1 João comia. João dormia.
Tinha pouco o que fazer.
Passeava, andava e ria,
Mas João queria morrer.
2 Dizia que o mundo é falso,
Despenhadeiro traidor,
Senzala de crueldade,
Toda cravada de dor.
3 Por mais que o guia buscasse
Despertá-lo para o bem,
Tudo inútil. João clamava
Xingando como ninguém.
4 O mentor rogava calma
No serviço meritório,
João respondia que o mundo
É um horrendo purgatório…
5 Afirmava ouvir apenas
Pragas, lamentos e ais.
E rematava: — “Meu guia,
Agora não posso mais…
6 “Quero a sua companhia,
Preciso mudar de sorte,
Colaborar, ao seu lado,
Na vida depois da morte…”
7 E tanto pediu repouso
Na chorança sem limite
Que o pobre desencarnou,
A toque de meningite.
8 Sob os cuidados do guia,
João acordou, foi tratado…
O mentor, ao vê-lo forte,
Anunciou-lhe, afobado:
9 — “João amigo, eis o momento!…
Você queria morrer,
Agora venha comigo,
Servir é o nosso dever.”
10 O moço que detestava
Disciplina, horário e prova,
Começou desapontado
A imprevista vida nova.
11 Seguindo os passos do guia,
Entre surpresas crescentes,
Passava, dias e dias,
Doando força a doentes;
12 Amparava hansenianos,
Balsamizava feridas,
Corria sempre em socorro
De crianças desvalidas.
13 Gastava nos hospitais,
Às vezes, noites inteiras,
Garantindo a vigilância
De enfermeiros e enfermeiras.
14 O protetor sem repouso
Parecia não ter paz,
Onde surgisse em auxílio,
João devia vir atrás.
15 Certo dia, João, cansado,
Disse ao guia: — “Não aguento,
Não mais aguento a pedreira
De prisão e sofrimento…”
16 Pede o guia : — “Fala, filho!…”
E chorando gritou João:
— “Eu quero viver na Terra,
Prefiro a reencarnação…”
Jair Presente
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