Neste período medieval em que nos encontramos, caro leitor, vamos retornar algumas décadas, do fim do reinado de D. Fernando, ( † ) em 1383, ao início do século XIV.
Estamos no fulgor da dinastia afonsina, ( † ) com o governo de D. Dinis ( † ) e sua esposa Isabel, a Rainha Santa. ( † )
São personagens fundamentais da nossa história. É necessário que sobre eles nos detenhamos um pouco:
O rei, por ter lançado, com sua sabedoria e inspiração, as bases da expansão além-mar e a consequente descoberta do Brasil, Pátria do Cruzeiro, além de plantar em Portugal as venturosas bênçãos da paz e da cultura.
A rainha, por ter exemplificado ao povo peninsular as lições de Jesus e, no episódio de Inês, ( † ) por proporcionar-lhe e aos demais envolvidos, em sua tocante dor, a perspectiva da redenção espiritual e do perdão.
Dom Dinis foi o sexto monarca da dinastia dos Afonsos. Sucedeu a seu pai, Afonso III, ( † ) reinando de 1279 a 1325, quando faleceu em Santarém, deixando em seu lugar o filho legítimo Afonso IV. ( † )
Assumiu D. Dinis o trono aos 18 anos, denotando, de início, rara visão administrativa, enriquecida pela precoce participação junto ao pai nos negócios da nação.
Sua formação intelectual foi sólida, mercê da acurada colaboração de mestres franceses e patrícios, que o introduziram no conhecimento dos assuntos medievais e nas letras.
Em 1282, casa-se com Isabel de Aragão, a rainha que viria a ser consagrada santa. Atenua as desavenças, aliás crônicas, com a vizinha Castela, ( † ) aproximando mais tarde as duas casas reais com a união de seus filhos Constança ( † ) e Afonso IV, ( † ) respectivamente com Fernando IV ( † ) e sua irmã, Beatriz de Castela. ( † )
A partir de 1309, também com o clero conflitante estabelece relações mais tranquilas. Homem sensível às artes, criou a Universidade de Coimbra ( † ) em 1290, instalando-a no início do século seguinte.
Contemporizador, não agiu em Portugal como procedeu Felipe, ( † ) o Belo, na França, que se apossou do espólio dos Templários, ( † ) ordem extinta em 1312 pelo papa Clemente V. ( † )
A Ordem dos Cavaleiros do Templo, os Templários, e as outras ordens de caráter religioso-militar prestaram importantes serviços aos reis e à Igreja, embora, à época de D. Dinis, já estivessem em declínio.
Em Portugal, D. Dinis destinou à adrede criada Ordem do Cristo ( † ) os bens dos Templários, cujos objetivos militares se haviam arrefecido no tempo.
Podemos assim resumir os atributos de D. Dinis na administração pública:
— Inteligência na defesa do Estado.
— Preocupação com a economia, os incentivos agrícolas e o estímulo ao comércio, à marinha e, de modo especial, à cultura.
Suas deslocações pelo país, por meio das chamadas cortes itinerantes, permitiam-lhe tomar decisões mais eficazes em benefício das populações que visitava.
Fixou no campo grande número de famílias, prestigiou os fidalgos ocupados na lavoura e entregou terras recuperáveis ao cultivo das populações mais simples.
Semeou o pinhal de Leiria ( † ) — imensas colinas e planuras vizinhas ao mar, recobertas de pinheiros — com o objetivo de impedir o avanço das dunas sobre o interior e preparar o insumo para as construções navais dos futuros desbravamentos marítimos.
Desenvolveu o comércio interno e o externo, estimulando o tráfego com os portos mais próximos do Atlântico.
E, para ensinar navegação aos portugueses, contratou o genovês Pezagno, ( † ) o almirante Peçanha, que foi fundamental na formação de marinheiros que haveriam de sensibilizar a Europa com as descobertas do infante D. Henrique ( † ) — filho do Mestre de Avis ( † ) e fundador da célebre Escola de Sagres, em princípios do século XV.
Foi D. Dinis um predecessor das façanhas náuticas glorificadas por Camões. ( † ) Reconstruiu castelos destruídos, muralhas carcomidas pelo tempo e drenou pântanos nas vizinhanças de Leiria, ( † ) distribuindo as várzeas saneadas a famílias de colonos pobres.
Na literatura, é considerado um dos maiores líricos entre os coevos da Península e o mais inspirado de Portugal no período trovadoresco, daí ser chamado o Rei-Poeta.
Ordenou que os textos tabeliônicos se escrevessem no idioma comum do país, eliminando a prática tradicional de serem anotados em latim. n Inspirou a tradução de importantes obras literárias para o português.
D. Dinis faleceu em Santarém, a 7 de janeiro de 1325, com 64 anos incompletos, reinando por quase meio século.
Devem-lhe muito os reinados seguintes da dinastia afonsina, bem como das dinastias que se lhe sucederam, posto que seu lúcido discernimento político-administrativo definiu, de modo claro e seguro, os caminhos futuros a serem percorridos por Portugal.
Caio Ramacciotti
[1] [Os registros mais antigos que sobreviveram de uma língua portuguesa distinta são documentos notariais (ou tabeliônicos) do século IX, ainda entremeados com muitas frases em latim notarial.] ( † )