1 Quando Jesus recomendou a pregação da Boa Nova, em diversos rumos, reuniu-se o pequeno colégio apostólico, em torno d’Ele, na humilde residência de Pedro, onde choveram as perguntas no inquérito afetuoso.
2 — Mestre, — disse Filipe, ponderado, — se os maus nos impedirem os passos, que faremos? Caber-nos-á recurso à autoridade punitiva?
— Nossa missão, — replicou Jesus, pensativo, — destina-se a converter maldade em bondade, sombra em luz. Ainda que semelhante transformação nos custe sacrifício e tempo, o programa não pode ser outro.
3 — Mas… — obtemperou Tomé, — e se formos atacados por criminosos?
— Mesmo assim, — confirmou o Cristo, — nosso ministério é de redenção, perdoando e amando sempre. Persistindo no bem, atingiremos a vitória final.
4 — Senhor, — objetou Tiago, filho de Alfeu, — se interpelados pelos fariseus, amantes da Lei, que diretrizes tomaremos? São eles depositários de sagrados textos, com que justificam habilmente a orgulhosa conduta que adotam. São arguciosos e discutidores. Dizem-se herdeiros dos Profetas. Como agir, se o Novo Reino determina a fraternidade, isenta da tirania?
— Ainda aí, — explicou o Messias Nazareno, — cabe-nos testemunhar as ideias novas. Consagraremos a Lei de Moisés com o nosso respeito. Contudo, renovar-lhe-emos o sentido sublime, tal qual a semente que se desdobra em frutos abençoados. A justiça constituirá a raiz de nosso trabalho terrestre. Todavia, só o espírito de sacrifício garantir-nos-á a colheita.
5 Verificando-se ligeira pausa, Tadeu, que se impressionara vivamente com a resposta, acrescentou:
— E se os casuístas nos confundirem?
— Rogaremos a inspiração divina para a nossa expressão humana.
6 — Mas, que sucederá se o nosso entendimento permanecer obscuro, a ponto de não conseguirmos registar o socorro do Alto? — Insistiu o apóstolo.
Esclareceu Jesus, sorridente:
— Será então necessário purificar o vaso do coração, esperando a claridade de cima.
7 Nesse ponto, André interferiu, perguntando:
— Mestre, em nossa pregação, chamaremos indistintamente as criaturas?
— Ajudaremos a todos, sem exigências — respondeu o Salvador, com significativa inflexão na voz.
8 — Senhor, — interrogou Simão, precavido, — temos boa vontade, mas somos também fracos pecadores. E se cairmos na estrada? E se, muitas vezes, ouvirmos as sugestões do mal, despertando, depois, nas teias do remorso?
— Pedro, — retrucou o Divino Amigo, — levantar e prosseguir é o remédio.
9 — No entanto, — teimou o pescador, — e se a nossa queda for tão desastrosa que impossibilite o reerguimento imediato?
— Rearticularemos os braços desconjuntados, remendaremos o coração em frangalhos e louvaremos o Pai pelas proveitosas lições que houvermos recolhido, seguindo adiante…
10 — E se os demônios nos atacarem? — Interrogou João, de olhos límpidos.
— Atraí-los-emos à glória do trabalho pacífico.
11 — Se nos odiarem e perseguirem? — Comentou Tiago, filho de Zebedeu.
— Serão amparados por nós, no asilo do amor e da oração.
12 — E se esses inimigos poderosos e inteligentes nos destruírem? — Inquiriu o filho de Kerioth.
— O Espírito é imortal, — elucidou Jesus, calmamente, — e a justiça enraíza-se em toda parte.
13 Foi então que Levi, homem prático e habituado à estatística, observou, prudente:
— Senhor, o fariseu lê a Torá, baseando-se nas suas instruções; o saduceu possui rolos preciosos a que recorre na propaganda dos princípios que abraça; o gentio, sustentando as suas escolas, conta com milhares de pergaminhos, arquivando pensamentos e convicções dos filósofos gregos e persas, egípcios e romanos… E nós? A que documentos recorreremos? Que material mobilizaremos para ensinar em nome do Pai Sábio e Misericordioso?!
14 O Mestre meditou longamente e falou:
— Usaremos a palavra, quando for necessário, sabendo porém que o verbo degradado
estabelece o domínio das perturbações e das trevas. Valer-nos-emos dos
caracteres escritos na extensão do Reino do Céu. No entanto, não ignoraremos
que as praças do mundo exibem numerosos escribas de túnicas compridas,
cujo pensamento escuro fortalece o império da incompreensão e da sombra.
Utilizaremos, pois, todos os recursos humanos, no apostolado, entendendo,
contudo, que o material precioso de exposição da Boa Nova reside em
nós mesmos. O próximo consultará a mensagem do Pai em nossa própria
vida, através de nossos atos e palavras, resoluções e atitudes…
15 Pousando a destra no peito, acentuou:
— A escritura divina do Evangelho é o próprio coração do discípulo.
16 Os doze companheiros entreolharam-se, admirados, e o silêncio caiu entre eles, enquanto as águas cristalinas, não longe, refletiam o céu imensamente azul, cortado de brisas vespertinas que anunciavam as primeiras visões da noite…
Irmão X
(Humberto de Campos)