1.
No caminho de volta procuramos, Hilário e eu, movimentar a conversação,
no sentido de recolher da palavra de nosso orientador alguma lição a
respeito da fixação mental.
2 Muita vez, anotara o fenômeno,
buscando estudá-lo, entretanto, para colaborar com o amigo, mais novo
que eu nos serviços da Espiritualidade, aderi ao assunto, animando-o
com o melhor interesse.
3 Meu colega, sem disfarçar
o espanto que lhe assomara à alma, desde a manifestação do estrangulador
da Toscana, n
falou preocupado:
4 — Sinceramente, por mais
me esforce, grande é a minha dificuldade para penetrar os enigmas da
cristalização do Espírito em torno de certas situações e sentimentos.
Como pode a mente deter-se em determinadas impressões, demorando-se
nelas, como se o tempo para ela não caminhasse? Tomemos, por exemplo,
o drama de nosso infortunado companheiro, há séculos imobilizado nas
ideias de vingança… Estará nessa posição lamentável, por tantos anos,
sem ter reencarnado?
5 Áulus ouviu com atenção
e ponderou:
— É imprescindível compreender que, depois da morte no corpo físico, prosseguimos
desenvolvendo os pensamentos que cultivávamos na experiência carnal.
E não podemos esquecer que a Lei traça princípios universais que não
podemos trair. Subordinados à evolução, como avançar sem lhe acatarmos
a ordem de harmonia e progresso? 6
A ideia fixa pode operar a indefinida estagnação da vida mental no tempo.
2.
Simbolizemos o estágio da alma, na Terra, através da reencarnação, como
sendo valiosa linha de frente, na batalha pelo aperfeiçoamento individual
e coletivo, batalha em que o coração deve armar-se de ideias santificantes
para conquistar a sublimação de si mesmo, a mais alta vitória. 2
A mente é o soldado em luta. Ganhando denodadamente o combate em que
se empenhou, tão logo seja conduzida às aferições da morte sobe verticalmente
para a vanguarda, na direção da Esfera Superior, expressando-se-lhe
o triunfo por elevação de nível. 3
Entretanto, se fracassa, e semelhante perda é quase sempre a resultante
da incúria ou da rebeldia, volta horizontalmente, nos acertos da morte,
para a retaguarda, onde se confunde com os desajustados de toda espécie,
para indeterminado período de tratamento. 4
Em qualquer frente de luta terrestre, a retaguarda é a faixa atormentada
dos neuróticos, dos loucos, dos mutilados, dos feridos e dos enfermos
de toda casta.
5 Ante o interesse com que
lhe ouvíamos a exposição, Áulus prosseguiu, depois de ligeira pausa:
— Decerto, as legiões vitoriosas não se esquecem dos que permaneceram no desequilíbrio e daí vemos as missões de amor e renúncia, funcionando diligentes onde estacionam a desarmonia e a dor.
3.
— E o problema da imobilização da alma? — Tornou meu colega, ávido de
saber.
2 O interpelado sorriu e considerou:
— Em nossa imagem, podemos defini-la com a propriedade possível. 3 É que o tempo, para nós, é sempre aquilo que dele fizermos. Para melhor compreensão do assunto, lembremo-nos de que as horas são invariáveis no relógio, mas não são sempre as mesmas em nossa mente. 4 Quando felizes, não tomamos conhecimento dos minutos. Satisfazendo aos nossos ideais
ou interesses mais íntimos, os dias voam céleres, ao passo que, em companhia
do sofrimento e da apreensão, temos a ideia de que o tempo está inexoravelmente
parado. 5 E quando
não nos esforçamos por superar a câmara lenta da angústia, a ideia aflitiva
ou obcecante nos corrói a vida mental, levando-nos à fixação. Chegados
a essa fase, o tempo como que se cristaliza dentro de nós, porque passamos
a gravitar, em Espírito, em torno do ponto nevrálgico de nosso desajuste.
6 Qualquer grande perturbação
interior, chame-se paixão ou desânimo, crueldade ou vingança, ciúme
ou desespero, pode imobilizar-nos por tempo indefinível em suas malhas
de sombra, quando nos rebelamos contra o imperativo de marcha incessante
com o Sumo Bem. 7 Analisemos
ainda o nosso símbolo do combate. O relógio inflexível assinala o mesmo
horário para todos, entretanto, o tempo é leve para os que triunfaram
e pesado para os que perderam. Com os vencedores, os dias são felicidade
e louvor e com os vencidos são amargura e lágrimas. 8
Quando nos não desvencilhamos dos pensamentos de flagelação e derrota,
através do trabalho constante pela nossa renovação e progresso, transformamo-nos
em fantasmas de aflição e desalento, mutilados em nossas melhores esperanças
ou encafurnados em nossas chagas íntimas. 9
E quando a morte nos surpreende nessas condições, acentuando-se-nos
então a experiência subjetiva, se a alma não se dispõe ao esforço heroico
da suprema renúncia, com facilidade emaranha-se nos problemas da fixação,
atravessando anos e anos, e por vezes séculos na repetição de reminiscências
desagradáveis, das quais se nutre e vive. 10
Não se interessando por outro assunto a não ser o da própria dor, da
própria ociosidade ou do próprio ódio, a criatura desencarnada, ensimesmando-se,
é semelhante ao animal no sono letárgico da hibernação. Isola-se do
mundo externo, vibrando tão somente ao redor do desequilíbrio oculto
em que se compraz. Nada mais ouve, nada mais vê e nada mais sente, além
da esfera desvairada de si mesma.
