1.
Notava, agora, a diferenciação do ambiente. Para nós outros, os desencarnados,
a atmosfera interior impregnava-se de elementos balsâmicos, regeneradores.
Cá fora, porém, o ar pesava. 2
Acentuara-se-me, sobremaneira, a hipersensibilidade, diante das emanações
grosseiras da rua. As lâmpadas elétricas semelhavam-se a globos pequeninos,
de luz muito pobre, isolados em sombra espessa.
3 Aspirando as novas correntes
de ar, observava a diferença indefinível. O oxigênio parecia tocado
de magnetismo menos agradável.
Compreendi, uma vez mais, a sublimidade da oração e do serviço da Espiritualidade superior, na intimidade das criaturas.
A prece, a meditação elevada, o pensamento edificante, refundem a atmosfera, purificando-a.
4 O instrutor interrompeu-me
as íntimas considerações, exclamando:
— A modificação, evidentemente, é inexprimível. Entre as vibrações
harmoniosas da paisagem interior, iluminada pela oração, e a via pública,
repleta de emanações inferiores, há diferenças singulares. 5
O pensamento elevado santifica a atmosfera em torno e possui propriedades
elétricas que o homem comum está longe de imaginar. 6
A rua, no entanto, é avelhantado repositório de vibrações antagônicas,
em meio de sombrios materiais psíquicos e perigosas bactérias de variada
procedência, em vista da maioria dos transeuntes lançar em circulação,
incessantemente, não só as colônias imensas de micróbios diversos, mas
também os maus pensamentos de toda ordem.
2.
Enquanto ponderava o ensinamento ouvido, reparei que muitos agrupamentos
de entidades infelizes e inquietas se postavam nas cercanias. 2
Faziam-se ouvir, através das conversações mais interessantes e pitorescas;
todavia, desarrazoadas e impróprias, nas menores expressões.
3 Alexandre indicou-me pequeno
grupo de desencarnados, que me pareceram em desequilíbrio profundo,
e falou:
— Aqueles amigos constituem a coorte quase permanente dos nossos companheiros encarnados, que voltam agora ao ninho doméstico.
— Quê? — Indaguei involuntariamente.
— Sim, — acrescentou o orientador cuidadoso, — os infelizes não têm permissão
para ingressar aqui, em sessões especializadas, como a desta noite.
4 Nas reuniões dedicadas
à assistência geral, podem comparecer. Hoje, entretanto, necessitávamos
socorrer os amigos para que o vampirismo de que são vítimas seja atenuado
em suas consequências prejudiciais.
5 Impressionou-me a excelência
de orientação. Tudo, naqueles trabalhos, obedecia à ordem preestabelecida.
Tudo estava calculado, programado, previsto.
3.
— Agora, — prosseguiu Alexandre, bem humorado, — repare a saída de
nossos colaboradores terrestres. Observe a maneira pela qual voltam,
instintivamente, aos braços das entidades ignorantes que os exploram.
2 Fiquei atento. Dispunham-se
todos a retirar do recinto, tranquilamente.
À porta, junto de nós, começaram as despedidas entre eles:
— Graças a Deus! — Exclamou uma senhora de maneiras delicadas, — fizemos nossas
preces em paz, com imenso proveito.
3 — Como me sinto melhor!
— Comentou uma das amigas mais idosas, — a sessão foi um alívio. Trazia
o espírito sobrecarregado de preocupações, mas, agora, sinto-me reconfortada,
feliz. Acredito que me retiraram pesadas nuvens do coração. Ouvindo
as orações e partilhando as tentativa de desenvolvimento para o serviço
ao próximo, grande é o socorro que recebemos! Ah! Como é generoso o nosso Jesus!
4 Um cavalheiro de porte distinto
adiantou-se, observando:
— O Espiritismo é o nosso conforto. Nossos compromissos são muito grandes, diante da verdade. E não é sem razão que o Senhor nos colocou nas mãos as lâmpadas sublimes da fé. Em torno de nossos passos, choram os sofredores, desviam-se os ignorantes no extenso caminho do mal. Dos Céus chegam até nós ferramentas de trabalho. É necessário servir, intensamente, transformando-nos em colaboradores fiéis da Revelação Nova!
