1.
Desejando colher valores educativos que fluíam naturalmente da palestra
da senhora Laura, perguntei, curioso:
— Desempenhando tantos deveres, a senhora ainda tem atribuições fora de casa?
2 — Sim; vivemos numa cidade
de transição; no entanto, as finalidades da colônia residem no trabalho
e no aprendizado. As almas femininas, aqui, assumem numerosas obrigações,
preparando-se para voltar ao planeta ou para ascender a Esferas mais
altas.
— Mas a organização doméstica, em “Nosso Lar”, é idêntica à da Terra?
3 A interlocutora esboçou
uma fácies muito significativa e acrescentou:
— O lar terrestre é que, de há muito, se esforça por copiar nosso instituto
doméstico; mas os cônjuges por lá, com raras exceções, estão ainda a
mondar o terreno dos sentimentos, invadido pelas ervas amargosas da
vaidade pessoal, e povoado de monstros do ciúme e do egoísmo. 4
Quando regressei do planeta, pela última vez, trazia, como é natural,
profundas ilusões. Coincidiu, porém, que, na minha crise de orgulho
ferido, fui levada a ouvir um grande instrutor, no Ministério do Esclarecimento.
Desde esse dia, nova corrente de ideias me penetrou o espírito.
— Não poderia dizer-me algo das lições recebidas? — Indaguei com interesse.
5 — O orientador,
muito versado em matemática prosseguiu ela, — fez-nos sentir que o lar
é como se fora um ângulo reto nas linhas do plano da evolução divina.
A reta vertical é o sentimento feminino, envolvido nas inspirações criadoras
da vida. A reta horizontal é o sentimento masculino, em marcha de realizações
no campo do progresso comum. 6
O lar é o sagrado vértice onde o homem e a mulher se encontram para
o entendimento indispensável. É templo, onde as criaturas devem unir-se
espiritual antes que corporalmente. 7
Há na Terra, agora, grande número de estudiosos das questões sociais,
que aventam várias medidas e clamam pela regeneração da vida doméstica.
Alguns chegam a asseverar que a instituição da família humana está ameaçada.
Importa considerar, entretanto, que, a rigor, o lar é conquista sublime
que os homens vão realizando vagarosamente. 8
Onde, nas Esferas do globo, o verdadeiro instituto doméstico, baseado
na harmonia justa, com os direitos e deveres legitimamente partilhados?
Na maioria, os casais terrestres passam as horas sagradas do dia vivendo
a indiferença ou o egoísmo feroz. 9
Quando o marido permanece calmo, a mulher parece desesperada; quando
a esposa se cala, humilde, o companheiro tiraniza. Nem a consorte se
decide a animar o esposo, na linha horizontal de seus trabalhos temporais,
nem o marido se resolve a segui-la no voo divino de ternura e sentimento,
rumo aos Planos superiores da Criação. 10
Dissimulam em sociedade e, na vida íntima, um faz viagens mentais de
longa distância, quando o outro comenta o serviço que lhe seja peculiar.
Se a mulher fala nos filhinhos, o marido excursiona através dos negócios;
se o companheiro examina qualquer dificuldade do trabalho, que lhe diz
respeito, a mente da esposa volta ao gabinete da modista. 11
É claro que, em tais circunstâncias, o ângulo divino não está devidamente
traçado. Duas linhas divergentes tentam, em vão, formar o vértice sublime,
a fim de construírem um degrau na escada grandiosa da vida eterna.
12 Esses conceitos calavam-me
fundo e, sumamente impressionado, observei:
— Senhora Laura, essas definições suscitam um mundo de pensamentos novos. Ah! Se conhecêssemos tudo isso lá na Terra!…
— Questão de experiência, meu amigo, — replicou a nobre matrona, — o
homem e a mulher aprenderão no sofrimento e na luta. 13
Por enquanto, raros conhecem que o lar é instituição essencialmente
divina e que se deve viver, adentro de suas portas, com todo o coração
e com toda a alma. 14
Enquanto as criaturas vulgares atravessam a florida região do noivado,
procuram-se mobilizando os máximos recursos do espírito, e daí o dizer-se
que todos os seres são belos quando estão verdadeiramente amando. O
assunto mais trivial assume singular encanto nas palestras mais fúteis.
O homem e a mulher comparecem aí, na integração de suas forças sublimes.
15 Mas logo que recebem
a bênção nupcial, a maioria atravessa os véus do desejo, e cai nos braços
dos velhos monstros que tiranizam corações. Não há concessões recíprocas.
Não há tolerância e, por vezes, nem mesmo fraternidade. E apaga-se a
beleza luminosa do amor, quando os cônjuges perdem a camaradagem e o
gosto de conversar. 16
Daí em diante, os mais educados respeitam-se; os mais rudes mal se suportam.
Não se entendem. Perguntas e respostas são formuladas em vocábulos breves.
Por mais que se unam os corpos, vivem as mentes separadas, operando
em rumos opostos.
2.
— Tudo isso é a pura verdade! — Aduzi comovido.
— Que fazer, porém, meu amigo? — Replicou a generosa senhora, — na fase
atual evolutiva do planeta, existem na Esfera carnal raríssimas uniões
de almas gêmeas, reduzidos matrimônios de almas irmãs ou afins, e esmagadora
porcentagem de ligações de resgate. O maior número de casais humanos
é constituído de verdadeiros forçados, sob algemas.
2 Procurando retomar o fio
das considerações sugeridas por minha pergunta inicial, continuou a
genitora de Lísias:
— As almas femininas não podem permanecer inativas aqui. É preciso
aprender a ser mãe, esposa, missionária, irmã. A tarefa da mulher, no
lar, não pode circunscrever-se a umas tantas lágrimas de piedade ociosa
e a muitos anos de servidão. 3
É claro que o movimento coevo do feminismo desesperado constitui abominável
ação contra as verdadeiras atribuições do espírito feminino. A mulher
não pode ir ao duelo com os homens, através de escritórios e gabinetes,
onde se reserva atividade justa ao espírito masculino. 4
Nossa colônia, porém, ensina que existem nobres serviços de extensão
do lar, para as mulheres. A enfermagem, o ensino, a indústria do fio,
a informação, os serviços de paciência, representam atividades assaz
expressivas. 5 O homem
deve aprender a carrear para o ambiente doméstico a riqueza de suas
experiências, e a mulher precisa conduzir a doçura do lar para os labores
ásperos do homem. Dentro de casa, a inspiração; fora dela, a atividade.
Uma não viverá sem a outra. Como sustentar-se o rio sem a fonte, e como
espalhar-se a água da fonte sem o leito do rio?
6 Não pude deixar de sorrir,
ouvindo a interrogação. A mãe de Lísias, depois de longo intervalo,
continuou:
— Quando o Ministério do Auxílio me confia crianças ao lar, minhas
horas de serviço são contadas em dobro, o que me pode dar ideia da importância
dos serviços maternal no Plano terreno. 7
Entretanto, quando isso não acontece, tenho meus deveres diuturnos nos
trabalhos de enfermagem, com a semana de quarenta e oito horas de tarefa.
8 Todos trabalham em
nossa casa. A não ser minha neta convalescente, não temos qualquer pessoa
da família em zonas de repouso. Oito horas de atividade no interesse
coletivo, diariamente, é programa fácil a todos. Sentir-me-ia envergonhada
se não o executasse também.
9 Interrompeu-se a interlocutora
por alguns momentos, enquanto me perdia em vastas considerações…
André Luiz