O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão
Doutrina espírita - 2ª parte.

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Nosso Lar — André Luiz


1

Nas zonas inferiores

(Sumário)

1. Eu guardava a impressão de haver perdido a ideia de tempo. A noção de espaço esvaíra-se-me de há muito. 2 Estava convicto de não mais pertencer ao número dos encarnados no mundo e, no entanto, meus pulmões respiravam a longos haustos.

3 Desde quando me tornara joguete de forças irresistíveis? Impossível esclarecer.

4 Sentia-me, na verdade, amargurado duende nas grades escuras do horror. Cabelos eriçados, coração aos saltos, medo terrível senhoreando-me, muita vez gritei como louco, implorei piedade e clamei o doloroso desânimo que me subjugava o espírito; 5 mas, quando o silêncio implacável não me absorvia a voz estentórica, lamentos mais comovedores que os meus respondiam-me aos clamores. 6 Outras vezes gargalhadas sinistras rasgavam a quietude ambiente. Algum companheiro desconhecido estaria, a meu ver, prisioneiro da loucura.  7 Formas diabólicas, rostos alvares, expressões animalescas surgiam, de quando a quando, agravando-me o assombro. 8 A paisagem, quando não totalmente escura, parecia banhada de luz alvacenta, como que amortalhada em neblina espessa, que os raios de Sol aquecessem de muito longe.

9 E a estranha viagem prosseguia… Com que fim? Quem o poderia dizer? Apenas sabia que fugia sempre… O medo me impelia de roldão. Onde o lar, a esposa, os filhos? Perdera toda a noção de rumo. 10 O receio do ignoto, o pavor da treva, absorviam-me todas as faculdades de raciocínio, logo que me desprendera dos últimos laços físicos, em pleno sepulcro!

11 Atormentava-me a consciência: preferiria a ausência total da razão, o não-ser.

12 De início, as lágrimas lavavam-me incessantemente o rosto e apenas, em minutos raros, felicitava-me a bênção do sono. Interrompia-se, porém, bruscamente, a sensação de alívio. Seres monstruosos acordavam-me, irônicos; era imprescindível fugir deles.


2. Reconhecia, agora, a Esfera diferente a erguer-se da poalha do mundo e, todavia, era tarde. Pensamentos angustiosos atritavam-me o cérebro. Mal delineava projetos de solução, incidentes numerosos impeliam-me a considerações estonteantes. 2 Em momento algum, o problema religioso surgiu tão profundo a meus olhos. Os princípios puramente filosóficos, políticos e científicos, figuravam-se-me agora extremamente secundários para a vida humana. Significavam, a meu ver, valioso patrimônio nos planos da Terra, mas urgia reconhecer que a humanidade não se constitui de gerações transitórias e sim de Espíritos eternos, a caminho de gloriosa destinação. 3 Verificava que alguma coisa permanece acima de toda cogitação meramente intelectual. Esse algo é a fé, manifestação divina ao homem. Semelhante análise surgia, contudo, tardiamente. 4 De fato, conhecia as letras do Velho Testamento e muita vez folheara o Evangelho; entretanto, era forçoso reconhecer que nunca procurara as letras sagradas com a luz do coração. Identificava-as através da crítica de escritores menos afeitos ao sentimento e à consciência, ou em pleno desacordo com as verdades essenciais. Noutras ocasiões, interpretava-as com o sacerdócio organizado, sem sair jamais do círculo de contradições, onde estacionara voluntariamente.


3. Em verdade, não fora um criminoso, no meu próprio conceito. A filosofia do imediatismo, porém, absorvera-me. A existência terrestre, que a morte transformara, não fora assinalada de lances diferentes da craveira comum.

2 Filho de pais talvez excessivamente generosos, conquistara meus títulos universitários sem maior sacrifício, compartilhara os vícios da mocidade do meu tempo, organizara o lar, conseguira filhos, perseguira situações estáveis que garantissem a tranquilidade econômica do meu grupo familiar, mas, examinando atentamente a mim mesmo, algo me fazia experimentar a noção de tempo perdido, com a silenciosa acusação da consciência. 3 Habitara a Terra, gozara-lhe os bens, colhera as bênçãos da vida, mas não lhe retribuíra ceitil do débito enorme. Tivera pais, cuja generosidade e sacrifícios por mim nunca avaliei; esposa e filhos que prendera, ferozmente, nas teias rijas do egoísmo destruidor. 4 Possuíra um lar que fechei a todos os que palmilhavam o deserto da angústia. Deliciara-me com os júbilos da família, esquecido de estender essa bênção divina à imensa família humana, surdo a comezinhos deveres de fraternidade.

5 Enfim, como a flor de estufa, não suportava agora o clima das realidades eternas. Não desenvolvera os germes divinos que o Senhor da Vida colocara em minh’alma. Sufocara-os, criminosamente, no desejo incontido de bem-estar. 6 Não adestrara órgãos para a vida nova. Era justo, pois, que aí despertasse à maneira de aleijado que, restituído ao rio infinito da eternidade, não pudesse acompanhar senão compulsoriamente a carreira incessante das águas; ou como mendigo infeliz, que, exausto em pleno deserto, perambula à mercê de impetuosos tufões.

7 Oh! Amigos da Terra! Quantos de vós podereis evitar o caminho da amargura com o preparo dos campos interiores do coração? Acendei vossas luzes antes de atravessar a grande sombra. Buscai a verdade, antes que a verdade vos surpreenda. Suai agora para não chorardes depois.


André Luiz


Texto extraído da 1ª edição desse livro.

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