1.
Retirando-nos do hospital, em a noite que precedeu à desencarnação de
Cândida, o Assistente observou:
— Não temos tempo a perder.
2 Efetivamente, o trabalho
de socorro à prezada enferma absorvera-nos algumas horas.
— Nosso esforço, — continuou o prestimoso amigo, — tem por especial
escopo impedir a consumação dos processos tendentes à loucura. 3
A rede de amparo espiritual, neste sentido, é quase infinita. A positiva
declaração de desarmonia mental constitui sempre o término de longa
luta. 4 Claro está
que não incluímos aqui os casos puramente fisiológicos, mormente em
se tratando da invasão da sífilis na matéria cerebral; reportamo-nos
aos dramas íntimos da personalidade prisioneira da introversão, do desequilíbrio,
dos fenômenos de involução, das tragédias passionais, episódios esses
que deflagram no mundo, aos milhares por semana. 5
Nas Esferas imediatas à luta do homem vulgar, onde nos achamos presentemente,
são inúmeras as organizações socorristas dessa natureza. É imprescindível
amparar a mente humana na Crosta Planetária, em seus deslocamentos naturais.
A vasta escola terrestre exige incessante e complexa colaboração espiritual.
6 Indubitavelmente,
a Divina Sabedoria não se descuidou da programação prévia de serviço,
neste particular. Se encarregou a Ciência de superintender o desdobramento
harmonioso dos fenômenos pertinentes à zona física, se incumbiu a Filosofia
de acompanhar essa mesma Ciência, enriquecendo-lhe os valores intelectuais,
confiou à Religião a tarefa de velar pelo desenvolvimento da alma, propiciando-lhe
abençoadas luzes para a jornada de ascensão. 7
A crença religiosa, todavia, mormente nos últimos anos, tem-se revelado
incapaz de tal cometimento: falta-lhe pessoal adequado. 8
Enquanto a edificação científica no mundo se apresenta qual árvore gigantesca,
abrigando, em seus ramos refertos de teorias e raciocínios, as inteligências
encarnadas, a Religião, subdividida em numerosos setores, dá a ideia
de erva raquítica, a definhar no solo. 9
O Amor Divino, porém, não ignora os obstáculos que assoberbam os círculos
da fé. Se à investigação do conhecimento basta o valor intelectual,
o problema religioso demanda altas possibilidades de sentimento. A primeira
requer observação e persistência; o segundo, todavia, implica vocação
para a renúncia. 10
À vista disto, colaborando com os trabalhadores decididos, inúmeras
legiões de auxiliares invisíveis ao olhar humano se desdobram, em toda
parte, socorrendo os que sofrem, incentivando os que esperam firmemente
no bem, melhorando sempre. 11
Nosso esforço, portanto, em torno da mente encarnada, é extenso e múltiplo.
Forçoso é convir, no entanto, que, se o programa dá motivo a preocupações,
é também fonte de prazer. Experimentamos o contentamento de irmãos mais
velhos, capazes de prestar auxílio aos mais novos. Indiscutivelmente,
somos, em humanidade, uma só família.
12 Verificando-se pausa natural
nos esclarecimentos de Calderaro, indaguei, curioso:
— Como se opera, entretanto, a administração de tais auxílios? Indiscriminadamente?
— Não, — explicou o interpelado, — o senso de ordem preside-nos à atividade
em todas as circunstâncias. 13
Quase sempre é a força intercessória que determina os processos de ajuda.
A prece, representada pelo desejo não manifestado, pelas aspirações
íntimas ou pelas petições declaradas, proveniente da zona superior ou
surgida do fundo vale, onde se agitam as paixões humanas, é, a rigor,
o ascendente de nossas atividades.