5 — Exatamente! — Concordou uma das interlocutoras, comovida com a exortação, — temos
grandes obrigações, não devemos perder tempo. A doutrina confortadora
dos Espíritos é o nosso tesouro de luz e consolação. Oh! Meus amigos,
como necessitamos trabalhar! Jesus chama-nos ao serviço, é imprescindível
atender.
6 Reconhecendo os característicos
de gratidão e louvor da palestra, expressei sincera admiração, exaltando
a fidelidade dos cooperadores da casa. Demonstravam-se fervorosos na
fé, confiantes no futuro e interessados na extensão dos benefícios divinos,
considerando as dores e necessidades dos semelhantes.
7 Vendo-me as expressões encomiásticas,
Alexandre observou, sorrindo:
— Não se impressione. O problema não é de entusiasmo e sim de esforço
persistente. Não podemos dispensar as soluções vagarosas. Raros amigos
conseguem guardar uniformidade de emoção e idealismo nas edificações
espirituais. 8 Vai
para nove anos, com algumas interrupções, que me encontro em concurso
ativo nesta casa e, mensalmente, vejo desfilar aqui as promessas novas
e os votos de serviço. Ao primeiro embate com as necessidades reais
do trabalho, reduzido número de companheiros permanece fiel à própria
consciência. Nas horas calmas, grandes louvores. Nos momentos difíceis,
disfarçadas deserções, a pretexto de incompreensão alheia. 9
Sou forçado a dizer que, na maioria dos casos, nossos irmãos são prestativos
e caridosos com o próximo, em se tratando das necessidades materiais,
mas quase sempre continuam sendo menos bons para si mesmos, por se esquecerem
de aplicação da luz evangélica à vida prática. 10
Prometem excessivamente com as palavras, todavia, operam pouco no campo
dos sentimentos. Com exceções, irritam-se ao primeiro contato com a
luta mais áspera, após reafirmarem os mais sadios propósitos de renovação
e, comumente, voltando cada semana ao núcleo de preces, estão nas mesmas
condições, requisitando conforto e auxílio exterior. 11
Não é com facilidade que cumprem a promessa de cooperação com o Cristo,
em si próprios, base fundamental da verdadeira iluminação.
4.
Porque Alexandre silenciara, observei atenciosamente os circunstantes.
Ainda se achavam todos eles, os encarnados, irradiando alegria e paz,
colhidas na rápida convivência com os benfeitores invisíveis. Da fronte
de cada um, emanavam raios de espiritualidade surpreendente.
2 Num gesto significativo,
o instrutor esclareceu:
— Ainda se encontram eles sob as irradiações do banho de luz a que
se submeteram, através do serviço espiritual com a oração. 3
Se conseguissem manter semelhante estado mental, pondo em prática as
regras de perfeição que aprendem, comentam e ensinam, fácil lhes seria
atingir positivamente o nível superior da vida; entretanto, André, como
nós, que em outros tempos fomos inexperientes e frágeis, eles, agora,
ainda o são muito mais. 4
Cada hábito menos digno, adquirido pela alma no curso incessante dos
séculos, funciona qual entidade viva, no universo de sentimentos de
cada um de nós, compelindo-nos às regiões perturbadas e oferecendo elementos
de ligação com os infelizes que se encontram em nível inferior. Examine
os nossos amigos encarnados, com bastante atenção.
5 Contemplei-os com interesse.
Trocavam gentilmente as últimas saudações da noite, demonstrando luminosa
felicidade.
— Acompanhemos o grupo onde se encontra o nosso irmão mais fortemente
atacado pelas inquietações do sexo, — exclamou o orientador, proporcionando-me
valiosa experiência.
6 O rapaz, em companhia de
uma senhora idosa e de uma jovem, que logo percebi serem sua mãe e irmã,
punha-se de regresso ao lar.
Movimentamo-nos, seguindo-os de perto.
Alguns metros, além do recinto, onde se reuniam os companheiros de luta, o ambiente geral da via pública tornava-se ainda mais pesado.
