1 Querida mamãe, querido papai, querida tia Amélia, n estou aqui e peço a Deus proteção e bênção para nós todos.
2 Querida mamãe, não chore mais; papai, conformação é o nosso caminho; tia Amélia, ajude este seu sobrinho que é também seu filho do coração.
3 Mãezinha, estou agradecido a tanto amor. Tenho suas lágrimas por bênçãos de sofrimento. Bênçãos de carinho e tristeza, de luz e sombra, de paz e tempestade. Peço ao seu coração querido, querida mãezinha — não chore mais, assim como se estivéssemos separados para sempre.
4 O que tenho experimentado em aflição para falar ou escrever, não há tinta que conte. Desde que despertei nos braços de meu avô Lourenço e no carinho daquela que conhecemos aqui por nossa vovó Pessoa ou vovó Maria, luto com as reações difíceis que não sei descrever. 5 Via a senhora por dentro de mim, querida mãezinha e tia Amélia, a outra mãezinha que Deus nos deu, perguntando por mim… Escutava papai chamando e o nosso bom amigo Dr. José Marins a buscar-me no silêncio, nos lugares de nossos passeios n e conversações ou nas preces que ambos tentavam articular.
6 Penso que o estado de alguém que acorda aqui, de repente, assim como me sucedeu, é uma espécie de loucura consciente em que nos conhecemos e passamos a desconhecer, porque somos nós e os que pensam em nós, e se os que pensam em nós estão envolvidos em pranto e aflição, a aflição e o pranto estão igualmente conosco, mesmo quando procuremos ser fortes ou não queiramos chorar. Sabia que me achava longe de casa, mas via você, mãezinha, procurando meus retratos, cartões, lembranças, roupas, objetos e escritos. n
7 Oh! meu Deus, não creio que a gente aí possa compreender o amor profundo de nossos pais, porque você, mamãe, procurava lembrar seu filho, desde a praça de esportes até o lugar último em que as últimas recordações de seu filho se conservaram… n Agradecia e chorava também e, por mais que os nossos protetores daqui me reconfortassem, queria voltar e reviver, para que você quisesse viver e para que meu pai não desanimasse. Pouco a pouco, vamos melhorando com as melhoras uns dos outros.
8 Tia Amélia, você que me foi também mãe pelo coração, você que partilhou com mãezinha tudo o que pude ser em dias tão ligeiros, console meus pais por mim! Não os deixe tristes, desalentados. Você e Regina n me auxiliarão. Preciso renovar-me e reeducar-me para trabalhar e servir.
9 Papai, naquele dia de setembro, nada aconselhava que fosse ao médico. Fiz meus exercícios na véspera, revisei lições e prometi aos companheiros um forte ensaio. n Apenas uma dor de cabeça muito ligeira me dava a ideia de algum comprimido que pudesse me restituir toda a força. 10 A queda do corpo foi rápida. Quis controlar-me mas não pude. Alguma coisa estava diferente em meu cérebro. Tentei estudar a mim mesmo, pois parecia estar caindo num choque de encontro a um muro desconhecido…
11 Ouvi os companheiros de bola gritando por mim… Alguém se ajoelhava, procurando meu corpo para massagens, no entanto, escutava os chamamentos de carinho e sentia várias mãos em meu peito, n mas a voz morrera na garganta e chorei… 12 Chorei passando a um sono que me pareceu vir de uma injeção de anestésicos. 13 Então dormi muito, mas sonhei que fui ao encontro da nossa casa e do nosso caro Dr. Marins, n caminhando livre, mas desorientado pela praia do Embaré e ao longo de outras praias, como se eu fosse feito de um material muito leve e flutuante, a transferir-me de um lugar para outro conforme a minha própria vontade. 14 Em seguida, apaguei-me e nada senti senão repouso sem nenhuma recordação.
15 Mais tarde, vim a saber por meu avô e por antigo e querido professor padre, n que conheci no Colégio Santista e reencontrei aqui, que me achava de pensamento liberto, num estado diferente que as definições do mundo ainda não podem apreender.
16 A desencarnação violenta deslocava meu pensamento para longe e o meu pensamento, em tudo, eram vocês, os entes queridos que me via forçado a abandonar.
17 De então para cá, estou melhorando com as melhoras de meus queridos pais e de meus amigos queridos. Peço ainda auxílio e paz.
18 Mãezinha, as suas orações à frente de nossas relíquias da fé em casa são atendidas. n Ore por seu filho! Ouço suas vozes quando pretende chamar-me em silêncio, encerrada no quarto, com as minhas lembranças e com as nossas lágrimas. 19 Uma vida nova está surgindo para nós. Estamos conhecendo um mundo diverso daquele em que nos amávamos sempre mais e, no entanto, em que hoje vejo, estávamos mais sozinhos.
20 Mãezinha, você e mãezinha Amélia, papai e os outros, nosso caro Dr. Marins e tantos outros corações queridos auxiliem aos outros rapazes, meus irmãos que tenho também noutros lares — rapazes necessitados de amparo, de entendimento, de carinho e de bênção… Ajudem-me a estender essa família bendita que o amor de Jesus descobre aos nossos olhos, agoniados de saudade e de pranto… 21 O sol da caridade seca as lágrimas onde apareça mãezinha; confio em você e espero em você, mãezinha Dirce, esse apoio de que necessito a fim de melhorar-me a servir. Ore por mim sempre, abençoe-me e una-se à mãezinha Amelinha para nos sentirmos mais juntos nas tarefas do bem.
22 Quando eu sarar da saudade que é angústia e doença, vou estudar e continuar para frente para ser útil. A Engenharia em seu filho estará aqui também, renascendo em trabalho maior. Não posso ser mais extenso. Relaciono todos os meus amigos no agradecimento que deixo aqui.