14 Dispunha-me a formular certa
pergunta, oriunda de velhas concepções do separatismo religioso, quando
Calderaro, percebendo-me a ponderação prestes a exprimir-se, acrescentou,
calmo:
— Não aludimos, aqui, a orações ou a aspirações de correntes idealísticas determinadas:
o dístico não interessa. 15
Colaboramos com o espírito eterno em sua ascensão à zona divina, aduzindo
novas forças ao bem, onde ele se encontre, independentemente de fórmulas
dogmáticas, ou não, com que ele se manifeste nos círculos humanos. Nosso
problema não é de favoritismo, senão de espiritualidade superior, mercê
da união dos valores substanciais, em favor da vida melhor.
2.
A essa altura das lições que eu recebia em forma de palestra ligeira,
enquanto nos movimentávamos em serviço, atingimos residência de aspecto
simples, que se distinguia pelo jardim bem cuidado, em toda a volta.
2 — Temos, aqui, —
disse-me, o instrutor, — indefesso companheiro de outras épocas, reencarnado
em dolorosas condições. 3
De algumas semanas para cá, assisto-lhe a mãezinha através de passes
reconfortantes. Em virtude da horrível estrutura orgânica do filho,
a ela encadeado há muitos séculos, a razão da pobrezinha está periclitando;
prendem-se mutuamente por grilhões de graves compromissos. 4
Considerando-lhe o nobre costume da oração em horário prefixado, valemo-nos
dessas ocasiões para vir-lhe em amparo.
Admirando a ordem instituída para os quefazeres de nosso Plano, e que transparecia nas mínimas ações, silenciosamente acompanhei Calderaro ao interior doméstico.
5 Em rápidos minutos achávamo-nos
em pequena câmara, onde magro doentinho repousava, choramingando. Cercavam-no
duas entidades tão infelizes quanto ele mesmo, pelo estranho aspecto
que apresentavam. O menino enfermo inspirava piedade.
6 — É paralítico de
nascença, primogênito de um casal aparentemente feliz, e conta oito
anos na existência nova, — informou Calderaro, indicando-o; — não fala,
não anda, não chega a sentar-se, vê muito mal, quase nada ouve da Esfera
humana, psiquicamente, porém, tem a vida de um sentenciado sensível,
a cumprir severa pena, lavrada, em verdade, por ele próprio. 7
Há quase dois séculos, decretou a morte de muitos compatriotas numa
insurreição civil. Valeu-se da desordem político-administrativa para
vingar-se de desafetos pessoais, semeando ódio e ruínas. 8
Viveu nas regiões inferiores, apartado da carne, inomináveis suplícios.
Inúmeras vítimas já lhe perdoaram os crimes; muitas, contudo, seguiram-no,
obstinadas, anos afora… A malta, outrora densa, rareou pouco a pouco,
até que se reduziu aos dois últimos inimigos, hoje em processo final
de transformação. 9
Com as lutas acremente vividas, em sombrias e dantescas furnas de sofrimento,
o desgraçado aprestou-se para esta fase conclusiva de resgate; conseguiu,
assim, a presente reencarnação com o propósito de completar a cura efetiva,
em cujo processo se encontra, faz muitos anos.
10 A paisagem era triste e
enternecedora. O doente, de ossos enfezados e carnes quase transparentes,
pela idade deveria ser uma criança bela e feliz; ali, entretanto, se
achava imóvel, a emitir gritos e sons guturais, próprios da esfera subumana.
11 Com o respeito devido à
dor e com a observação imposta pela Ciência, verifiquei que o pequeno
paralítico mais se assemelhava a um descendente de símios aperfeiçoados.
