I
1 As paredes da casa em vão procuro,
Quero dizer adeus e não consigo…
Vejo apenas o vulto amargo e amigo
Da morte que me estende o manto escuro.
2 Choro a estirar-me, trêmulo, inseguro;
O leito ensaia a pedra do jazigo…
Padeço, clamo e indago a sós comigo,
Qual pássaro que tomba contra um muro.
3 A névoa espessa enreda o corpo langue.
É o terrível crepúsculo do sangue
Que me tinge de sombra os olhos baços;
4 Mas surge alguém, no caos que me entontece,
É minha mãe, que alonga as mãos em prece,
Doce estrela brilhando nos meus braços!…
II
1 Ave que torna, em chaga, ao brando ninho,
Ouço divina música na sala,
É a sua voz celeste que me embala,
Motes do lar que tornam de mansinho.
2 Ergo-me agora… O corpo é o pelourinho
De que me desvencilho por beijá-la…
“Mãe! Minha Mãe!…” — suspiro, erguendo a fala,
A soluçar de júbilo e carinho.
3 — “Dorme, filho querido! Dorme e sonha!…”
Nossa velha canção terna e risonha
Regressa com beleza indefinida…
4 Tomo-lhe os braços em que me acrisolo
E durmo novamente no seu colo
Para acordar no berço de outra vida.
Carlos D. Fernandes
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