofa de um Francisco de Assis, nem a criaturas extremamente perversas,
uns e outros não cabíveis em nosso quadro: o zênite e o nadir da evolução
terrestre não entram em nossas cogitações; falamos de pessoas vulgares,
quais nós mesmos, que nos vamos em jornada progressiva, mais ou menos
normal, para concluir que: tal o estado mental que alimentamos, tais
as inteligências, desencarnadas ou encarnadas, que atraímos, e das quais
nos fazemos instrumentos naturais, embora de modo indireto. 24
E a realidade, meu amigo, é que todos nós, que nos contamos por centenas
de milhões, não prescindimos de medianeiros iluminados, aptos a colocar-nos
em comunicação com as fontes do Suprimento Superior. 25
Necessitamos do auxílio de Mais Alto, requeremos o concurso dos benfeitores
que demoram acima de nossas paragens. Para isto, há que organizar recursos
de receptividade. 26
Nossa mente sofre sede de luz, como o organismo terreno tem fome de
pão. Amor e sabedoria são substâncias divinas que nos mantêm a vitalidade.
27 O instrutor fez breve interrupção
e acrescentou:
— Compreendes agora a importância da mediunidade, isto é, da elevação de nossas qualidades receptivas para alcançarem a necessária sintonia com os mananciais da vida superior?
Sim, respondi, entendera-lhe as observações, ponderando-lhes a magnitude.
28 — Não é serviço
que possamos organizar da periferia para o centro, — prosseguiu Calderaro,
— e sim do interior para o exterior. O homem encarnado, quase sempre
empolgado pelo sono da ilusão, poderá começar pelo fenômeno; à maneira,
porém, que desperte as energias mais profundas da consciência, sentirá
a necessidade do reajustamento e regressará à causa de modo a aperfeiçoar
os efeitos. Obra de construção, de tempo, de paciência…
3.
Chegados a essa altura da conversação, o orientador convidou-me ao serviço
de assistência a dedicada senhora, médium em processo de formação, que
lhe vinha recebendo socorro para prosseguir na tarefa, com a fortaleza
e serenidade indispensáveis.
2 Propiciando-me o feliz ensejo,
meu gentil interlocutor concluiu:
— O caso é oportuno. Observarás comigo os obstáculos criados pela tese animista.
3 Marcava o relógio precisamente
vinte horas, quando penetramos confortável recinto. Várias entidades
de nosso Plano ali se moviam, ao lado de onze companheiros reunidos
em sessão íntima, consagrada ao serviço da oração e do desenvolvimento
psíquico. Logo à entrada, recebeu-nos atencioso colega, a quem fui apresentado
com sincera satisfação.
4 Recebi dele, de
início, informações condensadas que anotei, contente. Fora igualmente
médico. Deixara a experiência física antes de concretizar velhos planos
de assistência fraternal aos seus inumeráveis doentes pobres. Guardava
o júbilo de uma consciência tranquila, zelara o bem geral quanto lhe
fora possível; contudo, entrevendo a probabilidade de algo fazer além-túmulo,
recebera permissão para cooperar naquele reduzido grupo de amigos, com
o objetivo de efetuar certo plano de socorro aos enfermos desamparados.
5 O intercâmbio com
os desencarnados não poderia transformar os homens em anjos de um dia
para outro, mas poderia ajudá-los a ser criaturas melhores. Impossível
seria instalar o paraíso na Crosta do mundo em algumas semanas; entretanto,
era lícito cooperar no aprimoramento da sociedade terrestre, incentivando-se
a prática do bem e a devoção à fraternidade. Para esse fim, ali permanecia,
interessado em contribuir na proteção aos doentes menos aquinhoados.
6 Acompanhando-lhe os argumentos
com admiração, mantive-me silencioso, mas Calderaro indagou, cortês,
após inteirar-se das ocorrências:
— E como vai no desenvolvimento de seus elevados propósitos?
7 — Dificilmente, — informou
o interpelado; — os recursos de comunicação ao meu alcance ainda não
são de molde a inspirar confiança à maioria dos companheiros encarnados.
A bem dizer, não me interessa comparecer aqui, de nome aureolado por
terminologia clássica, e nem me abalançaria a oferecer teses novas,
concorrendo com o mundo médico. Guia-me, agora, tão somente o sadio
desejo de praticar o bem. Entretanto…
8 — Ainda não lhe ouviram
os apelos, por intermédio de Eulália? — Perguntou o meu instrutor.
— Não; por enquanto, não. Sempre a mesma suspeita de animismo, de mistificação inconsciente…
Ia a palestra a meio, quando o diretor espiritual da casa convidou o colega a experimentar. Chegara o minuto aprazado. Poderia acercar-se da médium.
9 Aproximamo-nos do grupo
de amigos, imersos em profunda concentração.