— Sim, o Espírito não retrocede em hipótese alguma, — explicou Calderaro;
— todavia, as formas de manifestação podem sofrer degenerescência, de
modo a facilitar os processos regenerativos. Todo mal e todo bem praticados
na vida impõem modificações em nosso quadro representativo. 12
Nosso desventurado amigo envenenou para muito tempo os centros ativos
da organização perispiritual. Cercado de inimigos e desafetos, frutos
da atividade criminosa a que se consagrou voluntariamente, permanece
quase embotado pelas sombras resultantes dos seus tremendos erros. 13
No campo consciencial, chora e debate-se, sob o aguilhão de reminiscências
torturantes que lhe parecem intérminas; mas os sentidos, mesmo os de
natureza física, mantêm-se obnubilados, à maneira de potências desequilibradas,
sem rumo… 14 Os pensamentos
de revolta e de vingança, emitidos por todos aqueles aos quais deliberadamente
ofendeu, vergastaram-lhe o corpo perispiritual por mais de cem anos
consecutivos, como choques de desintegração da personalidade, 15
e o infeliz, distante do acesso à zona mais alta do ser, onde situamos
o “castelo das noções superiores”, em vão se debateu no “campo do esforço
presente”, isto é, à altura da região em que localizamos as energias
motoras; 16 é que
os adversários implacáveis, apegando-se a ele, através da influência
direta, compeliram-lhe a mente a fixar-se nos impulsos automáticos,
no império dos instintos; 17
permitiu a Lei que assim acontecesse, naturalmente porque a conduta
de nosso infortunado irmão fora igual à do jaguar que se aproveita da
força para dominar e ferir. 18
Os abusos da razão e da autoridade constituem faltas graves ante o Eterno
Governo dos nossos destinos.
O estimado Assistente fitou-me com seus olhos muito lúcidos e perguntou:
— Compreendeste?
19 Como desejasse ver-me suficientemente
esclarecido, acrescentou:
— Espiritualmente, este pobre doente não regrediu. Mas o processo de evolução,
que constitui o serviço do Espírito divino, através dos milênios, efetuado
para glorioso destino, foi por ele mesmo (o enfermo) espezinhado, escarnecido
e retardado. 20 Semeou
o mal, e colhe-o agora. Traçou audacioso plano de extermínio, valendo-se
da autoridade que o Pai lhe conferira, concretizou o deplorável projeto
e sofre-lhe as consequências naturais de modo a corrigir-se. Já passou
a pior fase. Presentemente, já se afastou do maior número de inimigos,
aproximando-se de amoroso coração materno, que o auxilia a refazer-se,
ao término de longo curso de regeneração.
3.
Reparando a estranha atitude dos infelizes desencarnados que o seguiam,
pretendia indagar algo relativamente a eles, quando Calderaro veio ao
encontro de meus desejos, continuando:
2 — Também os míseros
perseguidores são duendes do ódio e da vingança, como o nosso enfermo
é um remanescente do crime. São náufragos na derradeira fase de salvação,
após enorme hecatombe no mar da vida, onde se perderam por muitos anos,
por incapazes de usar a bússola do perdão e do bem. 3
Aproximam-se, porém, do porto socorrista. Voltarão ao Sol da existência
terrestre, por intermédio de um coração de mulher que compreendeu com
Jesus o valor do sacrifício. 4
Em breve, André, consoante o programa redentor já delineado, ingressarão
neste mesmo lar na qualidade de irmãos do antigo adversário. E quando
entrelaçarem as mãos sobre ele, consumindo energias por ajudá-lo, assistidos
pela ternura de abnegada mãe, amorosa e justa, beijarão o velho inimigo
com imenso afeto. 5
Transmudar-se-ão as negras algemas do ódio em alvinitentes liames de
luz, nos quais refulgirá o amor eterno. Chegado esse tempo, a força
do perdão restituirá nosso doente à liberdade, largará ele, qual pássaro
feliz, este mirrado corpo físico, sufocante cárcere do crime e suas
consequências, onde se debateu por quase dois séculos. 6
Até lá, importa zelar com empenho pela valorosa mulher que é essa, vestalina
senhora deste lar, em quem as Forças Divinas respeitam a vocação para
o martírio, por iluminar a vida e enriquecer a obra de Deus.
4.
Mal terminava Calderaro as elucidações, quando um dos verdugos desencarnados
se moveu e tocou com a destra o cérebro do doentinho, recomendando-me
o Assistente examinasse os efeitos desse contato.
