1.
Na segunda noite, sentia-me cansadíssimo. Começava a compreender o valor
do alimento espiritual, através do amor e do entendimento recíprocos.
2 Em “Nosso Lar”, atravessava
dias vários de serviço ativo, sem alimentação comum, no treinamento
de elevação a que muitos de nós se consagravam. Bastava-me a presença
dos amigos queridos, as manifestações de afeto, a absorção de elementos
puros através do ar e da água; 3
mas ali não encontrava senão escuro campo de batalha, onde os entes
amados se convertiam em verdugos. As meditações preciosas que a palavra
de Clarêncio me sugerira, davam-me certa calma ao coração. 4
Compreendia, finalmente, as necessidades humanas. Não era proprietário
de Zélia, mas seu irmão e amigo. Não era dono de meus filhos e, sim,
companheiro de luta e realização.
5 Recordei que a senhora Laura,
certa feita, me afirmara que toda criatura, no testemunho, deve proceder
como a abelha, acercando-se das flores da vida, que são as almas nobres,
no campo das lembranças, extraindo de cada uma a substância dos bons
exemplos, para adquirir o mel da sabedoria.
2 Apliquei ao meu
caso o proveitoso conselho e comecei recordando minha mãe. Não se sacrificara
ela por meu pai, a ponto de adotar mulheres infelizes como filhas do
coração? “Nosso Lar” estava repleto de exemplos edificantes. 3
A Ministra Veneranda trabalhava séculos sucessivos pelo grupo espiritual
que lhe estava mais particularmente ligado ao coração. 4
Narcisa, sacrificava-se nas Câmaras para obter endosso espiritual, de
regresso ao mundo, em tarefa de auxílio. 5
A senhora Hilda vencera o dragão do ciúme inferior. E a expressão de
fraternidade dos demais amigos da colônia? Clarêncio me acolhera com
devotamento de pai, a mãe de Lísias me recebera como filho, Tobias como
irmão. 6 Cada companheiro
de minhas novas lutas me oferecia algo de útil à construção mental diferente,
que se erguia, célere, no meu espírito.
7 Procurei abstrair-me das
considerações aparentemente ingratas que ouvia no ambiente doméstico
e deliberei colocar acima de tudo o amor divino, e, acima de todos os
meus sentimentos pessoais, as justas necessidades dos meus semelhantes.
8 No meu cansaço, procurei
o apartamento do enfermo, cujo estado se agravava de momento a momento.
Zélia amparava-lhe a fronte e dizia, banhada em lágrimas:
— Ernesto, Ernesto, tem pena de mim, querido! Não me deixes só! Que será de mim se me faltares?
9 O doente acariciava-lhe
as mãos e respondia com imenso afeto, apesar da forte dispneia.
Roguei ao Senhor energias necessárias para manter a compreensão imprescindível e passei a interpretar os cônjuges como se fossem meus irmãos.
10 Reconheci que Zélia e Ernesto
se amavam intensamente. E, se de fato me sentia companheiro fraternal
de ambos, devia auxiliá-los com os recursos ao meu alcance. Iniciei
o trabalho procurando esclarecer os Espíritos infelizes que se mantinham
em estreita ligação com o enfermo. Minhas dificuldades, porém, eram
enormes. Sentia-me abatidíssimo.
2.
Nessa emergência, lembrei certa lição de Tobias, quando me dissera:
— “Aqui, em “Nosso Lar”, nem todos necessitam do aeróbus para se locomoverem;
porque os habitantes mais elevados da colônia dispõem do poder de volitação;
2 e nem todos precisam
de aparelhos de comunicação para conversar a distância, por se manterem,
entre si, num plano de perfeita sintonia de pensamentos. Os que se encontrem
afinados desse modo, podem dispor, à vontade, do processo de conversação
mental, apesar da distância”.
3 Lembrei quanto me seria
útil a colaboração de Narcisa e experimentei. Concentrei-me em fervorosa
oração ao Pai e, nas vibrações da prece, dirigi-me a Narcisa encarecendo
socorro. Contava-lhe, em pensamento, minha experiência dolorosa, comunicava-lhe
meus propósitos de auxílio e insistia para que me não desamparasse.
4 Aconteceu, então, o que
não poderia esperar.
Passados vinte minutos, mais ou menos, quando ainda não havia retirado a mente da rogativa, alguém me tocou de leve no ombro.
Era Narcisa que atendia, sorrindo:
— Ouvi seu apelo, meu amigo, e vim ao seu encontro.
3.
Não cabia em mim de contentamento.
A mensageira do bem fixou o quadro, compreendeu a gravidade do momento e acrescentou:
— Não temos tempo a perder.
2 Antes de tudo, aplicou passes
de reconforto ao doente, isolando-o das formas escuras, que se afastaram
como por encanto. Em seguida, convidou-me com decisão:
— Vamos à Natureza.