Enquanto o novo conhecido se abeirava de uma senhora de porte distinto, certamente ensaiando a transmissão da mensagem que desejava passar à Esfera carnal, Calderaro observou-me:
10 — Repara o conjunto.
Já fiz meus apontamentos. Com exceção de três pessoas, os demais, em
número de oito, guardam atitude favorável. Todos esses se encontram
na posição de médiuns, pela passividade que demonstram. 11
Analisa a irmã Eulália e reconhecerás que o estado receptivo mais adiantado
lhe pertence; dos oito cooperadores prováveis, é a que mais se aproxima
do tipo necessário. 12
No entanto, o nosso amigo médico não encontra em sua organização psicofísica
elementos afins perfeitos: nossa colaboradora não se liga a ele através
de todos os seus centros perispirituais; 13
não é capaz de elevar-se à mesma frequência de vibração em que se acha
o comunicante; 14
não possui suficiente “espaço interior” para comungar-lhe as ideias
e conhecimentos; 15
não lhe absorve o entusiasmo total pela Ciência, por ainda não trazer
de outras existências, nem haver construído, na experiência atual, as
necessárias teclas evolucionárias, que só o trabalho sentido e vivido
lhe pode conferir. 16
Eulália manifesta, contudo, um grande poder — o da boa vontade criadora,
sem o qual é impossível o início da ascensão às zonas mais altas da
vida. É a porta mais importante, pela qual se entenderá com o médico
desencarnado. 17
Este, a seu turno, para realizar o nobre desejo que o anima, vê-se compelido,
em face das circunstâncias, a pôr de lado a nomenclatura oficial, a
técnica científica, o patrimônio de palavras que lhe é peculiar, as
definições novas, a ficha de renome, que lhe coroa a memória nos círculos
dos conhecidos e dos clientes. 18
Poderá identificar-se com Eulália para a mensagem precisa, usando também,
a seu turno, a boa vontade; e, adotando esta forma de comunicação, valer-se-á,
acima de tudo, da comunhão mental, reduzindo ao mínimo a influência
sobre os centros neuropsíquicos; 19
é que, em matéria de mediunismo, há tipos idênticos de faculdades, mas
enormes desigualdade nos graus de capacidade receptiva, os quais variam
infinitamente, como as pessoas.
20 O instrutor silenciou por
momentos e prosseguiu:
— Não nos esqueça que formamos agora uma equipe de trabalhadores em
ação experimental. Nem o provável comunicante chegou a concretizar as
bases de seu projeto, nem a médium conseguiu ainda suficiente clareza
e permeabilidade para cooperar com ele. 21
Num terreno de atividades definidas, neste particular, poderíamos agir
à vontade; aqui, não: nosso procedimento deve ser de neutralidade mental,
não de interferência. 22
Compreendendo, pois, que todos os recursos cumpre serem aproveitados
no êxito da louvável edificação, nenhum de nós intervirá, perturbando
ou consumindo tempo. 23
É-nos facultado permutar ideias, analisar a ocorrência, mas com absoluta
isenção de ânimo. O momento pertence ao comunicante, que não dispõe
de aparelhamento mais perfeito para a transmissão.
24 Nesse instante,
indicou-me o colega que, de pé, junto de Eulália, mantinha a mente iluminada
e vibrante num admirável esforço por derruir a natural muralha, entre
a nossa Esfera e o campo de matéria densa.
25 — Anota as particularidades
do serviço, — disse-me Calderaro, com significativa inflexão de voz;
— todos os companheiros em posição receptiva estão absorvendo a emissão
mental do comunicante, cada qual a seu modo. Repara calmamente.
26 Circulei a mesa e vi que
os raios de força positiva do mensageiro efetivamente incidiam em oito
pessoas. Reconheci que o tema central do desejo formulado por nosso
amigo, no tocante ao projeto de assistência aos enfermos, alcançava
o cérebro dos que se conservavam em atitude passiva; na tela animada
de concentração de energias mentais, cada irmão recebia o influxo sugestivo,
que de logo lhes provocava a livre associação dos psicanalistas.
27 Fixei as particularidades
com atenção.
Ao receberem a emissão de forças do trabalhador do bem, um cavalheiro recordou comovente paisagem de hospital; outro rememorou o exemplo de uma enfermeira bondosa que com ele travara relações; outro abrigou pensamentos de simpatia para com os doentes desamparados; duas senhoras se lembraram da caridosa missão de Vicente de Paulo; a uma velhinha acudiu a ideia de visitar algumas pessoas acamadas que lhe eram queridas; um jovem reportou-se, em silêncio, a notáveis páginas que lera sobre piedade fraternal para com todos os semelhantes afastados do equilíbrio físico.