7 Três entidades de sombrio aspecto, absolutamente cegas para com a nossa presença, em vista do baixo padrão vibratório de suas percepções, acercaram-se do trio sob nossa observação.
8 Encostou-se uma delas à senhora idosa e, instantaneamente, reparei que a sua fronte se tornava opaca, estranhamente obscura. Seu semblante modificou-se. Desapareceu-lhe o júbilo irradiante, dando lugar aos sinais de preocupação forte. Transfigurara-se de maneira completa.
9 — Oh! Meus filhos, — exclamou a genitora, que parecia paciente e bondosa, — por que motivo somos tão diferentes no decurso do trabalho espiritual? Quisera possuir, ao retirar-me de nossas orações coletivas, o mesmo bom ânimo, a mesma paz íntima. Isso, porém, não acontece. Ao retomar o caminho da luta prática, sinto que a essência das preleções evangélicas persevera dentro de mim, mas de modo vago, sem aquela nitidez dos primeiros minutos. Esforço-me sinceramente por manter a continuação do mesmo estado dalma; entretanto, algo me falta, que não sei definir com precisão.
10 Nesse momento, as duas outras entidades, que ainda se mantinham distanciadas, agarraram-se comodamente aos braços do rapaz, que ofereceu aos meus olhos o mesmo fenômeno. Embaciou-se-lhe a claridade mental e duas rugas de aflição e desalento vincaram-lhe as faces, que perderam aquele halo de alegria luminosa e confiante. Foi então que ele respondeu, em voz pausada e triste:
11 — É verdade, mamãe. Enormes são as nossas imperfeições. Creia que a minha situação é pior. A senhora experimenta ansiedade, amargura, melancolia… É bem pouco para quem, como eu, se sente vítima dos maus pensamentos. Casei-me há menos de oito meses, e, não obstante o devotamento da companheira, tenho o coração, por vezes, repleto de tentações descabidas. Pergunto a mim mesmo a razão de tais ideias estranhas e, francamente, não posso responder. A invencível atração para os ambientes malignos confunde-me o espírito, que sinto inclinado ao bem e à retidão de proceder.
12 — Quem sabe, mano, está você sob a influenciação de entidades menos esclarecidas? — Considerou a jovem, com boas maneiras.
— Sim, — suspirou o rapaz, — por isso mesmo, venho tentando o desenvolvimento da mediunidade, a fim de localizar a procedência de semelhante situação.
13 Nesse instante, o orientador murmurou, desveladamente:
— Ajudemos a este amigo através da conversação.
Sem perda de tempo, colocou a destra na fronte da menina, mantendo-a sob vigoroso
influxo magnético e transmitindo-lhe suas ideias generosas. Reparei
que aquela mão protetora, ao tocar os cabelos encaracolados da jovem,
expedia luminosas chispas, somente perceptíveis ao meu olhar. A menina,
a seu turno, pareceu mais nobre e mais digna em sua expressão quase
infantil e respondeu firmemente:
14 — Neste caso,
concordo em que o desenvolvimento mediúnico deve ser a última solução,
porque antes de enfrentar os inimigos, filhos da ignorância, deveríamos
armar o coração com a luz do amor e da sabedoria. Se você descobrisse
perseguidores invisíveis, em torno de suas atividades, como beneficiá-los
cristãmente, sem a necessária preparação espiritual? 15
A reação educativa contra o mal é sempre um dever nosso, mas antes de
cogitar dum desenvolvimento psíquico, que seria talvez prematuro, deveremos
procurar a elevação de nossas ideias e sentimentos. 16
Não poderíamos contar com uma boa mediunidade sem a consolidação dos
nossos bons propósitos; e para sermos úteis, nos reinos do Espírito,
cabe-nos aprender, em primeiro lugar, a viver espiritualmente, embora
estejamos ainda na carne.
17 A resposta, que constituíra
para mim valiosa surpresa, não provocou maior interesse em ambos os
interlocutores, quase neutralizados pela atuação dos vampiros habituais.
Mãe e filho deixavam perceber funda contrariedade, em face das definições ouvidas. A palavra da menina, cheia de verdadeira luz, desconcertava-os.
