Justamente por ocasião do seu aniversário em mediunidade, em 1967, Xavier foi ouvido pelo jovem radialista Romeu Sérgio, que lhe formulou algumas indagações, respondidas, para figurarem num programa de grande audiência na Rádio Cultura da cidade de Ribeirão Preto, Estado de São Paulo. Possuindo conosco o texto alusivo a esse encontro, que encerra apontamentos espíritas evangélicos, de alto valor, a nosso ver, damo-nos ao prazer de estampá-lo, em nosso livro, no desdobramento da tarefa esclarecedora e informativa que nos propomos realizar.
CHICO XAVIER — QUARENTA ANOS DE MEDIUNIDADE
1 — Poderá dizer, Chico, que trabalhos o senhor vem desenvolvendo em Uberaba?
— Meu caro Romeu Sérgio, antes de tudo, sinto a satisfação de saudar aos ouvintes amigos da Rádio Cultura de Ribeirão Preto, agradecendo ainda a nossa estimada emissora pela oportunidade do presente encontro fraterno através do ar, que me honra sobremaneira. Devo dizer ao caro entrevistador, que não tenho tarefas especiais em Uberaba. Não passo de pequenino servidor da Comunhão Espírita Cristã que, em nossa cidade, é dirigida sabiamente pela nossa irmã Dalva Borges. A Comunhão Espírita Cristã, sim, desempenha preciosos encargos, seja na divulgação da Doutrina Espírita, seja na obra assistencial a que se dedica. Além de minhas modestas atribuições mediúnicas, em nossa casa, tenho compromissos com os Benfeitores Espirituais, dos quais temos à frente, o abnegado Espírito de Emmanuel, no sentido de trabalhar na recepção do livro mediúnico, serviço esse a que me consagro desde muitos anos.
2 — No seu modo de entender, como se situa o Espiritismo no Brasil?
— Desde muito, os instrutores desencarnados nos ensinam, por via mediúnica, que o Espiritismo no Brasil é realmente a Doutrina Codificada por Allan Kardec, restaurando os ensinamentos de Jesus, em sua simplicidade e clareza. Enquanto em muitos países diferentes do nosso, a prática espírita se resume a observações puramente científicas e a técnicas mediúnicas, entre nós, brasileiros, o assunto assume características diversas, compreendendo-se que o reconhecimento da imortalidade da alma faz-se acompanhar de consequências morais a que não nos será lícito fugir. Aprendemos com Allan Kardec que a Doutrina Espírita é a presença espiritual de Nosso Senhor Jesus-Cristo na Terra, conclamando-nos à vivência real dos seus ensinamentos de luz e amor. Em razão disso, o Espiritismo no Brasil é a caridade em ação com a fé raciocinada baseando-lhe as iniciativas e movimentos. Consultemos o acervo das instituições assistenciais do Espiritismo Cristão, espalhadas no Brasil inteiro e observemos a difusão das obras de Allan Kardec, em todo o nosso País, com a supervisão e o devotamento da Federação Espírita Brasileira e ser-nos-á fácil reconhecer em nosso desenvolvimento coletivo a presença do Espiritismo em sua legítima expressão, a definir-se como sendo o retorno das criaturas ao Cristianismo simples e puro.
3 — Estimaríamos colher a sua opinião a respeito dos últimos conflitos que colocaram em perigo a Paz Mundial…
— Atentos aos nossos deveres de ordem doutrinária, já que o Espiritismo é a religião de Jesus, endereçada ao burilamento e confraternização dos homens, não seria cabível viéssemos a analisar os conflitos atuais do mundo, sob o ponto de vista político. Essa tarefa, na opinião de Emmanuel, o dedicado orientador espiritual que nos dirige as atividades, compete aos mentores encarnados da vida internacional. Todos nós, os religiosos de todos os climas, nos reconhecemos atualmente defrontados por crises de insatisfação em quase todos os domínios da Humanidade, e, por isso mesmo, segundo as instruções que recebemos dos benfeitores espirituais, a nossa melhor atitude é a da prece, em favor dos líderes das nações, rogando a Deus os ilumine e guie, a fim de que todos eles se unam, no respeito às leis que o progresso já nos confiou, evitando nova grande guerra, cujos efeitos calamitosos, não conseguimos prever, nem calcular.