28 Examinei também as três
pessoas que se mantinham impermeáveis ao serviço benemérito daquela
hora. Duas delas contristavam-se por haver perdido uma sessão cinematográfica,
e a outra, uma senhora na idade provecta, retinha a mente na lembrança
das ocupações domésticas, que supunha imperiosas e inadiáveis, mesmo
ali, num círculo de oração, onde devera beneficiar-se com a paz.
29 Somente Eulália recebia
o apelo do comunicante com mais nitidez. Sentia-o ao seu lado: envolvia-se
em seus pensamentos; possuía-se, não só de receptividade, mas também
de boa disposição para servi-lo.
30 Decorridos alguns minutos
de expectativa e de preparo silencioso, a mão da médium, orientada pelo
médico e movida em cooperação com os estímulos psicofísicos da intermediária,
começou a escrever, em caracteres irregulares, denunciando o natural
conflito de “dois cosmos psíquicos” diferentes, mas empenhados num só
objetivo — a produção de uma obra elevada.
Acompanhei a cena com interesse.
4.
Mais alguns momentos, e fazia-se a leitura do pequeno texto obtido.
O comunicado era vazado em forma singela, como um apelo fraternal.
2 “Meus irmãos, —
escrevera o emissário, — que Deus nos abençoe.
“Identificados na construção do bem, trabalhemos na assistência aos enfermos, necessitados de nosso concurso entre os longos sofrimentos da provação terrestre. O serviço pertence à boa vontade unida à fé viva. E a sementeira reclama trabalhadores abnegados, que ignorem cansaço, tristeza e desânimo.
3 “Sigamos para a frente.
“Cada pequenina demonstração de esforço próprio, nas realizações da caridade, receberá do Senhor a Divina Bênção.
“Aprendamos, pois, a socorrer nossos amigos doentes. Através de espessa noite de dor, sofrem e choram, muita vez em pleno abandono.
4 “Não vos magoará a contemplação
de tal quadro? Lembremo-nos d’Aquele Divino Médico que passou, no mundo,
fazendo o bem. D’Ele receberemos a força necessária para progredir.
Estará conosco na grande jornada de comiseração pelos que padecem.
5 “Fiamos em vós, em vossa
dedicação à causa da bondade evangélica..
“A estrada será talvez difícil e fragosa; entretanto, o Senhor permanecerá conosco.
“Prossigamos, intimoratos, e que Ele nos abençoe agora e sempre.”
5.
O comunicante assinou o nome, e, daí a alguns minutos, encerravam-se
os serviços espirituais da noite.
2 O presidente da sessão,
seguido pelos demais companheiros, iniciou o estudo e debate da mensagem.
Concordou-se em que era edificante na essência, mas não apresentava
índices concludentes da identificação individual; não procedia, possivelmente,
do conhecido profissional que a subscrevera; faltavam-lhe os característicos
especiais, pois um médico usaria nomenclatura adequada, e se afastaria
da craveira comum.
3 E a tese animista apareceu
como tábua de salvação para todos. Transferiu-se a conversação para
complicadas referências ao mundo europeu; falou-se extensamente de Richet
e do metapsiquismo internacional; Pierre Janet, Charcot, De Rochas e
Aksakof eram a cada passo trazidos à balha.
4 O comunicante, em nosso
Plano de ação, dirigiu-se, desapontado, ao meu orientador e comentou:
— Ora essa! Jamais desejei despertar semelhante polêmica doméstica. Pretendemos algo diferente. Bastar-nos-ia um pouco de amor pelos enfermos, nada mais.
6.
Calderaro sorriu, sem dizer palavra, e evidenciando preocupação em objetivo
mais importante, acercou-se de Eulália, entristecida.
2 A médium ouvia as definições
preciosas com irrefreável amargura.
Turvara-se-lhe a mente, agora, empanada por densos véus de dúvida. A argumentação em curso nublava-lhe o entendimento. Marejavam-se-lhe os olhos de lágrimas, que não chegavam a cair.
3 Abeirando-se dela, o instrutor
falou-me, bondoso:
— Nossos amigos encarnados nem sempre examinam as situações pelo prisma da justiça real. Eulália é colaboradora preciosa e sincera. Se ainda não completou as aquisições culturais no campo científico, é suficientemente rica de amor para contribuir à sementeira de luz. Encontra-se, porém, desabrigada, entre os companheiros invigilantes. Permanece sozinha e, assediada como está, é suscetível de abater-se. Auxiliemo-la sem detença.
4 A destra do Assistente espalmada
sobre a cabeça de nossa respeitável irmã expedia brilhantes raios,
que lhe desciam do encéfalo ao tórax, qual fluxo renovador.