— Não tem você bastante idade, minha filha, — exclamou, contrafeita, a velha
genitora, — não pode, pois, opinar neste assunto.
18 E como boa cultivadora de
sofrimentos antigos, acentuou:
— Quando você atravessar os caminhos que meus pés já cruzaram, quando vierem as desilusões sem esperança, então observará como é difícil manter a paz e a luz no coração!
— E se algum dia, — falou o rapaz, melancólico, — experimentar as lutas
que já conheço, verá que tenho motivos de queixa contra a sorte e que
não me sobram outros recursos senão permanecer no círculo das indecisões
que me assaltam. Faço quanto posso por desvencilhar-me das ideias sombrias
e vivo a combater inesperadas tentações; no entanto, sinto-me longe
da libertação espiritual necessária. Não me falta vontade, mas…
19 Alexandre, que havia retirado
a destra de sobre a fronte da jovem, informou, atendendo-me à perplexidade:
— O amigo que se uniu à nossa irmã foi-lhe o marido terrestre, homem que não desenvolveu as possibilidades espirituais e que viveu em tremendo egoísmo doméstico. Quanto aos dois infelizes, que se apegam tão fortemente ao rapaz, são dois companheiros, ignorantes e perturbados, que ele adquiriu em contato com o meretrício.
20 Diante do meu espanto, o
instrutor prosseguiu, explicando:
— O ex-esposo não concebeu o matrimônio senão como união corporal para atender
conveniências vulgares da experiência humana e, em vista de haver passado
o tempo de aprendizado terreno sem ideais enobrecedores, interessado
em fruir todas as gratificações dos sentidos, não se sente com bastante
força para abandonar o círculo doméstico, onde a companheira, por sua
vez, somente agora, depois da desencarnação dele, começa a preocupar-se
pelos problemas concernentes à vida espiritual. 21
Quanto ao rapaz, de leviandade em leviandade, criou fortes laços com
certas entidades ainda atoladas no pântano de sensações do meretrício,
das quais se destacam, por mais perseverantes, as duas criaturas que
ora se lhe agarram, quase que integralmente sintonizadas com o seu campo
de magnetismo pessoal. O pobrezinho não acordou, quanto aos perigos que
o defrontavam, e tornou-se a presa inconsciente de afeiçoados que lhe
são invisíveis, tão fracos e viciados quanto ele próprio.
5.
— E não haverá recurso para libertá-los? indaguei, emocionado.
O orientador sorriu paternalmente e considerou:
— Mas quem deverá romper as algemas, senão eles mesmos? 2
Nunca lhes faltou o auxílio exterior de nossa amizade permanente; no
entanto, eles próprios alimentam-se uns aos outros, no terreno das sensações
sutis, absolutamente imponderáveis para os que lhes não possam sondar
o mecanismo íntimo. 3
É inegável que procuram, agora, os elementos de libertação. Aproximam-se
da fonte de esclarecimento elevado, sentem-se cansados da situação e
experimentam, efetivamente, o desejo de vida nova; contudo, esse desejo
é mais dos lábios que do coração, por constituir aspiração muito vaga,
quase nula. 4 Se, de
fato, cultivassem a resolução positiva, transformariam suas forças pessoais,
tornando-as determinantes, no domínio da ação regeneradora. Esperam,
porém, por milagres inadmissíveis e renunciam às energias próprias,
únicas alavancas da realização.
5 — Mas não poderíamos provocar
a retirada dos vampiros inconscientes? — Perguntei.
— Os interessados, — explicou Alexandre, a sorrir, — forçariam, por
sua vez, a volta deles. Já se fez a tentativa que você lembrou, no propósito
de beneficiá-los de modo indireto, mas a nossa irmã se declarou demasiadamente
saudosa do companheiro e o nosso amigo afirmou, intimamente, sentir-se
menos homem, interpretando humildade à conta de covardia e o desapego
aos impulsos inferiores por tédio destruidor. 6
Tanto expediram reclamações mentais que as suas atividades interiores
constituíram verdadeiras invocações; e, em vista do vigoroso magnetismo
do desejo constantemente alimentado, agregaram-se-lhes, de novo, os
companheiros infelizes.