2 Extrema palidez e enorme
angústia transpareceram no semblante do paralítico. Notei que a infeliz
entidade emitia, através das mãos, estrias negras de substância semelhante
ao piche, as quais atingiam o encéfalo do pequenino, acentuando-lhe
as impressões de pavor.
3 Dirigi ao Assistente um
olhar interrogativo, e Calderaro informou:
— Se o amor emite raios de luz, o ódio arremessa estiletes de treva.
4 Nos lobos frontais
recebemos os “estímulos do futuro”, no córtex abrigamos as “sugestões
do presente”, e no sistema nervoso, propriamente dito, arquivamos as
“lembranças do passado”. 5
Nosso pobre amigo está sendo “bombardeado” por energias destrutivas
do ódio na região de “serviços do presente”, isto é, em suas capacidades
de crescimento, de realização e de trabalho nos dias que correm. 6
Tal situação, derivante da culpa, compele-o a descer mentalmente para
a zona de “reminiscências do passado”, onde o seu comportamento é inferior,
raiando pela semi-inconsciência dos estados evolucionários primitivos.
Esmagadora maioria dos fenômenos de alienação psíquica procedem da mente
desequilibrada. Repara o cosmo orgânico.
7 O doentinho, da aflição,
em que se mergulhara, passou às contorções, evidenciando todos os característicos
da idiotia clássica. Os órgãos revelavam agora estranhos deslocamentos.
O sistema endócrino patenteava indefiníveis perturbações.
8 Compadecido, inclinou-se
o instrutor sobre o doente, e esclareceu:
— Os raios destrutivos alcançam-lhe a zona motora, provocando a paralisação dos centros da fala, dos movimentos, da audição, da visão e do governo de todos os departamentos glandulares. Na verdade, essa dolorosa situação cronicificou-se, pela repetição desta ocorrência milhares de vezes, em quase duas centenas de anos.
9 Fez intervalo significativo
e tornou:
— Examina a conduta do enfermo. Fixando a mente na extrema “região
dos impulsos automáticos”, seu padrão de comportamento é efetivamente
subumano. Volta a viver estados primários, dos quais a individualidade
já emergiu há muitos séculos. 10
Em outros casos menos graves, a medicina atual vem utilizando a terapêutica
do choque, à maneira do experimentador que investiga nas sombras, examinando
efeitos e ignorando as causas. Cumpre-nos, no entanto, reconhecer que
o belo esforço da psiquiatria moderna merece o maior carinho de nossas
autoridades espirituais, que patrocinam os médicos diligentes e devotados,
orientando-os para o bem comum, simultaneamente em diversos centros
culturais; por enquanto, não podem aceitar a verdade como seria de desejar,
em virtude da necessidade de guardar-se a medicina terrena em campo
conservador, menos aberto aos aventureiros; todavia, mais tarde os sacerdotes
da saúde humana compreenderão que o choque elétrico, ou a hipoglicemia,
provocada pela invasão da insulina, constituem apelos vivos aos centros
do organismo perispirítico, convocando-os ao reajustamento e compelindo
os neurônios a se readaptarem para o serviço da mente em processo regenerador.
11 A bem dizer, é
de notar que esse recurso às reservas profundas do cosmo psíquico não
é novo. Outrora, as vítimas da loucura eram conduzidas a poços de víboras,
a fim de que a horrível comoção operasse a transformação súbita da mente
desequilibrada; é que, desde remota antiguidade, compreendeu o homem,
intuitivamente, que a maioria dos casos de alienação mental decorrem
da ausência voluntária ou involuntária da alma à realidade. E, em nosso
campo de observação mais clara, podemos adir que todo desequilíbrio
promana do afastamento da Lei.
