1 Ah! Dirceu, não poderia contar-lhe o que então se passou.
2 O sono sem sonhos durou apenas algumas poucas horas, porque estranho pesadelo passou a dominar-me inteiramente. Parecia-me vaguear numa atmosfera obscura e indefinível.
3 Sentia que mamãe se debruçava sobre mim, pronunciando meu nome, angustiadamente. Observava-lhe as mãos ansiosas, tateando-me o rosto e os cabelos. Ouvia-lhe os gritos de dor, mas debalde procurava acordar e tomar conta de mim próprio.
4 Sofri muito em semelhantes momentos de incerteza e aflição. Valeu-me Tia Eunice, que me amparava cuidadosamente.
5 Pouco a pouco, ao mesmo tempo que me sentia enlaçado nos chamamentos de mamãe, tive a ideia de que uma força superior me arrastava da cama, devagarinho.
6 Compreendi que me encontrava agarrado a substâncias pegajosas, como o passarinho preso ao visgo. Notei, todavia, que alguém me libertava, despojando-me de um fardo, como acontece ao desfazer-nos da roupa comum…
7 Desde então, apesar de prosseguir na mesma atmosfera de sonho, não mais senti as mãos de mamãe, mas somente as de Tia Eunice, que me aconchegou ao coração.
— “Vamos, Carlinhos!” — ouvi-a, distintamente.
8 Retiramo-nos para a porta de saída. Nossa tia pareceu-me bastante interessada em afastar-se comigo, apressadamente.
9 Lá fora, o luar deslumbrava. Respirei o ar perfumado e fresco da noite, como quem recebia verdadeira bênção celestial.
10 Haviam decorrido tantos dias em que me esforçava sem melhoras! Tia Eunice carregava-me nos braços, carinhosamente, como se eu fora pequenina criança. Contudo, embora não conseguisse coordenar meus pensamentos com exatidão, espantei-me ao reconhecer que nos afastávamos do solo.
11 Embalado pela carícia do vento brando, não sabia que mais admirar se a melhora que sobreviera, de súbito, se a beleza da noite, embalsamada de aroma e maravilhosa de luz.
12 Meu contentamento não tinha limites. Estava fraco, vencido, incapaz de falar alguma coisa, mas sentia-me transportado da Terra para uma festa nas estrelas.
13 De quando em quando, Tia Eunice pousava em mim os olhos doces e amigos e eu sorria em resposta, contente e agradecido pela bênção de respirar sem cansaço e sem dor.
14 Os caminhos aéreos, repletos de luar, surpreendiam-me os olhos espantados.
15 Então, as impressões de sonho foram mais nítidas em mim. Estava certo de que tudo não passava de fantasia e de que tornaria a casa, despertando, novamente, no leito habitual.
Carlos
Neio Lúcio