1 Querida mãezinha Júlia, estamos aqui, contando com a paz de sua bênção.
2 Luciene insistiu comigo de tal modo para trazer as nossas notícias ao seu querido coração e ao papai Jonas, que não resisti ao carinhoso apelo da irmã querida.
3 Compreendo que a família já sabe, em pormenores, tudo quanto nos sucedeu naquela Semana Santa, em que nos dávamos ao luxo de fechar os livros para o descanso.
4 A estrada era um sonho de tranquilidade, recamado pelo verde das margens, e o Júnior guiava cauteloso, sem qualquer inclinação para brincadeira. Uma palavra, um sorriso, um olhar de quando a quando entre nós. Apenas isso. Tudo atenção no caminho e cuidado ao volante.
5 Tudo seguia bem, quando o inesperado aconteceu. O barulho estonteante era o de uma bomba atirada sobre nós.
6 A máquina como que gritava e fazia ranger as próprias peças, qual se nos pedisse perdão por não suportar o choque sobre o qual nos abatíamos todos.
7 Quis abeirar-me do Luizinho e da Luciene, no propósito de estender-lhes algum auxílio, mas, em momentos velozes, me sentia desvalida de forças.
8 Nada de mim respondia ao meu esforço por me mostrar presente. Ouvi exclamações e gemidos e, pouco a pouco, a memória me dava a impressão de que se constituía de forças que me abandonavam…
9 Nada consegui fazer, senão erguer uma prece a Deus, talvez alinhando duas a três sílabas, porque a palavra mesmo unicamente mentalizada, esmorecia em minha garganta, para onde a minha capacidade de falar se canalizava.
10 Depois, foram aquelas horas que não sei recordar sem profunda sensação de sofrimento…
11 Senti-me socorrida, carregada, e escutava, aqui, as referências ao Dr. Jonas e à Dra. Júlia… Inutilmente, procurava inclinar-me para vê-los e dizer que eram meus país, e de que eu precisava deles… Luciene, Júnior, mamãe e papai…
12 E os recursos de última hora, em que a morte ganha terreno, zombando talvez dos cientistas mais hábeis.
13 Chorava em silêncio, quando os tranquilizantes não me afastavam pensamento ou consciência de todo…
14 Mãe, assim como estou em companhia de Luciene, sei que você está em companhia daquela amiga a quem começava a chamar por mãezinha Neuza…
15 Não se aborreçam se digo que as lágrimas me vinham do coração para os olhos… É que eu desejava ter ficado, queria casar-me, ter um lar e criar os filhos que Deus me desse… Fantasia de menina e moça, contrariada no instante de se despojar dos meus tesouros mais caros…
16 Desejava responder às palavras que me eram dirigidas, explicar que as vozes do ambiente me alcançavam os ouvidos, no entanto, do sofrimento passei ao silêncio interior, e do silêncio interior comecei a sentir-me envolvida numa névoa esbranquiçada e espessa, cuja presença de algum modo me sufocava…
17 Em dado instante, um rosto surgiu naquele véu que me vestia todo o corpo… Era a face de alguém, com a sua ternura.
18 Uma nova benfeitora que eu não poderia considerar por minha outra mãe, conquanto a expressão de carinho me recordasse o seu zelo e a sua ternura…
19 A senhora inesperada me falou na bondade de Deus e me recomendou descansar de tudo o que pudesse exprimir preocupação em meu cérebro. Obedeci, maquinalmente, qual se uma onda de amor, partindo dela, me magnetizasse as últimas energias.
20 Então, dormi, dormi entregando-me às doces evocações da prece, que passei a escutar…
21 Sentia-me de novo criança, transferi-me sem esforço para o seu colo… A visitante me retirou devagar, enquanto me via sonolenta, e, desde esse instante, apaguei-me de maneira completa…
22 Aquela suave anestesia que adivinhava estranha aos remédios que me eram aplicados, me asserenou a mente atormentada…
23 Não sei precisar a duração do longo intervalo, mas me recordo de que despertei junto da admirável senhora, sentada rente ao meu leito, à maneira de um anjo a vigiar-me com brandura…
24 Observando-me em condições de alerta, começou a explicar-me o sentido de todas as complicações em que as máquinas nos havia envolvido… E, espantada, vim a saber que era ela a vovó Maria Claudina a me socorrer e acariciar…
25 Conscientizando-me quanto à verdade dos acontecimentos, chorei, empolgada de dor, porque se me via num corpo que era o meu mesmo, sem qualquer escoriação, sabia igualmente que não voltaria mais à casa que me era e continua sendo tão querida ao coração.
26 Mãezinha Júlia, você que se entregou também às lágrimas, saberá a extensão da dor de sua filha, despejada inesperadamente do corpo que a sua bondade me ensinara a trazer sempre rico de esperança e de sonho, de alegria e perfume.