23 Tia Amélia, receba os meus pensamentos de carinho e de gratidão.
24 Mãezinha Dirce e meu pai Severino, abençoem seu Tato n e abracem-me… Tenho frio ainda — o frio que é a saudade entre nós e que Jesus afastará para sempre, porque, com esta carta, vocês saberão que estou vivo!
25 E recebam no meu abraço de filho em recuperação, aquele amor e aquele agradecimento de todos os dias que me restitui ao meu querido pai e à minha querida mãezinha como sendo o companheiro de todas as horas e o filho reconhecido, sempre de vocês e sempre cada vez mais reconhecido.
Carlos Alberto
COMENTÁRIOS
Esta primeira mensagem de Carlos Alberto é rica de elementos de identificação, particularmente importantes — ressaltemos — pelo desconhecimento de parte do médium Francisco Cândido Xavier, a respeito.
Sua psicografia, no intervalo do continuado mister de atender a todos quantos o procuram, antes e depois das sessões públicas, transmitiu a mensagem do filho aos pais, sem que houvesse condições para que o querido Chico se fixasse particularmente na problemática daquela família, uma entre centenas das que vão ao médium em busca de consolo e esclarecimento.
Habituados pela sequência dos anos, a esse singular contato de Chico Xavier com o público, temos observado em sua exemplificação evangélica fatos mediúnicos preciosos que decerto envolveriam novos livros, nascidos à sua simples catalogação.
Necessário, contudo, destacar a total impossibilidade de tempo para o Chico acercar-se de modo mais detalhado dos familiares que o procuram nos rápidos contatos das reuniões públicas de Uberaba.
Dos próprios familiares — e observamos esse fato na entrevista das famílias dos quatro jovens autores espirituais deste livro — destaca-se, por outro lado, o desejo de omitirem, em seus contatos com Chico, nomes, datas ou acontecimentos ligados aos filhos mortos, para crerem integralmente na eventual comunicação mediúnica, com que sejam aquinhoados, seja essa comunicação simples recado ou uma página psicográfica.
Assim, da mensagem primeira do Carlos Alberto separamos as seguintes elucidações:
1 — Tia Amélia — Amélia da Silva Bonfim, tia materna de Carlos Alberto, residente em Santos.
2 — “Escutava papai chamando e o nosso bom amigo Dr. José Marins a buscar-me no silêncio, nos lugares de nossos passeios…” — Dr. Marins, médico psiquiatra em Santos, amigo de Carlos Alberto. O Dr. Marins muitas vezes, após a morte do jovem, procurava, em passeios solitários pela Praia do Embaré, rememorar lembranças de Carlos Alberto, em monólogos inaudíveis, refazendo as caminhadas que ambos — ele e Carlos Alberto — empreendiam realmente, antes do falecimento do estudante em São Bernardo do Campo. Dupla revelação na mensagem psicográfica: a lembrança dos passeios, que o jovem e o Dr. Marins faziam ao longo do Embaré, e a afirmativa de que na Espiritualidade, Carlos Alberto acompanhava as meditações do médico, vendo-o caminhar pelas areias da praia.
3 — “Via você, mãezinha, procurando meus retratos, cartões, lembranças, roupas, objetos e escritos” — realmente D. Dirce confirma que após o sepultamento, começou a revolver os pertences do filho, no desespero de rever tudo o que lhe dissesse respeito.
4 — “Último lugar em que as últimas recordações de seu filho se conservaram” — Diz a mãe de Carlos Alberto ser a Rodoviária de Santos, onde se viram pela última vez no dia da morte do jovem, às 6 horas da manhã, antes de Carlos Alberto tomar o ônibus para São Bernardo do Campo.
5 — Regina — Regina Célia da Silva Bonfim Mariana, prima de Carlos Alberto, chamada por todos de Célia, sendo que apenas o jovem costumava chamá-la por Regina. (Como o Chico poderia saber disso?)
6 — Forte ensaio — segundo os colegas da FEI, Carlos Alberto se referia à aula programada para aquele dia, aula de recordação de matéria que o jovem daria aos companheiros de estudo.
7 — Tal qual relatou o professor de Educação Física que assistiu Carlos Alberto após sua queda na quadra de basquetebol.
8 — O Dr. Marins na hora aproximada da morte de Carlos Alberto se encontrava no Embaré, em Santos, dirigindo-se para sua casa, quando subitamente se viu envolto em profunda ligação mental com o jovem, a ponto de desorientar-se e quase bater o carro. No impacto da morte, buscava Carlos Alberto, em espírito, a lembrança dos familiares e amigos queridos, tendo o Dr. Marins captado as imagens vivas do pensamento do jovem. “A desencarnação violenta deslocava meu pensamento para longe e o meu pensamento, em tudo, eram vocês, os entes queridos que me via forçado a abandonar”.
9 — Refere-se ao avô Lourenço e ao Padre Galdino Viliotto citados, já anteriormente, quando se comentou sobre os antecedentes da recepção desta mensagem.
10 — D. Dirce tomou como rotina marcante fazer suas orações diante dos objetos rememorativos da lembrança do filho, daí a referência na mensagem.
11 — Tato — Apocorístico de Carlos Alberto, pouco conhecido além das fronteiras familiares.
No início da mensagem, Carlos Alberto faz menção ao avô Lourenço e à vovó Pessoa ou vovó Maria. O avô Lourenço — Sr. Severino Lourenço já foi apresentado ao leitor. Sobre a vovó Pessoa ou vovó Maria há esclarecimentos na mensagem seguinte.
Caio Ramacciotti