7 — Mas vivem assim imantados
uns aos outros, em todos os lugares? — Indaguei.
— Quase sempre. Satisfazem-se, mutuamente, na permuta contínua das emoções e impressões mais íntimas.
8 Preocupado em fazer algum
bem, ponderei:
— Quem sabe poderíamos induzir estas entidades ao devido fortalecimento? Não será razoável doutriná-las, incentivando-as ao equilíbrio e ao respeito próprio?
— Semelhante recurso, — falou Alexandre, complacente, — não foi esquecido.
Essa providência vem sendo efetuada com a perseverança e o método precisos.
Todavia, tratando-se de um caso em que os encarnados se converteram
em poderosos ímãs de atração, a medida exige tempo e tolerância fraternal.
9 Temos grande número
de trabalhadores, consagrados a esse mister, em nosso Plano, e aguardamos
que a semeadura de ensinamentos dê seus frutos. 10
De qualquer modo, esteja convicto de que toda a assistência tem sido
prestada aos amigos sob nossa observação. Se ainda não avançaram, todos
eles, no terreno da espiritualidade elevada, isto só se verifica em
razão da fraqueza e da ignorância a que vivem voluntariamente escravizados.
Colhem o que semeiam.
6.
Nesse instante, fixamos novamente a atenção na palestra que se desdobrava:
— Faço o que posso, — repetia o rapaz, em desalento, — entretanto, não consigo
obter a tranquilidade interior.
2 — Ocorre comigo o mesmo
fato, — observava a genitora, em tom triste. — Minhas únicas melhoras
se verificam por ocasião de nossas preces coletivas. Em seguida, as
piores emoções me assaltam o espírito. Vivo sem paz, sem apoio. Oh!
Meus filhos, é cruel rolar assim, pelo mundo, como náufrago sem orientação!
3 — Compreendo-a,
mamãe, — tornou o filho, como que satisfeito por alimentar as impressões
nocivas que lhe ocupavam a mente, — compreendo-a, porque as tentações
me transformam a vida num cipoal de sombras espessas. Não sei mais que
fazer para resistir aos pensamentos amargos. Ai de nós, se o Espiritismo
não houvesse chegado aos nossos destinos como sagrada fonte de sublimes
consolações!
4 Nesse momento, Alexandre
colocou novamente a destra sobre a fronte da jovem, que lhe traduziu
o pensamento, em tom de respeito e carinho:
— Concordo em que o Espiritismo é nosso manancial de consolo, mas não
posso esquecer que temos na Doutrina a bendita escola de preparação.
Se permanecermos arraigados às exigências de conforto, talvez venhamos
a olvidar as obrigações do trabalho. 5
Creio que os instrutores da verdade espiritual desejam, antes de tudo,
a nossa renovação íntima, para a vida superior. Se apenas buscarmos
consolação, sem adquirir fortaleza, não passaremos de crianças espirituais.
6 Se procuramos a
companhia de orientadores benevolentes, tão só para o gozo de vantagens
pessoais, onde estará o aprendizado? Acaso não permanecemos, aqui na
Terra, em lição? Teríamos recebido o corpo, ao renascer, apenas para
repousar? 7 É incrível
que os nossos amigos da Esfera superior nos venham suprimir a possibilidade
de caminhar por nós mesmos, usando os próprios pés. Naturalmente, não
nos querem os benfeitores do Além para eternos necessitados da casa
de Deus e, sim, para companheiros dos gloriosos serviços do bem, tão
generosos, fortes, sábios e felizes quanto eles já o são.
8 E modificando a inflexão
de voz, desejosa de demonstrar a ternura filial que lhe vibrava nalma,
acentuou:
— Mamãe sabe como lhe quero bem, mas alguma coisa, no fundo da consciência, não me permite comentar as nossas necessidades senão assim, ajustando-me aos elevados ensinamentos que a Doutrina nos gravou no coração. Não posso compreender Cristianismo sem a nossa integração prática nos exemplos do Cristo.
7.