27 A santa criatura que me tomava agora sob seus cuidados, me reergueu as energias. Voltei ao nosso lar, a fim de abraçá-los, e encontrei o pranto de seus olhos a me perguntar por quê?
28 Abracei o papai, cujo rosto se fechava sob nuvens de tristeza, e coloquei minhas mãos na face do Júlio César e do Jonas Filho, entendendo-lhes o pesar…
29 Bem, mas tudo isso agora é passado que procurei rememorar com as suas recordações, a fim de observar que estamos conferindo as mesmas contas de provação, no livro da alma…
30 Agora, mamãe, que os dias se escoaram para o mar do tempo infinito, deixe que eu lhe confesse as minhas melhoras.
31 O primeiro ano sobre o doloroso acontecimento passei-o, em abril, junto aos familiares queridos, com a possibilidade de facear as nossas lutas com mais entendimento e fé em Deus.
32 Nossa vida, de algum modo, se modificou, mas estamos juntas e isso é tudo.
33 Peço-lhe não se incomodar se lhe falei de angústia e de flagelação quanto a mim própria. Podem ficar tranquilos. Estou melhorando.
34 A nossa Etelvina também se uniu a nós, e com a Luciene de lado, vou caminhando…
35 Há momentos, principalmente aqueles em que me ocupo inteiramente apenas de mim, as dores do princípio parecem voltar… Mas tudo está bem, porque tenho as suas preces comigo, e essas orações me alimentam.
36 Vendo o nosso Júnior, peço ao seu coração e à dona Neuza falarem a ele de minha transformação. Desejo que ele saiba que comecei a amá-lo de outro modo. Em minha nova escola, aprendo a senti-lo em mim, sem qualquer ideia possessiva.
37 Mãezinha Júlia, posso desejar-lhe felicidades e bênçãos com outra, sem me aborrecer, e acho que isso já significa uma vitória.
38 A namorada e a noiva podem ser igualmente também um coração de mãe a pulsar na cabeceira do homem querido, que a vida transformou em abençoado do coração, e isso me reconforta.
39 Segundo podem observar, você e o papai Jonas compreenderão que não mais sofro, e sim que espero pela oportunidade de faze-los a todos mais felizes.
40 Aqui, a nossa Luciene me lembra o relógio. Estamos numa dimensão de tempo que excedeu a minha possibilidade de conversar, e peço-lhes me gravarem o sorriso que lhes deixei.
41 Nada de panos que me recordem a coração de esparadrapos. Sou eu mesma, desejando cantar a vida.
42 Peço-lhe, tanto quanto ao papai, pensarem nos meninos. O nosso Júlio César e o nosso Jonas Filho precisam dos dois.
43 A vida é o que é e não o que desejamos seja, mas isso não quer dizer que me veja triste.
44 A esperança brilha em meus passos, e espero que todos os nossos estejam nessa mesma faixa de harmonia radiante em que me vejo.
45 Ao Luizinho e a todos de nossa querida mãezinha Neuza, as minhas saudações afetuosas, e reunindo-a com papai, meu abraço, com o carinho da Vó Claudina, em minha companhia, deixo-lhes a alma toda, de sua
Maria Nelize
Maria Nelize Campos Silva nasceu no Prata, Minas Gerais, a 28 de dezembro de 1964, e desencarnou a 19 de abril de 1981, em consequência de um desastre de automóvel, na Rodovia Uberlândia/Prata, no km 34 da Rodovia 497, que liga Uberlândia a Porto de Alencastro, ocorrido quatro dias antes.
Com ela também desencarnou Luciene Nascimento, amiga e irmã de seu namorado, Luiz Henrique Nascimento Júnior, como vimos no Capítulo 4, acima, que dirigia o carro e ficou gravemente ferido.
Os pais de Maria Nelize, Drs. Jonas Lima Silva e Maria Júlia Campos Silva, residentes no Prata, relatam-nos numa carta que a gentileza da Srta. Nilda Melo Santos, distinta oradora espírita, passou-nos às mãos, da qual transcreveremos trechos, abaixo, que Nelize era uma ótima filha, gênio extrovertido, muito amiga e brincalhona, exímia violonista.
Estava cursando o 2.º Colegial, no Colégio Anglo de Uberlândia, onde era muito querida pelos professores e colegas.
Vejamos, em seguida, a carta a que nos referimos, datada do Prata, 23/6/1982, sobre a mensagem recebida a 29 de maio de 1982.
“Dr. Elias,
“Para nós é motivo de alegria o senhor colocar a mensagem de nossa filha em um de seus livros.
“Alegria ao pensarmos no quanto esta mensagem poderá beneficiar outros pais que, como nós, foram privados muito cedo da companhia de um filho.
“Sabemos disto, porque o que nos deu e tem dado mais força, foi a leitura de tantas mensagens de jovens que partiram mais cedo que nós.
“Estamos aqui à sua inteira disposição, para qualquer informação que for necessária. Nosso telefone é: 1368.
“Nossa amiga Nilda falará por nós.
