Quais as aparentes razões que levaram D. Afonso IV ( † ) a intervir na vida afetiva do filho de modo tão violento, desconcertando, de início, até Diogo Lopes Pacheco, ( † ) conselheiro real e um dos partidários da tese de que Inês deveria ser eliminada?
Como já foi ponderado, são efetivamente razões de Estado.
Sabemos que Pedro não era casado com Inês de Castro. ( † ) Unira-se a ela depois do falecimento de sua esposa, Constança Manoel. ( † )
Em outro capítulo, falaremos mais desta nobre senhora, que afrontou em vida os amores do marido, sem exprobar-lhe o comportamento.
No momento, é importante lembrar que da união entre Pedro e Constança nascera o futuro delfim: Fernando, ( † ) filho varão do príncipe herdeiro.
Pois bem, havia a preocupação com o fato de D. Pedro ( † ) e Inês terem filhos, e de o mais velho, João, ( † ) poder ser guindado à condição de herdeiro em detrimento de Fernando, cujo assassínio imaginavam alguns conselheiros de Afonso IV ser até possível, hipótese que o tempo mostrou não ter sentido algum.
A partir de 1357, assumindo o poder real, Pedro jamais contestou a sua natural substituição por Fernando, que ademais era também seu filho.
Voltando às razões alegadas para a morte de Inês, em decorrência de sua origem galega, eram sim mais consistentes as preocupações com os liames entre Pedro e Castela, ( † ) povo vizinho de língua castelhana.
Temia D. Afonso IV que o príncipe herdeiro jogasse por terra a independência conquistada com tantas lutas, desde os tempos de Pelágio ( † ) e mantida com coerência pelos bravos herdeiros de Afonso Henriques, ( † ) o fundador da dinastia afonsina no século XII.
No entanto, os princípios da realeza e as regras que definiam a substituição do rei eram respaldados na longa experiência das dinastias merovíngea ( † ) e carolíngea ( † ) na França e consolidados na hierarquia dos capetos. ( † ) Dificultavam qualquer contestação quanto à natural sucessão do trono.
Esses princípios e regras faziam parte da estrutura de poder que definiu nos povos de então, mormente na Europa Ocidental, as bases do seu nacionalismo e seus limites geográficos.
Além da já descrita preocupação de Afonso IV com a vida do neto, Fernando, vamos arrolar outras razões consideradas:
As ligações de Pedro com os irmãos de Inês
Afonso IV temia que, no futuro, D. Fernando Ruiz de Castro ( † ) e D. Álvaro Pires de Castro, ( † ) amigos do filho, ocupassem algum posto de relevância na administração real, o que poderia comprometer, na sua visão, a independência de Portugal.
Realmente a solidariedade dos difíceis momentos que envolveram a morte de Inês levou D. Pedro a prestigiar os cunhados em seu reinado, de modo especial Álvaro Pires de Castro, posto que o irmão tenha se dedicado às questões castelãs até o fim de seus dias.
Aliás, Álvaro, anos mais tarde, seria designado 1º condestável do reino n por Fernando ( † ) — filho e sucessor de D. Pedro, ( † ) sem que nada pudesse fazer D. Afonso IV, já há muito falecido…
Adesão do infante à sedição contra D. Pedro I de Castela
Estudiosos observam que teria irritado o rei português a suposta adesão de Pedro, ( † ) em 1354, ao projeto de assumir o trono castelão em substituição ao sobrinho, também de nome Pedro, ( † ) neto de Afonso IV, que enfrentava difícil crise de governo. Cogita-se que o príncipe apoiaria a ideia defendida por um grupo de nobres de ambos os reinos.
Seu intento improvável de reivindicar Castela acabaria sepultado, entre outras razões, pela firme posição do pai e pela morte do primo João Afonso de Albuquerque, ( † ) um dos líderes da revolta, envenenado no mesmo ano (1354), portanto antes da execução de Inês.
Por que então matar a bela galega, que vivia para os filhos queridos ainda tão pequenos, se a amotinação supostamente endossada por Pedro fracassara?
Casamento de Pedro de Castela com Joana de Castro
Argumenta-se, sem respaldo histórico, que o infeliz casamento, celebrado entre Pedro de Castela ( † ) e a irmã de Inês, Joana de Castro, em 1354, seria mais um complicador na política da Península Ibérica. Aumentaria a influência dos Castro em Portugal.
O enlace pouco durou.
Descontentamento de assessores de D. Afonso IV
Teria alguma consistência, como fator de contribuição à tragédia medieval, a posição de alguns conselheiros do rei, que temiam, com a ascensão de Pedro e a influência dos irmãos de Inês de Castro em seu governo, a perda das posições e dos títulos que conquistaram à sombra de Afonso IV.
Pedro, reservado, pouco comunicativo, não inspirava confiança ao pai, a despeito de sua longa preparação para substituí-lo quando o determinasse a Providência Divina — dava-se na época particular atenção à formação dos príncipes, em especial dos herdeiros, já que deveriam estar aptos desde jovens para a sucessão real.
O que ocorreu foi um somatório de fatores que envolveram e levaram o Rei Bravo a perpetrar o episódio de 7 de janeiro de 1355.
Mas não podemos deixar de considerar possíveis razões de natureza espiritual, que nos conduzem a profunda reflexão:
Inês imolou-se pelo seu espírito missionário, voltado à causa de Jesus, ou por algum compromisso do passado?
Penso que por missão redentora para auxiliar, com sua renúncia, almas ainda envolvidas em difíceis compromissos cármicos.
Inês, em verdade, trazia no espírito a certeza do que ocorreria, como relata em sugestiva mensagem que consta do livro, na qual evidencia graves apreensões sobre seu futuro em Portugal.
A intuitiva preocupação de Afonso IV, com relação ao filho, não aconteceu, mas ocorreria bem mais tarde, no fim do reinado do neto, D. Fernando, ( † ) como o leitor pode observar no capítulo que se inicia na página 96.
O curto governo de Pedro surpreendeu e dissipou todas as dúvidas improcedentes que levaram Afonso IV a ordenar a decapitação da bela Inês.
Ao tomar essa infeliz decisão, acendeu D. Afonso IV a caldeira da revolta que enlutou por meses o já extenuado povo português.
A nação vinha desgastada pela peste, ( † ) pelos conflitos bélicos, então rotineiros, e pelo rigor da recente guerra aos mouros, particularmente marcada pela Batalha do Salado, ( † ) em que o gênio guerreiro de Afonso IV ( † ) socorreu Afonso Onzeno ( † ) de Castela, derrotando os sarracenos e expulsando-os da Península.
Caio Ramacciotti
Nota — O significado usual de condestável — maior autoridade militar do reino após o rei — foi aplicado inicialmente na França do século XIII e introduzido em Portugal, no ano de 1382, pelo filho legítimo e sucessor de D. Pedro, D. Fernando, ( † ) que, aliás, designou como 1º condestável o próprio irmão de Inês, Álvaro Pires de Castro. ( † )