5 A médium, que antes parecia
torturada, sopitando a custo a natural reação às opiniões que ouvia,
voltou à serenidade. Caiu-lhe a máscara de descontentamento, dissipou-se-lhe
a tristeza destrutiva; os centros perispiríticos tornaram à normalidade;
a epífise irradiou branda luz. As nuvens de mágoa, que se lhe esboçavam
na mente, esfumaram-se como por encanto. Em suma, amparada pela atuação
direta do meu orientador, Eulália sabia dos percalços do trabalho e
mergulhava-se gradativamente no ameno clima da compreensão.
6 Restabelecendo-lhe a tranquilidade,
o instrutor, em seguida, conservou as mãos apoiadas aos lobos frontais,
agindo-lhe sobre as fibras inibidoras. Observei, então, nova mudança.
A mente da médium, como que se introvertia, desinteressando-se da conversação
em torno e ficando mais atenta ao nosso campo de ação. O contato benéfico
do Assistente cortava-lhe, de modo imperceptível para ela, o interesse
pelas referências sem proveito, convocando-a a mais íntimo intercâmbio
conosco.
7 Com ternura paternal, Calderaro,
conservando as mãos na mesma postura, inclinou-se-lhe aos ouvidos e
falou carinhosamente:
— “Eulália, não desanimes! A fé representa a força que sustenta o Espírito na vanguarda do combate pela vitória da luz divina e do amor universal. Nossos amigos não te acusam, nem te ferem: tão somente dormem na ilusão e sonham, apartados da verdade; exculpa-os pelas futilidades do momento. Mais tarde eles despertarão para o esforço de espalhar-se o bem… Investigam com os olhos a superfície das coisas, mas seus ouvidos ainda não escutaram o sublime apelo à redenção. Sigamos para a frente. Estaremos contigo na tarefa diária. É necessário amar e perdoar sempre, esquecendo o dia obscuro, a fim de alcançar os milênios luminosos. Não desfaleças! O Eterno Pai te abençoará.”
8 Reparei que Eulália
não registava aquelas palavras com os tímpanos de carne. Encheram-se-lhe
os lobos frontais de intensa luz. As frases comovedoras do instrutor
represaram-se-lhe no cérebro e no coração, quais pensamentos sublimes
que lhe caíam do Céu, saturados de calor reconfortante e bendito.
9 — Sim, — respondia,
do fundo dalma, a devotada colaboradora, embora os lábios se lhe cerrassem
no incompreendido silêncio, — trabalharia até ao fim, consciente de
que o serviço da verdade pertence ao Senhor, e não aos homens. 10
Olvidaria todos os golpes. Receberia as objeções dos outros, transformando-as
em auxílios. Converteria as opiniões desanimadoras em motivos de energia
nova. Dar-se-ia pressa em reconhecer os próprios defeitos, sempre que
fossem indigitados pela franqueza de alguém, rendendo graças pela oportunidade
de corrigi-los, quanto possível. 11
Caminharia para a frente. Ser-lhe-ia a mediunidade um campo de trabalho,
onde aperfeiçoaria os sentimentos que nutria, sem cogitar dos utensílios
para servi-la: que lhe importavam, com efeito, as dificuldades psicográficas,
se lhe pulsava um coração disposto a amar? 12
Sim, ouviria as sugestões do bem, antes de tudo. Seria fiel a Deus e
a si mesma. Se os companheiros humanos não a pudessem entender, não
lhe restava o conforto de ser compreendida pelos amigos da vida espiritual?
Ao termo da experiência terrestre, haveria suficiente luz para todos.
Cumpria-lhe crer, trabalhar, amar e esperar no Divino Senhor.
13 O Assistente retirou as
mãos, deixando-a livre e, reaproximando-se de mim, asseverou:
— Nossa irmã foi auxiliada e está bem; louvado seja Deus!
7.
Observando os lobos frontais da médium, tão revestidos de luminosidade,
fiz sentir a Calderaro minha admiração.
2 O instrutor amigo, não se
esquivando a novos esclarecimentos, informou:
— Eulália, neste instante, fixa-se mentalmente na região mais alta que lhe é possível. Recolhe-se, calma, no santuário mais íntimo, de modo a compreender e desculpar com proveito.
3 Indicando a referida região
cerebral, concluiu:
— Nos lobos frontais, André, exteriorização fisiológica de centros
perispiríticos importantes, repousam milhões de células à espera, para
funcionar, do esforço humano no setor da espiritualização. 4
Nenhum homem, dentre os mais arrojados pensadores da Humanidade, desde
o pretérito até os nossos dias, logrou jamais utilizá-las na décima
parte. 5 São forças
de um campo virgem, que a alma conquistará, não somente em continuidade
evolutiva, senão também a golpes de autoeducação, de aprimoramento moral
e de elevação sublime; tal serviço, meu amigo, só a fé vigorosa e reveladora
pode encetar, como indispensável lâmpada vanguardeira do progresso individual.
André Luiz