O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão
Doutrina espírita - 2ª parte.

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Nosso Lar — André Luiz


3

A oração coletiva

(Sumário)

1. Embora transportado à maneira de ferido comum, lobriguei o quadro confortante que se desdobrava à minha vista.

Clarêncio, que se apoiava num cajado de substância luminosa, deteve-se à frente de grande porta encravada em altos muros, cobertos de trepadeiras floridas e graciosas. Tateando um ponto da muralha, fez-se longa abertura, através da qual penetramos, silenciosos.

2 Branda claridade inundava ali todas as coisas. Ao longe, gracioso foco de luz dava a ideia de um pôr do sol em tardes primaveris. À medida que avançávamos, conseguia identificar preciosas construções, situadas em extensos jardins.

3 Ao sinal de Clarêncio, os condutores depuseram, devagarinho, a maca improvisada. A meus olhos surgiu, então, a porta acolhedora de alvo edifício, à feição de grande hospital terreno. Dois jovens, envergando túnicas de alvo linho, acorreram pressurosos ao chamado de meu benfeitor, e quando me acomodavam num leito de emergência, por me conduzirem cuidadosamente ao interior, ouvi o generoso ancião recomendar, carinhoso:

— Guardem nosso tutelado no pavilhão da direita. Esperam agora por mim. Amanhã cedo voltarei a vê-lo.

4 Enderecei-lhe um olhar de gratidão, ao mesmo tempo que era conduzido a confortável aposento de amplas proporções, ricamente mobilado, onde me ofereceram leito acolhedor.

5 Envolvendo os dois enfermeiros na vibração do meu reconhecimento, esforcei-me por lhes dirigir a palavra, conseguindo dizer por fim:

— Amigos, por quem sois, explicai-me em que novo mundo me encontro… De que estrela me vem, agora, esta luz confortadora e brilhante?

6 Um deles afagou-me a fronte, como se fora conhecido pessoal de longo tempo e acentuou:

— Estamos nas Esferas espirituais vizinhas da Terra, e o Sol que nos ilumina, presentemente, é o mesmo que nos provia o corpo físico. Aqui, entretanto, nossa percepção visual é muito mais rica. 7 A estrela que o Senhor acendeu para os nossos trabalhos terrestres é mais preciosa e bela do que a supomos quando no Círculo carnal. 8 Nosso Sol é a divina matriz da vida, e a claridade que irradia provém do Autor da Criação.

9 Meu ego, como que absorvido em onda de infinito respeito, fixou a luz branda que invadia o quarto, através das janelas, e perdi-me no curso de profundas cogitações. 10 Recordei, então, que nunca fixara o Sol, nos dias terrestres, meditando na imensurável bondade d’Aquele que no-lo concede para o caminho eterno da vida. Semelhava-me assim ao cego venturoso, que abre os olhos para a Natureza sublime, depois de longos séculos de escuridão.

11 A essa altura, serviram-me caldo reconfortante, seguido de água muito fresca, que me pareceu portadora de fluidos divinos. Aquela reduzida porção de líquido reanimava-me inesperadamente. Não saberia dizer que espécie de sopa era aquela; se alimentação sedativa, se remédio salutar. Novas energias amparavam-me a alma, profundas comoções vibravam-me no espírito.


2. Minha maior emoção, todavia, reservava-se para instantes depois.

2 Mal não saíra da consoladora surpresa, divina melodia penetrou quarto a dentro, parecendo suave colmeia de sons a caminho das Esferas superiores. Aquelas notas de maravilhosa harmonia atravessavam-me o coração. Ante meu olhar indagador, o enfermeiro, que permanecia ao lado, esclareceu, bondoso:

— É chegado o crepúsculo em “Nosso Lar”. Em todos os núcleos desta colônia de trabalho, consagrada ao Cristo, há ligação direta com as preces da Governadoria.

3 E enquanto a música embalsamava o ambiente, despediu-se, atencioso:

— Agora, fique em paz. Voltarei logo após a oração.

4 Empolgou-me ansiedade súbita.

— Não poderei acompanhar-vos? — Perguntei, suplicante.

— Está ainda fraco, — esclareceu, gentil, — todavia, caso sinta-se disposto…

5 Aquela melodia renovava-me as energias profundas. Levantei-me vencendo dificuldades e agarrei-me ao braço fraternal que se me estendia. Seguindo vacilante, cheguei a enorme salão, onde numerosa assembleia meditava em silêncio, profundamente recolhida. 6 Da abóbada cheia de claridade brilhante, pendiam delicadas e flóreas guirlandas, que vinham do teto à base, formando radiosos símbolos de Espiritualidade Superior. 7 Ninguém parecia dar conta da minha presença, ao passo que mal dissimulava eu a surpresa inexcedível. Todos os circunstantes, atentos, pareciam aguardar alguma coisa. 8 Contendo a custo numerosas indagações que me esfervilhavam na mente, notei que ao fundo, em tela gigantesca, desenhava-se prodigioso quadro de luz quase feérica. 9 Obedecendo a processos adiantados de televisão, surgiu o cenário de templo maravilhoso. Sentado em lugar de destaque, um ancião coroado de luz fixava o Alto, em atitude de prece, envergando alva túnica de irradiações resplandecentes. 10 Em plano inferior, setenta e duas figuras pareciam acompanhá-lo em respeitoso silêncio. Altamente surpreendido, reparei Clarêncio participando da assembleia, entre os que cercavam o velhinho refulgente.

11 Apertei o braço do enfermeiro amigo, e, compreendendo ele que minhas perguntas não se fariam esperar, esclareceu em voz baixa, que mais se assemelhava a leve sopro:

— Conserve-se tranquilo. Todas as residências e instituições de “Nosso Lar” estão orando com o Governador, através da audição e visão a distância. Louvemos o Coração Invisível do Céu.

12 Mal terminara a explicação, as setenta e duas figuras começaram a cantar harmonioso hino, repleto de indefinível beleza. A fisionomia de Clarêncio, no círculo dos veneráveis companheiros, figurou-se-me tocada de mais intensa luz. O cântico celeste constituía-se de notas angelicais, de sublimado reconhecimento. 13 Pairavam no recinto misteriosas vibrações de paz e de alegria e, quando as notas argentinas fizeram delicioso staccato, desenhou-se ao longe, em plano elevado, um coração maravilhosamente azul, n com estrias douradas. Cariciosa música, em seguida, respondia aos louvores, procedente talvez de Esferas distantes. 14 Foi aí que abundante chuva de flores azuis se derramou sobre nós; mas, se fixávamos os miosótis celestiais, não conseguíamos detê-los nas mãos. As corolas minúsculas desfaziam-se de leve, ao tocar-nos a fronte, experimentando eu, por minha vez, singular renovação de energias ao contato das pétalas fluídicas que me balsamizavam o coração.

15 Terminada a sublime oração, regressei ao aposento de enfermo, amparado pelo amigo que me atendia de perto. Entretanto, não era mais o doente grave de horas antes. A primeira prece coletiva, em “Nosso Lar”, operara em mim visceral transformação. Conforto inesperado envolvia-me a alma. 16 Pela primeira vez, depois de anos consecutivos de sofrimento, o pobre coração, saudoso e atormentado, à maneira do cálice muito tempo vazio, enchera-se de novo das gotas generosas do licor da esperança.


André Luiz



[1] Imagem simbólica formada pelas vibrações mentais dos habitantes da colônia. — NOTA DO AUTOR ESPIRITUAL.


Texto extraído da 1ª edição desse livro.

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