3 Acompanhei-a sem hesitação,
e ela, notando-me a estranheza, acentuou:
— Não só o homem pode receber fluidos e emiti-los. As forças naturais fazem o mesmo, nos reinos diversos em que se subdividem. Para o caso do nosso enfermo, precisamos das árvores. Elas nos auxiliarão eficazmente.
4 Admirado da lição
nova, segui-a, silencioso. Chegados a local onde se alinhavam enormes
frondes, Narcisa chamou alguém, com expressões que eu não podia compreender.
Daí a momentos, oito entidades espirituais atendiam-lhe ao apelo. 5
Imensamente surpreendido, vi-a indagar da existência de mangueiras e
eucaliptos. Devidamente informada pelos amigos, que me eram totalmente
estranhos, a enfermeira explicou:
— São servidores comuns do reino vegetal, os irmãos que nos atenderam.
6 E, à vista da minha surpresa,
rematou:
— Como vê, nada existe de inútil na Casa de Nosso Pai. Em toda parte, se há quem necessite aprender, há quem ensine; e onde aparece a dificuldade, surge a Providência. O único desventurado, na obra divina, é o Espírito imprevidente, que se condenou às trevas da maldade.
7 Narcisa manipulou, em poucos
instantes, certa substância com as emanações do eucalipto e da mangueira
e, durante toda a noite, aplicamos o remédio ao enfermo, através da
respiração comum e da absorção pelos poros.
8 O enfermo experimentou melhoras
sensíveis. Pela manhã, cedo, o médico observou, extremamente surpreendido:
— Verificou-se esta noite extraordinária reação! Verdadeiro milagre da Natureza!
9 Zélia estava radiante. Encheu-se
a casa de alegria nova. Por minha vez, experimentava grande júbilo nalma.
Profundo alento e belas esperanças revigoravam-me o ser. Reconhecia,
eu mesmo, que vigorosos laços de inferioridade se haviam rompido dentro
de mim, para sempre.
4.
Nesse dia, voltei a “Nosso Lar” em companhia de Narcisa e, pela primeira
vez, experimentei a capacidade de volitação. 2
Num momento, ganhávamos grandes distâncias. A bandeira da alegria desfraldara-se
em meu íntimo. Comunicando à enfermeira generosa minha impressão de
leveza, ouvi-a esclarecer:
3 — Em “Nosso Lar”, grande
parte dos companheiros poderia dispensar o aeróbus e transportar-se,
à vontade, nas áreas de nosso domínio vibratório; mas, visto a maioria
não ter adquirido essa faculdade, todos se abstêm de exercê-la em nossas
vias públicas. Essa abstenção, todavia, não impede que utilizemos o
processo longe da cidade, quando é preciso ganhar distância e tempo.
4 Nova compreensão
e novos júbilos me enriqueciam o espírito. Instruído por Narcisa, ia
da casa terrestre à cidade espiritual e vice-versa, sem dificuldade
de vulto, intensificando o tratamento de Ernesto, cujas melhoras se
firmaram, francas e rápidas. 5
Clarêncio visitava-me, diariamente, mostrando-se satisfeito com o meu
trabalho.
5.
Ao fim da semana, chegara ao termo de minha primeira licença nos serviços
das Câmaras de Retificação. A alegria tornara aos cônjuges, que passei
a estimar como irmãos.
Era preciso, pois, regressar aos deveres justos.
2 À luz dormente e cariciosa
do crepúsculo, tomei o caminho de “Nosso Lar”, totalmente modificado.
Naqueles sete dias rápidos, aprendera preciosas lições práticas no culto
vivo da compreensão e da fraternidade legítimas. A tarde sublime enchia-me
de magnos pensamentos.
3 Como é grande a Providência
Divina! — Dizia, a monologar intimamente. — Com que sabedoria dispõe o
Senhor todos os trabalhos e situações da vida! Com que amor atende a
toda a Criação!
4 Algo, porém, arrancou-me
da meditação a que me recolhera. Mais de duzentos companheiros vinham
ao meu encontro.
5 Todos me saudavam,
generosos e acolhedores, Lísias, Lascínia, Narcisa, Silveira, Tobias,
Salústio e numerosos cooperadores das Câmaras ali estavam. Não sabia
que atitude assumir, colhido, assim, de surpresa. 6
Foi, então, que o Ministro Clarêncio, surgindo à frente de todos, adiantou-se,
estendeu-me a destra generosa e falou:
— Até hoje, André, você era meu pupilo na cidade; mas, doravante, em nome da Governadoria, declaro-o cidadão de “Nosso Lar”.
7 Por que tamanha magnanimidade
se meu triunfo era tão pequenino? Não conseguia reter as lágrimas de
emoção que me embargavam a voz. E, considerando a grandeza da Bondade
Divina, atirei-me aos braços paternais de Clarêncio, a chorar de gratidão
e de alegria.
André Luiz
FIM