Em virtude do instrutor haver interrompido a operação magnética e
porque me encontrasse perplexo ante a facilidade com que a menina lhe
recebia os pensamentos, quando observara tanta complexidade nos serviços
de psicografia, expus ao orientador amigo as indagações que me assaltavam
o espírito.
2 Sem titubear, Alexandre
explicou:
— Aqui, André, observa você o trabalho simples da transmissão mental
e não pode esquecer que o intercâmbio do pensamento é movimento livre
no Universo. Desencarnados e encarnados, em todos os setores de atividade
terrestre, vivem na mais ampla permuta de ideias. 3
Cada mente é um verdadeiro mundo de emissão e recepção e cada qual atrai
os que se lhe assemelham. Os tristes agradam aos tristes, os ignorantes
se reúnem, os criminosos comungam na mesma esfera, os bons estabelecem
laços recíprocos de trabalho e realização. 4
Aqui temos o fenômeno intuitivo, que, com maior ou menor intensidade,
é comum a todas as criaturas, não só no plano construtivo, mas também
no círculo de expressões menos elevadas. 5
Temos, sob nossos olhos, uma velha irmã e seu filho maior completamente
ambientados na exploração inferior de amigos desencarnados, presas de
ignorância e enfermidade, estabelecendo perfeito comércio de vibrações
inferiores. Falam sob a determinação direta dos vampiros infelizes,
transformados em hóspedes efetivos do continente de suas possibilidades
fisicopsíquicas. 6
Permanece também sob nossa análise uma jovem que, presentemente, atingiu
dezesseis anos de nova existência terrestre. Suas disposições, contudo,
são bastante diversas. Ela consegue receber nossos pensamentos e traduzi-los
em linguagem edificante. Não está propriamente em serviço técnico da
mediunidade, mas no abençoado trabalho de espiritualização.
7 E indicando a mocinha, cercada
de maravilhoso halo de luz, acrescentou:
— Conserva, ainda, o seu vaso orgânico na mesma pureza com que o recebeu
dos benfeitores que lhe edificaram a presente reencarnação. Ainda não
foi conduzida ao plano de emoções mais fortes, e as suas possibilidades
de recepção, no domínio intuitivo, conservam-se claras e maleáveis.
8 Suas células ainda
se encontram absolutamente livres de influências tóxicas; seus órgãos
vocais, por enquanto, não foram viciados pela maledicência, pela revolta,
pela hipocrisia; seus centros de sensibilidade não sofreram desvios,
até agora; seu sistema nervoso goza de harmonia invejável, e o seu coração,
envolvido em bons sentimentos, comunga com a beleza das verdades eternas,
através da crença sincera e consoladora. 9
E, além disso, não tendo débitos muito graves do pretérito, condição
que a isenta do contato com as entidades perversas que se movimentam
na sombra, pode refletir com exatidão os nossos pensamentos mais íntimos.
10 Vivendo muito mais
pelo espírito, nas atuais condições em que se encontra, basta a permuta
magnética para que nos traduza as ideias essenciais.
— Isto significa, — perguntei, — que esta jovem é bastante pura e que
continuará com semelhantes facilidades, em toda a existência?
11 Alexandre sorriu e observou:
— Não tanto. Ela ainda conserva os benefícios que trouxe do Plano espiritual e as cartas da felicidade ainda permanecem nas suas mãos para extrair as melhores vantagens no jogo da vida, mas dependerá dela o ganhar ou perder, futuramente. A consciência é livre.
12 — Então, — continuei
perguntando, — não seria difícil prepararem-se todas as criaturas para
receberem a influenciação superior?
— De modo algum, — esclareceu ele, — todas as almas retas, dentro do
espírito de serviço e de equilíbrio, podem comungar perfeitamente com
os mensageiros divinos e receber-lhes os programas de trabalho e iluminação,
independentemente da técnica do mediunismo que, presentemente, se desenvolve
no mundo. Não há privilegiados na Criação. Existem, sim, os trabalhadores
fiéis, compensados com justiça, seja onde for.
13 Fortemente emocionado com
as observações ouvidas, senti que o meu pensamento se perdia num mar
de novas e abençoadas ilações.
André Luiz