1 Ele casava a filha numa festa
E o sitiante, em meio aos convidados,
Explica sobre o filho que lhe resta:
— Meu rapaz, um gigante de destreza,
É criado, conforme a natureza.
Vai por todos os lados,
Estuda como quer e quando quer.
Homem é diferente de mulher,
Não se deve mostrar com ares de menina,
Nada de contenção ou disciplina.
Endimião, meu filho, é um atleta perfeito.
Não só isso. É uma grande inteligência,
Sem qualquer pensamento acovardado e estreito.
É livre para toda experiência
Em que deseje realizar-se,
Sem máscara, sem freio, sem disfarce…
2 Aparecendo a pausa, um amigo aparteia:
— Mas, coronel, e a lei da educação?
— A educação — replica o interpelado —
Nunca foi o tabu que se receia,
É caminho do impulso liberado
Para elevar a civilização.
3 Era assim o sitiante: um homem singular.
A palestra, porém, fora rompida.
A filha e o genro estavam a chegar,
Morariam não longe do lugar
E apresentavam-se contentes
Para o abraço de terna despedida.
4 Endimião, em plena juventude,
Era dono da força e da saúde.
5 Dois anos findos sobre o relatado
No longo entardecer de um dia quente,
Eis o rapaz surgindo, de repente,
No sítio do cunhado.
A irmã tanto se alegra quão se espanta,
Estava a sós com velha governanta;
O marido ausentara-se em serviço…
Um dia apenas, breve compromisso.
O rapaz se declara de passagem,
Diz-se ansioso por seguir viagem…
Mas a irmã, em diálogo escondido,
Roga-lhe: — Fica, irmão, estou desorientada,
Tenho medo da noite… Meu marido
Deixou comigo, em caixa resguardada,
Duzentos e cinquenta mil cruzeiros…
A nossa governanta é pessoa cansada,
Nossos poucos peões e alguns vaqueiros
Não residem tão perto…
Este sítio é um lugar quase deserto.
Somente em nossos cães consigo companheiros…
A noite se avizinha,
Temo ficar sozinha,
Tenho medo, confesso…
6 O irmão sorriu e esclareceu: — Não posso.
Agora me despeço,
Tenho grande jornada
Para vencer até o fim do dia…
E acrescentou, num gesto de alegria:
— Irmã, não tenhas medo.
Ninguém sabe o que guardas em segredo.
Deixando a moça amedrontada,
Saiu no próprio carro em disparada.
7 Mas, depois de uma hora,
Eis que ali chega, inopinadamente,
O conhecido pai da estimada senhora.
Soubera o genro ausente, por um dia,
E viera fazer-lhe companhia.
8 Júlio, reencontro e lembranças do lar,
O diálogo segue ativo e manso
Até que se despedem, a buscar,
No silêncio noturno, a bênção do descanso.
9 Alta noite, em seu quarto, a senhora desperta,
Tem pela frente um homem mascarado,
Que lhe aponta um revólver, lado a lado,
E lhe diz numa voz estranha e sibilante:
– É um assalto,
Quero todo o dinheiro,
Toda a quantia por inteiro…
Ouvi o seu marido a conversar na praça
E exijo a soma toda…
10 Atônita, a senhora, a tremer e a tremer,
Ergue-se à luz do luar que vem pela vidraça
E põe-se a obedecer…
Segue na direção da caixa que lacrara,
No entanto, o genitor já despertara…
Pé ante pé, caminha armado,
Faz luz que jorra, em cheio, no salão,
E atira sobre o homem mascarado
Que se estira no chão.
Acorrem servidores prestimosos
E o defensor da filha solicita,
Ante a senhora, agoniada e aflita:
— Que alguém me desmascare este sujeito,
Não se importem com o sangue a borbulhar no peito,
Quero ver esta cara de ladrão…
11 Sob as mãos calejadas na lavoura,
Primeiro, surge a cabeleira loura,
Depois, em dolorosa exclamação,
Todos gritam um nome: “Endimião!…”
12 O pai que dera o filho à liberdade
Sem ressalva, sem base, sem suporte,
Cai sobre o filho, agora entregue à morte,
Sobre quem arrojara o rápido gatilho
E clama a estremecer em convulsivo pranto:
— Oh! Deus, por que matei o filho que amo tanto?!…
Socorre-me, Senhor!…
Ah!… meu filho, meu filho!…
Maria Dolores
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