12 Silenciou Calderaro por
alguns instantes e, em seguida, indicou o pequeno, acentuando:
— Neste caso, porém, o choque aplicado pela ciência dos homens não surtiria
vantagem alguma. Estamos perante o eclipse total da mente, pela total
ausência da Lei com que se conduziu o interessado no socorro. A retificação,
aqui, reclama tempo. 13
As águas pantanosas do mal, longamente represadas no coração, não se
escoam facilmente. O plano mental de cada um de nós não é vaso de conteúdo
imaginário: é repositório de forças vivas, qual o veículo físico de
manifestação, que nos é próprio, enquanto peregrinamos na Crosta Planetária.
14 — Não estamos, porém, cientificamente
falando, — indaguei, — diante de um caso típico de mongolismo?
O Assistente respondeu sem se embaraçar:
— Acompanhamos um fenômeno de desequilíbrio espiritual absoluto. 15
Em situações raríssimas, teremos perturbações dessa natureza com causas
substancialmente fisiológicas. Impossível é desconhecer, na Esfera carnal,
o paralelismo psicofísico. 16
Quem vive na Crosta Terrestre terá sempre a defrontar com a forma perecível,
em primeiro lugar. Daí, não podermos excluir da patologia da alma o
envoltório denso, nem menosprezar a colaboração dos fisiologistas abnegados,
que atentos se dedicam às investigações da fauna microscópica, do reajustamento
das formas, do quadro dos efeitos. Não nos esqueça, contudo, que analisamos
agora o domínio das causas…
17 O desvelado amigo parecia
disposto a prosseguir, dilatando-me os conhecimentos a respeito do assunto,
quando ouvimos passos de alguém que se aproximava. Certo, a dona da
casa vinha ao aposento da criança, à procura do socorro da oração.
18 Concluiu Calderaro, apressadamente:
— Nossos companheiros da medicina humana batizam as moléstias mentais como lhes apraz, detendo-se nas questões da periferia, por distraídos dos problemas fundamentais do espírito. Relativamente aos assuntos científicos, conversaremos amanhã, quando prestaremos assistência a jovem amigo.
5.
Nesse momento, a mãezinha, que ainda não contava trinta anos, acercou-se
do enfermo, sem se dar conta de nossa presença espiritual. 2
Estacou, tristonha, de pé junto ao berço, afagando-lhe a fronte aljofrada
de suor, ao termo das contorções finais. Afastou a colcha rendada, levantou-o,
cuidadosa, e abraçou-o, ungindo-o com o mais terno dos carinhos.
3 O menino aquietou-se.
Logo após, a genitora entrou a orar, banhada em lágrimas, afigurando-se-me um cisne da região espiritual a desferir maravilhoso cântico.
4 Enquanto Calderaro operava,
reparando-lhe as forças nervosas em verdadeira transfusão de fluidos
sadios que o dedicado colaborador transferia de si próprio, eu, de minha
parte, acompanhava com vivo interesse a prece maternal.
5 A jovem senhora entremeava
de ponderações humanas a cordial rogativa.
Por que não a ouvia o Senhor, nos Altos Céus, permitindo um milagre que restituísse
o filhinho ao equilíbrio tão necessário? Casara-se, há nove anos,
sonhando um jardim doméstico, repleto de rebentos felizes; entretanto,
a primeira flor de suas aspirações femininas ali se encontrava ironicamente
aberta, numa fácies horrível de monstruosidade e de sofrimento… 6
Por que, interrogava súplice, nasciam crianças na Terra com a destinação
de tamanha angústia? Por que o martirológio dos seres pequeninos? Em
vão percorrera gabinetes médicos e ouvira especialistas. Sempre as mesmas
decepções, os mesmos desenganos. O filhinho parecia inacessível a qualquer
tratamento. Sentia-se frágil e extenuada… E chorava, implorando a bênção
divina, para que as energias lhe não faltassem na luta.
7 Calderaro, finda a tarefa
que lhe competia, acercou-se de mim, perguntando:
— Desejas responder à rogativa, em nome da Inspiração Superior?