“Quanto à mensagem de Luciene, sabemos que também seus pais estão inteiramente de acordo. Se o senhor quiser se comunicar com eles, o telefone é: 3232-3512, em Uberlândia, Minas Gerais.
“Alguns meses antes do acidente, Maria Nelize começou a ter momentos de depressão e, sem mais nem menos, começava a chorar, e nem ela sabia explicar o motivo daquela angústia.
“Várias vezes, tentei conversar com ela a este respeito, no entanto, ela não entendia o que se passava consigo.
“Por três vezes, ela viu um homem de cabelos grisalhos, que lhe sorria de maneira bondosa, e ela não teve medo dele. Na terceira vez, ela ficou encucada, e perguntou o que ele queria; ele respondeu que necessitava das orações dela, ao que ela retrucou: — ‘Por que eu?’ — ‘Porque você é uma moça pura, e eu quero as suas orações’. (Nilda deu-me umas explicações que eu disse ao Chico e ele disse: — “Muito bem lembrado.”)
“Maria Nelize era nossa única filha, sendo seus outros irmãos: Júlio César, com 14 anos, e Jonas Filho, com 9 anos.
“Eis mais alguns dados sobre as pessoas citadas na mensagem:”
1 — Júnior (Luizinho): Luiz Henrique Nascimento Júnior, seu namorado, irmão de Luciene Nascimento.
2 — Vovó Maria Claudina: Bisavó materna (minha avó), já falecida, em Jataí, Goiás, a 22 de agosto de 1966.
3 — Etelvina: Tia (minha cunhada), falecida também na cidade de Jataí, em 25 de novembro de 1973, aos 29 anos de idade.
4 — Mãezinha Neuza: Aquela que seria sua sogra (mãe de Luciene e Júnior).
“Sem mais, nosso fraternal abraço.
(aa) Júlia e Jonas.”
Para concluir o presente capítulo, transcrevamos a seguinte carta que Dra. Maria Júlia enviou à sua filha Maria Nelize, datada de 19/9/1980 [sete meses, antes de sua desencarnação]:
“Meu amor…
“Recebi sua carta… Tomo consciência que tenho uma filha poeta… O poeta, infelizmente, sempre vê o lado triste da vida… O eterno enamorado da tua, das estrelas, é sombrio…
“Mas… quero que você continue fazendo prosa e verso, não resta dúvida, mas… você tem 15 anos, e isto é belo, é maravilhoso, você está se desabrochando para a vida, e esta, apesar de momentos angustiantes, é bela!
“Minha filha, só seremos felizes, no dia em que despertarmos do nosso egoísmo, e ajudar, ou melhor, tentarmos ajudar nossos irmãos menos favorecidos: “Uma palavra certa, no momento certo.” — “Um sorriso de solidariedade.” — “Um aperto de mão.” — “Um gesto amigo.”
“Temos tantas ocasiões de prestar nossa ajuda, mas a maioria das vezes, ficamos fechados dentro de nós mesmos, do nosso egoísmo, com pena de nós mesmos, que nos esquecemos de olhar ao nosso redor e ver o quanto podemos ser úteis.
“Só se sente inútil o egoísta, porque ele sente tanta pena de si próprio, que esquece o mundo ao seu derredor.
“Você, minha querida, é uma pessoa privilegiada.
“Você tem seus pais que a adoram, tem seus irmãos. Tem um lar, tem amigos, tem saúde, inteligência, é perfeita. n
“Momentos de tristeza, nostalgia, são próprios de todo ser humano… Sentimos uma saudade indefinida, sem saber do quê, de onde; talvez seja nossa alma que, sem compreendermos, sente saudades de nossa verdadeira pátria, n tem ânsia de se libertar e se sente presa ao corpo.
“Mas, para que sejamos recompensados, temos que aceitar a luta da vida, e nos esquecendo de nós mesmos, e procurarmos ajudar os mais carentes.
“Só assim sentiremos alegria de viver, alegria de sermos úteis, porque todos nós somos importantes. Deus deu a cada um de nós uma missão a cumprir, um trabalho a realizar…
“Um dia, você entenderá a sua missão; por enquanto, você deve se preparar, estudar, viver seus 15 anos com amor e inteligência, procurando sempre distinguir o certo do errado, a fim de evitar quedas…
“Rogo sempre à Virgem Santíssima para protegê-la, inspirar-lhe tudo de bom e encaminhá-la na vida honesta e pura.
“Confiamos em você.
“E que a Virgem Santíssima lhe dê muita paz e felicidade.
“Você é um dos motivos que me faz mais feliz a vida!!!
“Te amo.
Sua Mamãe”
Elias Barbosa
Dra. Maria Júlia quer dizer com “é perfeita”: não possui qualquer defeito físico.
A propósito, consultemos o item 25 do Cap. V de O Evangelho Segundo o Espiritismo, de Allan Kardec, “A Melancolia” (François de Genève, Bordéus)