4 — Como vê o futuro do Brasil?
— Na condição de espírita, conquanto a minha indigência de tudo, confio plenamente no futuro de nosso País, invariavelmente consagrado ao trabalho e ao direito, ao progresso e à paz. Peçamos a Deus nos conserve leais à fraternidade que Jesus nos ensinou, de vez que, na vivência do Evangelho, ser-nos-á possível cooperar na edificação do Brasil espiritual, destinado a ser, conforme as lições de nossos mentores da Vida Maior, o celeiro de luz e concórdia, justiça e aperfeiçoamento para a Humanidade inteira.
5 — Tem alguma sugestão a fazer sobre a obra espírita propriamente considerada?
— Creio que se o caro entrevistador está interessado, em conhecer, de mais perto, as nossas tarefas espíritas-cristãs, tomaria a liberdade de propor-lhe a realização de enquetes e encontros fraternais com os nossos companheiros espíritas de Ribeirão Preto, em cuja dedicação à nossa Causa, reconhecemos daqui de Uberaba os mais elevados padrões de cultura e bondade, experiência e prestígio moral. Acreditamos que de semelhantes contatos sobrevirão esclarecimentos e bênçãos da mais alta importância para reconforto e orientação de nosso povo. Com essa lembrança, queremos reafirmar à simpática Rádio Cultura de Ribeirão Preto os nossos melhores agradecimentos, rogando a Nosso Senhor Jesus-Cristo para que a todos nos inspire e nos abençoe.
6 — O senhor poderia fazer a leitura de uma das mensagens mediúnicas por si recebidas, dedicada aos nossos ouvintes de Ribeirão Preto?
— Romeu, agradecendo o seu convite, peço permissão para ler aqui a página “Ouve, Coração”, do Espírito de Maria Dolores, primorosa poetisa baiana, desencarnada em Salvador, poesia essa que foi por nós psicografada na reunião pública da Comunhão Espírita Cristã, realizada na noite de 20 de Novembro de 1965 e cuja leitura ofereço aos nossos companheiros espíritas de Ribeirão Preto, com o nosso abraço fraternal.
Francisco Cândido Xavier
Emmanuel
1 Perguntas, coração,
Como sanar as dores sem medida,
De que modo enxugar a lágrima incontida
Sob nuvens de fel e de pesar!…
Recordemos o chão…
Quando o lodo ameaça uma estrada indefesa,
Em cada canto roga a Natureza:
Trabalhar, trabalhar.
2 Fita o aguaceiro que se fez tormenta.
Ao granizo que estala, o vento insulta;
Seio de mágoas que se desoculta,
A terra, em torno, geme a desvairar…
Mas, finda a longa crise turbulenta,
Sobre teto quebrado, pedra e lama.
Renasce a paz do céu que vibra e chama:
Trabalhar, trabalhar.
3 Ressurge, inalterado, o sol risonho,
Não pergunta se o mal ganhou no mundo,
A tudo abraça em seu amor profundo,
A criar e a brilhar!
Recebe cada flor um novo sonho,
Cada tronco uma bênção, cada ninho
Canta para quem passa no caminho:
Trabalhar, trabalhar.
4 Assim também, nas horas de amargura,
Enquanto a sombra ruge ou desgoverna,
Pensa na glória da Bondade Eterna,
Acende a luz da prece tutelar!
E vencerás tristeza e desventura,
Obedecendo à voz de Deus na vida
Que te pede em silêncio, à alma ferida:
Trabalhar, trabalhar.
Maria Dolores
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Elias Barbosa