Da gentileza
O poder da gentileza n
1 Eminente professor pobre, interessado em fundar uma escola num bairro singelo, onde centenas de crianças desamparadas cresciam sem o benefício das letras, foi recebido pelo prefeito da cidade que lhe disse imperativamente, depois de ouvir-lhe o plano:
— A lei e a bondade nem sempre podem estar juntas. Organize uma casa e autorizaremos a providência.
2 — Mas, doutor, não dispomos de recursos… — Considerou o benfeitor dos meninos desprotegidos.
— Que fazer?
— De qualquer modo, cabe-nos amparar os pequenos analfabetos.
3 O prefeito reparou-lhe demoradamente a figura humilde, fez um riso escarninho e acrescentou:
— O senhor não pode intervir na administração.
4 O professor, muito triste, retirou-se e passou a tarde e a noite daquele sábado, pensando, pensando…
Domingo, muito cedo, saiu a passear, sob as grandes árvores, na direção de antigo mercado. Ia comentando, na oração silenciosa:
— Meu Deus, como agir? Não receberemos um pouso para as criancinhas, Senhor?
5 Absorvido na meditação, atingiu o mercado e entrou.
O movimento era enorme.
Muitas compras. Muita gente.
6 Certa senhora, de apresentação distinta, aproximou-se dele e tomando-o por servidor vulgar, de mãos desocupadas e cabeça vazia, exclamou:
— Meu velho, venha cá.
O professor acompanhou-a, sem vacilar.
7 À frente dum saco enorme, em que se amontoavam mais de trinta quilos de verdura, a matrona recomendou:
— Traga-me esta encomenda.
Colocou ele o fardo às costas e seguiu-a.
8 Caminharam seguramente uns quinhentos metros e penetraram elegante vivenda, onde a senhora voltou a solicitar:
— Tenho visitas hoje. Poderá ajudar-me no serviço geral?
— Perfeitamente, — respondeu o interpelado, — dê suas ordens.
Ela indicou pequeno pátio e determinou-lhe a preparação de meio metro de lenha para o fogão.
9 Empunhando o machado, o educador, com esforço, rachou algumas toras. Findo o serviço, foi chamado para retificar a chaminé. Consertou-a com sacrifício da própria roupa. Sujo de pó escuro, da cabeça aos pés, recebeu ordem de buscar um peru assado, a distância de dois quilômetros. Pôs-se a caminho, trazendo o grande prato em pouco tempo. Logo após, atirou-se à limpeza de extenso recinto em que se efetuaria lauto almoço.
10 Nas primeiras horas da tarde, sete pessoas davam entrada no fidalgo domicílio. Entre elas, relacionava-se o prefeito que anotou a presença do visitante da véspera, apresentado ao seu gabinete por autoridade respeitável. Reservadamente, indagou da irmã, que era a dona da casa, quanto ao novo conhecimento, conversando ambos em surdina.
11 Ao fim do dia, a matrona distinta e autoritária, com visível desapontamento, veio ao servo improvisado e pediu o preço dos trabalhos.
— Não pense nisto, — respondeu com sinceridade, — tive muito prazer em ser-lhe útil.
12 No dia imediato, contudo, a dama da véspera procurou-o, na casa modesta em que se hospedava e, depois de rogar-lhe desculpas, anunciou-lhe a concessão de amplo edifício, destinado à escola que pretendia estabelecer. As crianças usariam o patrimônio à vontade e o prefeito autorizaria a providência com satisfação.
13 Deixando transparecer nos olhos úmidos a alegria e o reconhecimento que lhe reinavam nalma, o professor agradeceu e beijou-lhe as mãos, respeitoso.
A bondade dele vencera os impedimentos legais.
14 O exemplo é mais vigoroso que a argumentação.
15 A gentileza está revestida, em toda parte, de glorioso poder.
Neio Lúcio
*
Se pretendes o caminho
Da vida que aperfeiçoa,
Trabalha, incessantemente,
Aprende, serve e perdoa. ( † )
Casimiro Cunha
|
*
A vida se classifica
Por esta base singela:
Quanto mais útil, mais rica,
Quanto mais simples, mais bela. ( † )
Marcelo Gama
|
*
Sua generosidade chamará a bondade alheia em seu socorro. ( † )
André Luiz
[1] Esta mensagem foi publicada originalmente em 1948 pela FEB e é a 15ª lição do
livro “Alvorada cristã.”