4.
Revestia-se o assunto de imenso interesse para minhas observações pessoais.
2 Em muitas ocasiões, sondara
de perto as consciências que dormitam, após a morte, quais múmias espirituais. n
E lembrei-as ao Assistente, que nos disse, atencioso:
3 — Sim, a mente estacionária
na deserção da Lei, durante o repouso habitual em que se imobiliza,
além do túmulo, sofre angustiosos pesadelos, despertando quase sempre
em plena alienação, que pode persistir por muito tempo, cultivando apaixonadamente
as impressões em que julga encontrar a própria felicidade.
4 — E qual o remédio mais
adequado à situação? — Inquiri, respeitoso.
— Muitas dessas almas desorientadas, — comentou o instrutor, — por
fim se entediam do mal e procuram a regeneração por si mesmas, 5
ao passo que outras, em nossas tarefas de assistência, acordam para
as novas responsabilidades que lhes competem no próprio reajuste. São
os soldados feridos buscando corresponder às missões de amor que lhes
visitam o pouso de restauração. Entendem o impositivo da luta dignificante
a que foram chamados e, ajudando aos que os ajudam, regressam ao bom
combate, em cujas linhas se acomodam com o serviço que lhes é possível
desempenhar. 6 Outras,
porém, recalcitrantes e inconformadas, são docemente constrangidas ao
retorno à batalha para que se desvencilhem da prostração a que se recolheram.
A experiência no corpo de carne, em posição difícil, é semelhante a
um choque de longa duração, em que a alma é convidada a restabelecer-se.
Para isso, tomamos o concurso de afeições do interessado que o asilam
no templo familiar.
7 — Mas, nesses casos,
a reencarnação será compulsória, assim como um ato de violência? — Perguntou
Hilário com atenção.
— Que fazemos na Terra, — disse o Assistente, — quando surge um louco em nossa
casa? Não passamos a assumir a responsabilidade do tratamento? Aguardaremos
qualquer resolução do alienado mental, no que tange às medidas indispensáveis
à restauração do seu equilíbrio? 8
É certo que nos cabe o dever de honrar a consciência livre, capaz de
decidir por si mesma nos variados problemas da luta evolutiva, entretanto,
à frente do irmão irresponsável e enfermo, a nossa colaboração significa
amizade fiel, ainda que essa colaboração expresse doloroso processo
de reequilíbrio em seu favor.
9 Após ligeira pausa, continuou:
— A reencarnação, em tais circunstâncias, é o mesmo que conduzir o doente inerte a certa máquina de fricção para o necessário despertamento. Intimamente justaposta ao campo celular, a alma é a feliz prisioneira do equipamento físico, no qual influencia o mundo atômico e é por ele influenciada, sofrendo os atritos que lhe objetivam a recuperação.
Os significativos apontamentos convidavam-nos a meditar e aprender.
10 Impressionado, considerei:
— Em virtude de semelhantes fixações, é que vemos entidades padecendo deplorável amnésia. Quando se comunicam com os irmãos encarnados, não conservam exata lembrança senão dos assuntos em que se lhes encravam as preocupações e, quando permutam impressões conosco, assemelham-se a psicósicos renitentes…
— Isso mesmo. Por esse motivo, requerem habitualmente grande carinho em nosso trato pessoal.
11 — E quando encaminhadas
à reencarnação, no desajuste em que se veem, essas criaturas tornam
à realidade, de súbito? — Perguntei com interesse.
— Nem sempre.
12 E imprimindo novo entono
à voz, o Assistente continuou:
— Na maioria das vezes, o soerguimento é vagaroso. Podemos comprovar
isso no estudo das crianças retardadas, que exprimem dolorosos enigmas
para o mundo… Somente o extremado amor dos pais e dos familiares consegue
infundir calor e vitalidade a esses entezinhos que, não raro, se demoram
por muitos anos na matéria densa, como apêndices torturados da sociedade
terrestre, curtindo sofrimentos que parecem injustificáveis e estranhos
e que constituem para eles a medicação viável. 13
É possível auscultar ainda a verdade de nossa assertiva, nos chamados
esquizofrênicos e nos paranoicos que perderam o senso das proporções,
situando-se em falso conceito de si mesmos. 14
Quase todas as perturbações congeniais da mente, na criatura reencarnada,
dizem respeito a fixações que lhe antecederam a volta ao mundo. E, em
muitos casos, os Espíritos enleados nesses óbices seguem do berço ao
túmulo em recuperação gradativa, experimentando choques benéficos, através
das terapêuticas humanas e das exigências domésticas, das imposições
dos costumes e dos conflitos sociais, deles retirando as vantagens do
que podemos considerar por “extroversão” indispensável à cura das psicoses
de que são portadores.
15 A conversação era instrutiva
e sugeria-nos importantes estudos, entretanto, serviços outros aguardavam
o Assistente, motivo por que a interrompemos.
André Luiz
[1] [Estrangulador da Toscana — Vide o capítulo 23, item 2.]
[2] [Múmias espirituais — Vide: Os Mensageiros, capítulo 22, item 1: “Os que dormem”.]