Oh! Não! Declinei de tal convite alegando que isso me era de todo impraticável, depois de haver ouvido Irmã Cipriana renovando corações com o verbo inflamado de amor.
8 Objetou o orientador num
gesto bondoso:
— Aqui, porém, não falaremos a corações que odeiam, e sim a torturado espírito materno, que reclama estímulo fraternal. O conhecimento e a boa vontade podem fazer muito.
9 Sorriu, benevolente, e acrescentou:
— Ao demais, é necessário diplomar-nos também na ciência do amor. Para isso, comecemos a ser irmãos uns dos outros, com sinceridade e fiel disposição de servir.
10 Agradeci, comovido, a deferência,
mas esquivei-me. Falaria ele mesmo, Calderaro. Minha condição era a
do aprendiz. Ali me encontrava por ouvir-lhe as sublimes lições.
11 O abnegado amigo colocou
as mãos sobre os lobos frontais dela, como atraindo a mente materna
para a região mais elevada do ser, e passou a irradiar-lhe tocantes
apelos, como se lhe fora desvelado pai falando ao coração. Fundamente
sensibilizado, assinalava-lhe as palavras de ânimo e de consolação,
que a afetuosa mãezinha recebia em forma de ideias e sugestões superiores.
12 Notei que a disposição íntima
da jovem senhora tomava pouco a pouco um renovado alento. Observei que
na epífise lhe surgira suave foco de claridade irradiante e que de seus
olhos começaram a brotar lágrimas diferentes. A claridade branda, fluindo
do cérebro, desceu para o tórax, de onde, então, se evolaram tênues
fios de luz que a ligaram ao filhinho infeliz. Contemplou o pequeno,
agora calmo, através do espesso véu de pranto e ouvi-lhe os pensamentos
sublimes.
13 Sim, Deus não
a abandonaria, — meditava; — dar-lhe-ia forças para cumprir até ao fim
o cometimento que tomara a ombros, com a beleza do primeiro sonho e
com a ventura da primeira hora. Sustentaria o desventurado rebento de
sua carne, como se fora um tesouro celeste. 14
Seu amor avultaria com os padecimentos do filhinho muito amado; seus
sacrifícios de mãe seriam mais doces, toda vez que a dor o visitasse
com maior intensidade. Não era ele mais digno de seu devotamento e renúncia
pela aflitiva condição em que nascera? 15
Os filhos de antigas companheiras eram formosos e inteligentes; como
botões perfumados da vida, prometendo infinitas alegrias no jardim do
futuro; também seu pequenino paralítico era belo, necessitando, porém,
de mais blandícia e arrimo. 16
Saberia Deus porque viera ele ao mundo, sem a faculdade da palavra e
sem manifestações de inteligência. Não lhe bastaria confiar no Supremo
Pai? Serviria ao Senhor sem indagar; amaria seu filho pela eternidade;
morreria, se preciso fora, para que ele vivesse.
17 Num transporte de indefinível
carinho, a jovem mãe inclinou-se e beijou o doentinho nos lábios, com
o júbilo de quem osculasse um anjo celestial. Vi, surpreendido, que
numerosas centelhas de luz se desprendiam do contato afetivo entre ambos
e se derramavam sobre as duas entidades inferiores; estas, de sua parte,
se inclinaram também, como que menos infelizes, perante aquela nobre
mulher que mais tarde lhes serviria de mãe.
6.
Calderaro tocou-me de leve o ombro e informou:
— Nosso trabalho de assistência está findo. Vamo-nos.
2 E, indicando mãe e filho
juntos, concluiu:
— Examinando essa criança sofredora como enigma sem solução, alguns médicos insensatos da Terra se lembrarão talvez da “morte suave”; ignoram que, entre as paredes deste lar modesto, o Médico Divino, utilizando um corpo incurável e o amor, até o sacrifício, de um coração materno, restitui o equilíbrio a Espíritos eternos, a fim de que sobre as ruínas do passado possam irmanar-se para gloriosos destinos.
André Luiz